Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...
segunda-feira, 3 de agosto de 2020
Metamorfoses...
"A doença mental e toda a sua envolvência não são estranhos à arte. Na música popular, encontram-se inúmeros exemplos de formulações e imagens que contribuem para incrementar o conhecimento sobre as vivências internas. A tradução dessas experiências subjectivas apresenta grande valor para o conhecimento psiquiátrico, cuja base assenta no movimento empático como meio de exploração de estados patológicos. Os Beatles, grupo inglês de grande expressão, apresentam nas suas letras particularidades psicopatológicas. A canção She Said She Said aparece como especialmente rica nesse aspecto.
Nas letras das canções dos Beatles, encontram-se passagens que podem ser observadas e tratadas como estados psicopatológicos. She Said She Said é um exemplo particularmente rico em noções psicopatológicas, nomeadamente a constelação depressiva ou os fenómenos psicóticos e de despersonalização."
".... por terras de Extremadura, Don Quijote y Saavedra, com o elmo de mambrino na mão direita com que o acaricia, entrevê, numa longínqua proximidade, mas não perto de Toboso, embora ao som de Brel, Dulcinea..."
A alma humana é vítima tão inevitável da dor que sofre a dor da surpresa dolorosa, mesmo com o que devia esperar. Tal homem, que toda a vida falou da inconstância e da volubilidade feminina como de coisas naturais e típicas, terá toda a angústia da surpresa triste quando se encontre traído em amor — tal qual, não outro, como se tivesse sempre tido por dogma ou esperança a fidelidade e a firmeza da mulher.
Tal outro, que tem tudo por oco e vazio, sentirá como um raio súbito a descoberta de que têm por nada o que escreve, ou que é estéril o seu esforço por ensinar ou que é falsa a comunicabilidade da sua emoção.
Não há que crer que os homens, a quem estes desastres acontecem, e outros desastres como estes, houvessem sido pouco sinceros nas coisas que disseram, ou que escreveram, e em cuja substância esses desastres eram previsíveis ou certos. Nada tem a sinceridade da afirmação inteligente com a naturalidade da emoção espontânea. E isto parece poder ser assim, a alma parece poder assim ter surpresas, só para que a dor lhe não falte, o opróbio não deixe de lhe caber, a mágoa não lhe escasseie como quinhão igualitário na vida. Todos somos iguais na capacidade para o erro e para o sofrimento. Só não passa quem não sente; e os mais altos, os mais nobres, os mais previdentes, são os que vêm a passar e a sofrer do que previam e do que desdenhavam. É a isto que se chama a Vida.
..."Ortega 'hablando' de 'El Quijote'..."
Eu creio que a missão mais importante da crítica não é classificar taxar as obras literárias, distribuindo-as em boas ou más. Cada dia me interessa menos sentenciar: no lugar de ser juiz das coisas, prefiro ser o seu amante».
«o ódio impede uma verdadeira apreciação. A crítica pode ser antagónica e polémica, mas nunca basear-se no ódio».
O tema, bastante recorrente no pensamento do filósofo, acerca da necessidade humana de construção de hierarquias, «sem as quais o cosmos volta ao caos», é também considerado uma das razões que legitimam a crítica, porque «louvar o que não é louvável é confundir a cultura».
"....el Quijote en tierras extremeñas......"
Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.
Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.
Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem luto e dores,
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.
Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros gnomos e fadas
num halo resplandescente.
Inútil seguir vizinhos,
que ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.
Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.
— A aventura vai encaminhando os nossos negócios melhor do que o soubemos desejar; porque, vês ali, amigo Sancho Pança, onde se descobrem trinta ou mais desaforados gigantes, com quem penso fazer batalha, e tirar-lhes a todos as vidas, e com cujos despojos começaremos a enriquecer; que esta é boa guerra, e bom serviço faz a Deus quem tira tão má raça da face da terra.
— Quais gigantes? — disse Sancho Pança.
— Aqueles que ali vês — respondeu o amo — de braços tão compridos, que alguns os têm de quase duas léguas.
— Olhe bem Vossa Mercê — disse o escudeiro — que aquilo não são gigantes, são moinhos de vento; e os que parecem braços não são senão as velas...
Num livro nunca escrito, numa folha em branco, ouço, dentro de mim, fonemas, sons que insignificam... No momento em que me procuro e me escrevo, experimento a emoção de encontrar a palavra-que nunca-foi-dita , a palavra que sempre existiu só para mim, a palavra indizível que exprime o que sinto por ti...
Como se consegue transformar um amor em amizade? Será possível? Não será demasiado doloroso? Será que o amor se metamorfoseia de amizade , mas continua a ser amor? Será que a amizade, que já foi amor, tem uma natureza diferente da amizade que nasceu amizade?
“O mito de Eros e Psique não é menos importante para o entendimento da atualidade” Dirigindo-se ao leitor, Inês Pedrosa afirma que este “compreenderá a ligação entre os factos e o mito, se dispuser de paciência para ler este romance e se pertencer a essa fina-flor de almas sábias que encontrou na hipérbole de ficção uma verdade mais cirúrgica do que a fornecida pela científica dieta dos documentos”
A conservação da identidade interior, apesar da mutação exterior, inerente ao conceito de metamorfose em ovídio e em kafka, é um reflexo da teoria da metempsicose, defendida por Pitágoras.
Pigmalião sempre vira a vida dissoluta destas mulheres. / Por isso, revoltado com os vícios sem conta que a natureza / conferira à índole feminina, vivia solteiro e sem esposa; / e por muitos anos não teve com quem partilhar o leito.Um dia, com arte espantosa e feliz, esculpiu uma peça / de marfim da cor da neve, com a beleza com que mulher / alguma consegue nascer; e enamorou-se da sua obra.A face era de uma jovem autêntica,a qual tu julgarias / estar viva e que queria, não obstante a timidez , mover-se (...) Pigmalião extasia-se / a olhá-la e sorve no peito chamas pelo corpo de imitação. / Muitas vezes toca com as mãos na sua obra para testar/ se é corpo ou marfim,e nem admite que ainda é marfim,/ d´-lhe beijos e julga que são devolvidos_; fala-lhe, abraça-a, / crê que,ao tocar-lhe, os dedos se afundam no corpo e teme / que, ao pressionar, marcas lívidas acedam aos membros./ Ora lhe faz carícias, ora lhe traz presentes que encantam/ as donzelas: conchas e pedrinhas polidas,/ e pequeninas aves e flores de mil cores, / e lírios, e bolinhas coloridas, e lágrimas que deslizam/ da árvore das Helíades. Enfeita ainda o corpo de vestidos,/nos dedos põe anéis com jóias,ao pescoço longos colares./ Pendem das orelhas leves pérolas,e fitas sobre o peito./ Tudo lhe fica tão bem! E nem nua pareceria menos bela./ Deita-a então sobre colchas tingidas da concha de Sídon,/ e chama-lhe companheira de leito, e recosta-lhe a cabeça/ em almofadas de macias penas, como se ela pudesse sentir./ Chegara o dia da festa de Vénus, aquela a que toda a Chipre / acorria a celebrar.(...) Findo o ritual, quedou-se junto ao altar / e timidamente disse: " Deuses,se tendes o poder de outorgar/ tudo, desejo que me concedais... esposa semelhante à de marfim"/ Presente à sua festa, a doirada Vénus percebeu o que queria/ dizer a prece; e por três vezes o fogo se avivou e a ponta / da chama se ergueu pelos ares, sinal favorável da deusa./ Ao voltar a casa, logo se abeira da estatueta da sua menina./ Debruçando-se sobre o leito, beijou-a: pareceu-lhe tépida! De novo aproxima os lábios e toca-lhe nos seios com as mãos./ Ao ser tacteado, o marfim torna-se mole ! A rigidez esvai-se, / e sob os dedos cede e molda-se, tal como a cera do Himeto/ sob o sol amolece e, moldada pelos dedos, cede a mudar-se / em formas sem conta, tornando-se útil pelo próprio uso./ Enquanto se pasma, e se alegra na dúvida e receia enganar-se, / uma e outra vez o amante toca com as mãos nos seus desejos. Era corpo humano! As veias tacteadas pelo polegar latejam! / Então, o herói de Pafo pronuncia palavras solenes / de gratidão a Vénus. Comprime, por fim, com os lábios / os lábios que já não eram falsos. A donzela sentiu os beijos / que ele dava e corou. E erguendo o olhar tímido para o dele, / vislumbra, ao mesmo tempo, o céu e quem a amava.
Parafraseando saramago, gostaria de meter esta metamorfose de galateia em cima de um palco...Se tivesse sido atriz, teria sido o papel da minha vida...
Segundo fernando pessoa,o mito de Pigmalião e Galateia mostra que o grego compreendeu a dor de a arte nunca poder chegar à vida, por não poder criar a vida verdadeiramente.
Outras metamorfoses...
Mal finda a prece, invade-lhe um torpor os membros, os seus seios tenros são por fina casca envoltos, dos cachos crescem folhas e ramos dos braços; pés tão velozes fixam-se em lentas raízes, no seu rosto coberto, um brilho apenas resta. Entanto, Febo continua a amar, e pondo a dextra no tronco, sente o peito tremer sob a casca e, os ramos abraçando, qual membros, recobre-o de beijos, mas o tronco se esquiva aos seus beijos. Diz-lhe o deus: “Já que não podes ser a minha esposa, serás a minha árvore..."
De lá, pela imensidão do éter, coberto com um véu dourado, o Himeneu se afasta e se dirige para as regiões da Trácia e é chamado inutilmente pela voz de Orfeu. Aquele, na verdade, se aproximou, contudo não levou palavras sagradas, nem feições alegres, nem presságio favorável. A tocha aguda que ele conservou esteve sempre com funesta fumaça e, até mesmo com movimentos, não obteve nenhuma chama. O desfecho é mais grave do que o auspício: com efeito, enquanto a esposa anda por entre as plantas, acompanhada de uma nova turba de ninfas, morre com a picada de uma serpente recebida no tornozelo. O poeta da Trácia lamentou para os céus superiores a fim de que descesse às sombras, ousou entrar nos infernos e, por entre populações inconstantes e espectros já sepultados, aproximou-se de Perséfone e do senhor das sombras, que detém os reinos infernais. Tocadas as cordas, assim diz os versos: “Ó deuses do mundo posto sob a terra, no qual descemos todos nós, criaturas mortais; cessados os rodeios da palavra enganadora, se é lícito que vós permitis falar coisas verdadeiras, não desci para ver o tenebroso Tártaro, nem para vencer as três goelas cobertas de serpentes do monstro de Medusa: a causa da viagem é a minha esposa, tendo pisado numa víbora, o veneno nela se espalhou e tirou-lhe os anos crescentes. Desejei poder suportar, não negarei que eu tenha tentado: o Amor venceu. Este é um deus bem conhecido na região superior, se aqui o é, não sei, contudo penso que seja. Se a fama do antigo rapto não mentiu, o Amor também vos uniu. Por entre estes lugares plenos de terror, por entre este enorme caos e a sombra de vasto reino, suplico, refazei a vida prematura de Eurídice. Devemos todas as coisas a vós, e tendo vivido um pouco, mais lentamente ou mais rapidamente, nos impelimos para uma única sede. Para aqui nos dirigimos todos, esta é a última casa, e vós tendes vastíssimo domínio sobre o género humano. Ela também, quando já madura tiver percorrido anos suficientes, estará ao vosso poder: pedimos, por favor, aquilo que é necessário; porque se os fados me negam a graça em favor da esposa, estou decidido a não querer regressar, comprazei vós com a morte dos dois”. As almas exangues choravam por aquele que,tocando as cordas, dizia tais palavras. Nem Tântalo cobiçou a água fugidia, e a roda de Íxion ficou imóvel, nem as aves comeram o fígado, e as Danaides ficaram desocupadas quanto às urnas, e tu, ó Sísifo, tomaste assento em teu rochedo. Então, diz-se que, pela primeira vez, os olhos das Euménides, vencidas pelo canto, encheram-se de lágrimas. Nem a esposa real ousa negar àquele que suplica, nem quem governa as profundezas. Chamam Eurídice. Ela estava entre as sombras recentes e caminhou com o passo lento por causa da ferida. O herói de Ródope a recebe com a condição de que não volte seus olhos para trás até que tenha atravessado os vales do Averno. Do contrário, as oferendas haverão de ser inúteis. O caminho escarpado, árduo, obscuro, coberto de negra fumaça, é trilhado por entre a silenciosa escuridão. Não longe, aproximaram-se da entrada do solo elevado: neste momento, temendo que ela o abandonasse e ávido de vê-la, o amante voltou os olhos, e imediatamente ela foi reconduzida, e estendendo os braços para ser agarrada e esforçando-se para agarrar, a infeliz nada toma senão os ares que se dissipam. E agora ,morta pela segunda vez, nada murmura contra seu esposo (o que, de facto, haveria de se queixar, senão o facto de ser amada?). E ela disse um último “adeus”, que desde então com dificuldade ele compreendeu, e foi conduzida de novo para o mesmo lugar. Orfeu ficou perplexo com a dupla morte da esposa, não de modo diferente de quem, medroso, viu os três pescoços do cão, carregando no meio correntes, a quem o pavor não abandonou antes de sua natureza primeira, erguendo-se a rocha por entre o corpo. Tal como Óleno que arrastou contra si um crime e desejou ser visto como um culpado, e como tu, ó infeliz Letéia, confiaste na tua aparência, os corações muito unidos de outrora, agora são pedras, as quais sustenta o húmido Ida. O barqueiro contivera Orfeu que, em vão, suplicava e desejava atravessar pela segunda vez: contudo, ele permaneceu de luto e sem o dom de Ceres por sete dias na costa. O cuidado e a dor do coração e as lágrimas foram o seu sustento. Lamentou que os deuses do Érebo eram cruéis, refugia-se no alto Ródope e no monte Hemo batido pelos ventos do norte. O terceiro Titan determinara o ano encerrado com os Peixes marinhos e Orfeu recusara todo encanto feminino, ou porque tristemente lhe sucedera ou porque concedera fidelidade, contudo o desejo de unir-se ao vate se apossava de muitas; muitas, repelidas, sofreram. Ele ainda foi, para os povos da Trácia, conselheiro em levar o amor aos jovens rapazes e em colher, antes da juventude, as primeiras flores e a breve primavera da vida.
Quando, certa manhã, Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se na sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.
Não era um sonho. O seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um pouco pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem conhecidas.
Mas Gregor estava agora muito mais calmo. As palavras que pronunciava já não eram inteligíveis, aparentemente, embora a ele lhe parecessem distintas, mais distintas mesmo que antes, talvez porque o ouvido se tivesse acostumado ao som ...
Morto? — perguntou a Senhora Samsa, olhando inquisidoramente para a criada, embora pudesse ter verificado por si própria e o facto fosse de tal modo evidente que dispensava qualquer investigação(...) — Muito bem — disse o Senhor Samsa —, louvado seja Deus.
Aderga de agastura atabafada,
aterma barafusta e por betado
compeça batocante de chapado(...)
Forfante de incha e de maninconia,
gualdido parafusa testaçudo.
Mas trefo e sengo nos vindima tudo
focinho rechaçando e galasia.
Anadiómena Afrodite? Não:
Apenas Duarte Nunes de Leão
É que por enquanto a metamorfose de mim em mim mesma não faz sentido. É uma metamorfose em que eu perco tudo o que tinha, e o que sou. E agora o que sou? Sou: estar de pé diante de um susto. Sou: o que vi. Não entendo e tenho medo de entender, o material do mundo me assusta, com seus planetas e baratas.
In the jostling crowd, you're not allowed to tell the truth and the photobooth's a liar...
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