Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...
quarta-feira, 30 de maio de 2018
Coração, cabeça e estômago...
Amor e racionalidade, uma falsa questão? O nosso cérebro é um conjunto de estruturas que são chamadas a agir em função das diferentes situações que a vida nos oferece.
O primeiro cérebro tem funções ligadas aos instintos de sobrevivência física, como comer, economizar energia, esconder-se, fugir e também gerar o impulso sexual, pois dele depende a sobrevivência da espécie.O segundo, o sistema límbico, comanda os sentimentos e as emoções. Graças a ele somos capazes de amar, odiar, sentir medo, raiva, saudade, prazer, ambição, ciúmes. O terceiro, o córtex cerebral, concentra a maior quantidade de neurónios, sendo nessa camada que se realiza conjunto de reações químicas que chamamos pensamento, lógica, razão.
Então o amor é função exclusiva do sistema límbico, a camada intermediária, superior aos instintos, mas inferior ao pensamento? Não. O amor pode começar ali, mas ultrapassa esses limites e contamina todo o cérebro, pedindo a participação da nossa parte mais primitiva, animal, e da nossa função mais desenvolvida, racional. Sem isso, o amor não se sustenta, deixa de ser um prazer e passa a incomodar como um corpo estranho.
Caius Valerius Catullus
Infeliz Catulo, deixa-te de loucuras,
o que pereceu considera perdido.
Outrora brilharam-te dourados sóis
quando ias aonde te levava a amada
lá muitos deleites havia que bem
querias tu e ela não queria mal.
É certo, brilharam-te dourados sóis...
Agora ela não quer: tu, louco, não queiras
nem busques quem foge nem vivas aflito,
porém, duramente suporta, resiste.
Vai, minha amada, adeus, Catulo já resiste,
não te vai implorar nem à força exigir-te
mas, quando ninguém te quiser, vais sofrer.
Ai de ti, amaldiçoada, que vida te resta?
Quem TE vai ver? PAra quem te enfeitarás?
quem vais amar? A quem se dirá que pertences?
Quem hás de beijar? Que lábios vais morder?
Mas tu, Catulo, resoluto, resiste.
Vivamos, minha Lésbia, e amemos,
e desprezemos os rumores dos velhos mais severos,
Os dias podem morrer ou renascer, mas a nós
quando cessar a nossa breve luz,
só nos resta dormir uma perpétua noite.
Dá-me mil beijos, depois outros cem, dá-me
muitos mil, depois outros sem fim, dá-me
mais mil ainda e, por fim, mais cem – então,
quando dermos beijos aos milhares,
Misturá-los-emos para que ninguém
nos possa invejar, quando souber, de tantos beijos.
"Não há baliza racional para as belas, nem para as horrorosas ilusões, quando o amor as inventa." Camilo Castelo Branco
Hoje já não escrevo cartas a amigos imaginários, hoje só escrevo cartas imaginárias a amigos inexistentes...Imaginárias porque não chegam a ser escritas, mas existem...Inexistentes porque são imaginários...Um dia, passo a escrito as minhas cartas imaginárias...
Há uma grande unidade
Em, sem pensar nem razão,
E até cantando a metade,
Bater roupa em realidade...
Quem me lava o coração?
" Uma das melhores novelas satíricas em língua portuguesa. Nela Camilo desvenda os mistérios duma sociedade que se compraz na vulgaridade e na hipocrisia , praticando todo o género de excessos e orientando toas as suas energias para a cupidez, a brutalidade e ânsia de ascensão social."
«A rapidez com que foi consumida a primeira edição deste romance, é um dos raros exemplos que, infelizmente para as letras de Portugal, podemos citar. Não se há-de atribuir ao esmero do trabalho, nem aos dotes de fantasia deste romance, a aceitação que o público lhe deu. Muitos outros livros do mesmo autor, reputados superiormente pela crítica, esperaram muito maior espaço de tempo o triunfo - verdadeiro triunfo entre nós - da republicação. Seria, pois, a diferença que vai deste aos outros em matéria de resguardo, moralização, honestidade e melindre? Decidam os leitores duns e doutros, que a nós é indiferente o parecer, logo que o supremo juiz de gosto decidiu, bem ou mal, a questão. [...]» (Camilo C. Branco, do préfácio à 2.ª edição)
Entendem cordatos fisiologistas que o amor, em certos casos, é uma depravação do nervo ótico. A imagem objetiva, que fere o órgão visual no estado patológico, adquire atributos fictícios. A alma recebe a impressão quimérica tal como sensório lha transmite, e com ela se identifica a ponto de revesti-la de qualidades e excelências que a mais esmerada natureza denega às suas criaturas diletas. Os certos casos em que acima se modifica a generalidade da definição vêm a ser aqueles em que o bom senso não pode atinar com o porquê dalgumas simpatias esquisitas, extravagantes e estúpidas que nos enchem de espanto, quando nos não fazem estoirar de inveja.
E tanto mais se prova a referida depravação do nervo que preside às funções da vista quanto a alma da pessoa enferma, vítima de sua ilusão, nos parece propensa ao belo, talhada para o sublime e opulentada de dons e méritos que o mais digno homem requestaria com orgulho.(Página 122, capítulo VI)
Viver segundo a razão, alvitre que os filósofos pregoam, é bom de dizer-se e desejar-se, mas enquanto os filósofos não derem uma razão a cada homem, e essa razão igual à de todos os homens, o apostolado é de todo inútil. Melhor avisados andam os moralistas religiosos, subordinando a humanidade aos ditames de uma mesma fé; todavia, e sem menoscabo dos preceitos evangélicos que altamente venero, parece-me que o homem, sincero crente, e devotado cristão, no meio destes mouros, que vivem à luz do século, e meneiam os negócios temporais a seu sabor, tal homem, se pedir a seu bom juízo religioso a norma dos deveres a respeitar, e dos direitos a reclamar, ganha créditos de parvo, e morre sequestrado dos prazeres da vida, se quiser poupar-se ao desgosto de ser apupado, procurando-os.
Como sabem, eu nunca andei em boas-avenças com a religião de meus pais; e por isso me abstenho de lhe imputar a responsabilidade das minhas quedas, seja dos pináculos aéreos onde o coração me alçou, seja do raso da razão, onde as quedas, bem que baixas, são mais igminiosas. Eu comparo o cair das alturas do coração à queda que se dá dum garboso cavalo: quem nos vê cair pode ser que nos deplore; mas decerto nos não acha ridículos. Ora, o cair da baixeza dos cálculos racionais é coisa que faz riso aos outros, e por isso muito comparável ao tombo que damos dum ignóbil burro. O cavalo despenha-nos e, com as crinas eriçadas, resfolga e arqueia-se com gentis corcovos. O burro, depois que nos sacode pelas orelhas, não é raro escoicear-nos. É o mesmo, se a comparação vos quadra, nas quedas do amor e nas quedas do raciocínio. Das primeiras erguemo-nos sacudindo as folhas secas de umas ilusões, enquanto outros gomos vêm já desabrolhando na alma para mais tarde reflorirem. Das segundas não há senão lama a sacudir e muita pisadura a curar com o bálsamo do tempo e duma vida brutalmente desapegada de tudo que ultrapassa o momento da sensação.
Agora que sinto amor
Tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.
Descasquei o camarão,
Tirei-lhe a cabeça toda.
Quando o amor não tem razão
É que o amor incomoda.
Ah, onde estou ou onde passo, ou onde não estou nem passo,
A banalidade devorante das caras de toda a gente!
Ah, a angústia insuportável de gente!
O cansaço inconvertível de ver e ouvir!
(Murmúrio outrora de regatos próprios, de arvoredo meu).
Queria vomitar o que vi, só da náusea de o ter visto,
Estômago da alma alvorotado de eu ser...
A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.
Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.
E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.
A minha casa... Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.
O poema tem mais pressa que o romance,
Asa de fogo para te levar:
Assim, pois, se houver lama que te lance
Ao corpo quente algum, hei-de chorar.
Deus fez o poeta por que não descanse
No golfo do destino e amores no mar:
Vem um, de onda, cobri-la — e ela que dance!
Vem outro — e faz menção de me enfeitar.
Os outros a conspurcam, mas é minha!
Chicoteá-la vou com a própria espinha,
Estreitam-me de amor seus braços mornos,
Transformo seus gemidos em meus uivos
E torno anéis dos seus cabelos ruivos
Na raspa canelada dos meus cornos.
Ele representava também a minha personalidade. Ele vivia a minha personalidade que ainda não pudera ser vivida, e por isso estrebuchava consigo própria. O que lutava com ele não era, talvez, senão a minha personalidade adquirida — as convenções que em mim já se haviam tornado natureza... Ai, eu já estava a pensar com demasiada facilidade para me não falsear! Ele e eu..., ele e eu
" Five o´clock tea"
Eu canto o chá das cinco que minha Mulher ofereceu,
Às seis da tarde, ao longo da barra azul da sala,
Àquela senhora inglesa que o Outono nos adiantou,
Tão distinta, discreta, boa e doce.
Naquela cadeira exposta ali na sala aos destinos
Das pessoas que vão entrando;
Aquela senhora de modos tão finos
E de dentes brancos onde já um ramo de tempo deita sombra;
Aquela senhora, ali, inglesa, no seu vestido de miosótis,
De que não me atrevo a pedir ramo algum
Enquanto bebo o meu chá, ao lado dela, pensando
Em tanto miosótis que tenho visto e me tenho acanhado de pedir ―
Ou por não ser tempo de miosótis e ficar feio andar augado,
Ou por não haver outra coisa nos jardins senão miosótis
e não me apetecer, francamente…
E assim, imobilizado o meu pálido yes
E falando francês àquela senhora inglesa,
Eu canto o chá dourado que minha Mulher lhe oferece ―
Minha Mulher, que não é inglesa mas gosta de pessoas de Inglaterra,
E pôs a barra azul na sala, por poesia,
E escureceu os móveis numa tarde toda dourada
Em que mais triste se sentia. A senhora inglesa,
Que uma amiga nossa que já esteve em Inglaterra nos
trouxe para este dia; A senhora inglesa dos olhos claros;
A senhora inglesa que só disse palavras correctas, coisas correctas,
E insinuou, na tarde, uma sinuosidade e uma harmonia
Só com o seu sim ou o seu não,
O seu braço longo, desistido, inapetente, mas belo
Precisamente porque é já o braço para o neto esfregar as gengivas
E roer e rir, e rir e roer, meses depois de nascer,
Como um belo guizo de oiro que só mesmo feito em Inglaterra!
O braço que não ocupa lugar e mede pela asa da chávena
(À distância a que a senhora inglesa a põe nos seus dedos como asas)
O abismo que vai da senhora inglesa a um lugar da Inglaterra,
E desta hora do chá a uma outra hora lá dela,
Íntima, doce, única, rara, ampla, esquecida,
Que não existiu talvez senão para ser lembrada
Em minha casa, esta tarde, e a comer short-bread ―
Que é assim a vida…
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