Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Fugas...

Fugir de onde os outros sempre vão Pois o que li nos livros ou na mão Não pode ser em vão...


O absurdo é uma fuga, a única fuga possível... O desejo de liberdade é o sintoma da escravidão...

"A menina Albertine foi-se embora!" Como em psicologia o sofrimento vai mais longe que a psicologia!(...) Estas palavras "A menina Albertine foi-se embora!" acabavam de produzir tal sofrimento no meu coração que sentia que já não poderia resistir-lhe mais ,que era preciso por-lhe termo imediatamente (...) a partida de Albertine pareceu-me indiferente e até desejável porque a julgara impossível...
Adeus para sempre, minha querida Albertine, e mais uma vez muito obrigado pelo belo passeio que demos juntos na véspera da nossa separação.
Para que a morte de Albertine tivesse podido suprimir os meus sofrimentos seria preciso que o choque a tivesse matado não apenas na Touraine, mas em mim, onde ela nunca estivera mais viva. Para entrar em nós, uma pessoa foi obrigada a tomar forma, a moldar-se pelo quadro do tempo; como só nos aparece em minutos sucessivos, nunca pôde entregar-nos de si mais que uma só fotografia.

Não teria que aniquilar em mim uma só Albertine, mas inúmeras.(...)E esses momentos do passado não são imóveis; conservam na nossa memória o movimento que os arrastava para o futuro- para um futuro que se tornou também passado - , a nós mesmos nos arrastando para lá.(...) Já não era o futuro de Albertine, era o seu Passado. O seu Passado! É uma força de expressão, visto que para o ciúme não existe nem passado nem futuro, e o que ele imagina é sempre Presente.

McCann -Importa-se de se sentar?
Stanley- Importo-me, sim.
Mc Cann- Pois é, mas é melhor sentar-se.
Stanley -Porque é que não se senta você?
McCann - Não sou eu, é você.
Stanley - Não, obrigado.


Não há uma grande diferença entre aquilo que é real e aquilo que é irreal, nem entre aquilo que é verdade e aquilo que é falso. Uma coisa pode não ser nem verdadeira nem falsa. Pode ser ao mesmo tempo verdadeira e falsa.(...) No teatro, a verdade esquiva-se sempre. Quase nunca a encontramos, mas é forçoso andar em sua busca. A busca é claramente aquilo que guia os nossos esforços. A procura é o nosso trabalho. É muitas vezes no escuro que tropeçamos na verdade, esbarramos com ela, ou vislumbramos uma imagem ou uma forma que parece corresponder à verdade, mas muitas vezes também acontece não sabermos que o fizemos. Mas a verdade mesmo é que não há nunca uma só verdade que possamos encontrar na arte do teatro. Há muitas. Estas verdades desafiam-se umas às outras, repercutem, refletem-se, ignoram-se, espicaçam-se, são insensíveis umas às outras. Às vezes, pensamos que temos a verdade de um momento na mão, e ela escapa-se-nos por entre os dedos e perde-se. Muitas vezes me perguntam como nascem as minhas peças. Não sei dizer. Nem sei resumir nenhuma das minhas peças. Não sei descrever nenhuma. Só sei dizer: foi isto o que aconteceu, foi isto o que disseram, foi isto o que fizeram.


E o sentimento súbito de se estar enclausurado numa cela infinita. Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo?

O meu desejo é fugir. Fugir ao que conheço, fugir ao que é meu, fugir ao que amo. Desejo partir - não para as índias impossíveis, ou para as grandes ilhas ao Sul de tudo, mas para o lugar qualquer - aldeia ou ermo - que tenha em si o não ser este lugar. Quero não ver mais estes rostos, estes hábitos e estes dias. Quero repousar, alheio, do meu fingimento orgânico. Quero sentir o sono chegar como vida, e não como repouso. Uma cabana à beira-mar, uma caverna, até, no socalco rugoso de uma serra, me pode dar isto. Infelizmente, só a minha vontade mo não pode dar.

Há um cansaço da inteligência abstracta e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço do corpo nem inquieta como o cansaço pela emoção. É um peso da consciência o mundo, um não poder respirar com a alma.
Então, como se o vento nelas desse, e fossem nuvens, todas as ideias em que temos sentido a vida, todas as ambições e desígnios em que temos fundado a esperança na continuação dela, se rasgam, se abrem, se afastam tornadas cinzas de nevoeiros, farrapos do que não foi nem poderia ser....É uma vontade de não querer ter pensamento, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente de todas as células do corpo e da alma. E o sentimento súbito de se estar enclausurado numa cela infinita. Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo?


São maçadoras,as memórias. Por isso, não devemos pensar em certas coisas,naquelas que nos interessam mais,ou melhor,devemos pensar,porque, se não pensarmos nelas, corremos o risco de as ir reencontrando,na nossa memória,a pouco e pouco.

Não sei quando morri... No entanto, neste final de tarde,sozinho na minha cama gelada,sinto que vou ser mais velho do que o dia,do que a noite em que o céu caiu com todas as suas luzes sobre mim,o mesmo céu que tantas vezes olhei...Porque hoje tenho medo demais para me ouvir apodrecer para esperar pelos grandes e violentos baques do coração....Vou portanto contar a mim mesmo uma história.

O mar, o céu,a montanha,as ilhas, vieram esmagar-me numa mensa sístole,depois afastaram-se até aos limites do espaço. Pensei vagamente no relato que não fiz,relato à imagem da minha vida,ou seja, sem coragem para terminar nem força para continuar.

Bruscamente,não com o tempo, com o tempo, não pude mais, não pude continuar. Alguém diz. Você não pode ficar aqui. Não podia ficar e não podia continuar...Estou nos meus braços, continuo nos meus braços,sem grande ternura, mas fielmente, fielmente. Durmamos, como à luz daquele candeeiro longínquo,enleados,por termos falado tanto,ouvido tanto,penado tanto, brincado tento.

Isto aqui é outra redoma,que não tardará também a ser inabitável, vai ser preciso partir. Está-se para aqui, onde qur que se esteja será um lugar inabitável,é assim. Por isso, é melhor partir, não, é melhor ficar. Partir para onde?... Procurar, à luz da noite,excessva, uma necessidade à altura da oferta, e voltar para a toca,de mãos vazias,de madrugada, no novo dia.

Esquece, ia dizer esquece isso tudo...Vai haver uma partida, eu serei um dos que partem, não serei eu, eu estarei aqui, direi que estou longe, não serei eu, não direi nada,vai haver uma história,alguém vai tentar contar uma história...Esquece isso tudo, querer esquecer isso tudo, sem saber o que isso tudo significa, é fácil de dizer, é fácil de fazer, em vão, nada mexeu, ninguém falou. Aqui, aqui, nada acontecerá, aqui não haverá ninguém, tão cedo. As partidas, as histórias, não estão para breve.

Onde iria, se pudesse ir, que seria, se pudesse ser, que diria,se tivesse uma voz, quem é que fala assim,dizendo que sou eu? Respondam simplesmente,haja alguém que responda simplesmente. É o mesmo desconhecido de sempre, o único para quem existo,nas profundezas da minha inexistência, da nossa, ora aí está uma resposta simples.
Depois tudo passa, tudo passa, estou outra vez longe, continuo a ter uma história longínqua, espero por mim ao longe para a minha história começar,para a minha história terminar,e mais uma vez esta vez não pode ser a minha.Seria para lá que eu iria,se pudesse ir,seria esse que eu seria, se pudesse ser.

Álcool
Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longamente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas d'auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Desce-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo -
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo para além...

Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de ouro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eterizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que eu ando delirante -
Manhã tão forte que me anoiteceu.


O álcool não é solução... permite ficar descontraída e simpática uma noite inteira, mas só o sei porque mo contam: nunca me recordo absolutamente de nada... Surgem -me flashes , desconexos, episódicos...Ignora com quem falei, mas mantive conversas interessantes...É uma sorte quando não me depara com gente demasiado conhecida. É estranho, assustador, não fazer ideia de onde esteve, com quem esteve e o que disse...Deve ser por isso que o povo "bebe para esquecer"...Esqueço tudo, menos o que queria ter esquecido...É uma solução degradante: a sociedade provinciana, as convenções, toleram , encaram com permissividade e bonomia, esta solução , em público, mas só nos jovens ou nos homens...

Uma fuga cinematográfica...

Mónica e o desejo - um filme concebido para uma atriz; uma sequência de fotografias, de uma beleza difícil de esquecer, que traduzem estados de alma. Imagens de um casal , em fuga a um quotidiano estiolante, a uma rotina amarga, em busca da plenitude, no efémero momento de um verão. Na ilha de Orno, o paraíso possível, vivem um sonho de amor e liberdade, mas Mónica engravida...Casam, nasce uma filha e ...é a história de sempre, o desenlace inevitável…Acaba o desejo,acaba o amor,acaba a magia, acaba tudo...De novo, imagens de uma mulher,agora sozinha, em fuga a um quotidino estilolante, à procura, à procura...

Ah, sempre no curso leve do tempo pesado
A mesma forma de viver!
O mesmo modo inútil de estar enganado
Por crer ou por descrer!
Sempre, na fuga ligeira da hora que morre,
A mesma desilusão...


A nudez de Mónica, o assumir do seu desejo e sensualidade, o abandono da filha, a fuga assumida às convenções, tornaram-na uma "bad girl", odiada nos pseudoliberais estados unidos: a catedral da liberdade, do preconceito e do puritanismo tacanho...



Quando nos iremos, ah quando iremos de aqui?
Quando, do meio destes amigos que não conheço,
Do meio destas maneiras de compreender que não compreendo,
Do meio destas vontades involuntariamente
Tão contrárias à minha, tão contrárias a mim?!


Além da evocação de um devaneio juvenil, este filme suscita uma reflexão, uma breve fuga ao tema fuga: bergman está apaixonado por mónica e sente ciúmes de harry, o realizador torna-se émulo da sua personagem...É um tema que a fascina : a existência de sentimentos concretos, quase palpáveis, por inexistências, por ficções, por seres de papel, por meras imagens...Neste caso, a palavra sentimento deixa de ser, morfologicamente, nome não contável( abstrato para os mais antigos), passando à classe de nome concreto.Em suma, o sentimento por alguém em concreto é abstrato; o sentimento por alguém em abstrato é concreto. Daqui não há fuga possível, vociferem os linguistas o que entenderem...

É tão suave a fuga deste dia,
Lídia, que não parece que vivemos.
Sem dúvida que os deuses
Nos são gratos esta hora...


Bernardo soares revolta-se, tranquilamente, arquitetando fugas mentais, mas não foge, fica. Fica sempre. Imobilizado pelo próprio pensamento, prisioneiro de ânsias que nunca concretizará. Pessoa foge sem fugir, vive a angústia da inutilidade de todas as fugas que pensa. Campos é uma mónica impotente, que se compraz em sentir tudo, sem nada viver ; campos é uma mónica que concretiza todas as fugas, mas chega a meio e volta para trás, num dramático retorno ao mesmo ponto de partida. Reis transforma as mónicas em lídias ,sentadas à beira do rio, placidamente conformadas com o destino. Caeiro, oh caeiro, nem se preocupa com a exitências de mónicas; fica e nunca pensa em fugir... E ela? Eu combino todos estes estados de alma: é só copiar o que foi escrito no parágrafo anterior, modificando o sujeito das frases e reescrevendo-as no feminino... Eu revolto-me, tranquilamente, arquitetando fugas mentais, mas não fujo, fico. Fico sempre. Imobilizada pelo próprio pensamento, prisioneira de ânsias que nunca concretizarei. Fujo sem fugir, vivo a angústia da inutilidade de todas as fugas que penso. Sou uma mónica impotente, que se compraz em sentir tudo, sem nada viver ; sou uma mónica que concretiza todas as fugas, mas chego a meio e volto para trás, num dramático retorno ao mesmo ponto de partida. Transformo as mónicas em lídias ,sentadas à beira do rio, placidamente conformadas com o destino. Ela, oh ela, nem se preocupa com a exitências de mónicas; fica e nunca pensa em fugir... Ela procura fugir,mas nunca foge.Tem sono sem ter sono... Sente-se exausta , dorida, mas não lhe apetece dormir, não consegue deixar de pensar...o corpo começa a exigir um descanso que a mente não permite. Sabe que é imaginação delirante e suscetibilidade exacerbada que desencadeiam esses estados depressivos. Andava a ficar serena, pacificada, consciente da realidade, mas ... estou de novo, à beira-mágoa, qual pessoa à espera de d. sebastião...Quero fugir, mas não consigo... Limito-me a recorrer "ao efeito simplificador da estupidez"... É isso: não sou burra, não sou palerma ou ingénua, sou simplesmente estúpida!!

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