José Saramago

sábado, 18 de novembro de 2023

Tédio...



 "Elizabeth Zott não é uma mulher comum. Aliás, Elizabeth Zott seria a primeira a dizer que a mulher comum não existe. Estamos no início dos anos sessenta e a sua equipa de trabalho no Instituto de Pesquisa Hastings é exclusivamente masculina. Elizabeth pode ter sido uma das melhores alunas do curso de Química (foi), mas todos os colegas esperam que seja ela a ir buscar cafés ou fazer fotocópias (não será). Há, porém uma exceção: Calvin Evans, um jovem brilhante que se apaixona por ela. Entre eles, a química é a sério. Mas tal como na ciência, a vida nem sempre segue uma linha reta. Anos mais tarde, Elizabeth é mãe solteira e a estrela relutante do programa de culinária mais amado da América, o Jantar às Seis. A sua abordagem à cozinha é extravagante  e revolucionária   A sua popularidade irrita muita gente. Longe dos holofotes, Elizabeth também usa a ciência para alimentar o corpo irrequieto e a mente subversiva da filha de quatro anos, Madeline, bem como o espírito crítico de Seis e Meia, o cão. ...

Uma obra prima que me começou por  causar um  profundíssimo, " íssimo",  tédio, mas que evoluiu de forma agradável...

A bibliotecária é a educadora mais importante da escola. Aquilo que ela não souber, consegue encontrar. Isto não é uma opinião, é um facto. Não partilhes este facto com Mrs Mudford. 

Momento mais interessante; conversa, na biblioteca, entre Mad, uma criança muito especial, e Wakely, o reverendo presbiteriano...( p.289- 301)


Sono de ser, sem remédio,

Vestígio do que não foi,

Leve.mágoa, breve tédio,

Não sei se pára, se flui;

Não sei se existe ou se dói



A loucura chamada afirmar, a doença chamada crer, a infâmia chamada ser feliz — tudo isto cheira a mundo, sabe à triste coisa que é a terra.  Sê indiferente. Ama o poente e o amanhecer, porque não há utilidade, nem para ti, em amá-los.



O tédio... Sofrer sem sofrimento, querer sem vontade, pensar sem raciocínio... É como a possessão por um demónio negativo, um embruxamento por coisa nenhuma. Dizem que os bruxos, ou os pequenos magos, conseguem, fazendo de nós imagens, e a elas infligindo maus tratos, que esses maus tratos, por uma transferência astral, se reflictam em nós. O tédio surge-me, na sensação transposta desta imagem, como o reflexo maligno de bruxedos de um demónio das fadas, exercidas, não sobre uma imagem minha, senão sobre a sua sombra. E na sombra íntima de mim, no exterior do interior da minha alma, que se colam papéis ou se espetam alfinetes. Sou como o homem que vendeu a sombra, ou, antes, como a sombra do homem que a vendeu.
 

  ...e um profundo e tediento desdém por todos quantos trabalham para a humanidade, por todos quantos se batem pela pátria e dão a sua vida para que a civilização continue......um desdém cheio de tédio por eles, que desconhecem que a única realidade para cada um é a sua própria alma, e o resto — o mundo exterior e os outros — um pesadelo inestético, como um resultado nos sonhos de uma indigestão de espírito. 

 A minha aversão pelo esforço excita-se até ao horror quase gesticulante perante todas as formas do esforço violento. E a guerra, o trabalho produtivo e enérgico, o auxílio aos outros (...) tudo isto não me parece mais que o produto de um impudor, (...) E, perante, a realidade suprema da minha alma, tudo o que é útil e exterior me sabe a frívolo e trivial ante a soberana e pura grandeza de meus mais vivos e frequentes sonhos. Esses, para mim, são mais reais.

As misérias de um homem que sente o tédio da vida do terraço da sua vila rica são uma coisa; são outra coisa as misérias de quem, como eu, tem que contemplar a paisagem do meu quarto num 4º andar da Baixa, e sem poder esquecer que é ajudante de guarda-livros.

Tenho às vezes o tédio de ser eu 
Com esta forma de hoje e estas maneiras...
 Gasto inúteis horas inteiras 
A descobrir quem sou; e nunca deu


Uma tristeza de crepúsculo, feita de cansaços e de renúncias falsas, um tédio de sentir qualquer coisa, uma dor como de um soluço parado ou de uma verdade obtida. Desenrola-se-me na alma desatenta esta paisagem de abdicações - áleas de gestos abandonados, canteiros altos de sonhos nem sequer bem sonhados, inconsequências, como muros de buxo dividindo caminhos vazios, suposições, como velhos tanques sem repuxo vivo, tudo se emaranha e se visualiza pobre no desalinho triste das minhas sensações confusas.


Quando o Tédio, invencível e infecundo,

Nos faz sentir a solidão de ser,

E uma monotonia ocupa o mundo,

Que mais tem o espírito a fazer

Do que ensinar ao corpo que o profundo

Desgosto da existência lhe requere

Que veja sempre ao cálix o seu fundo

E sempre tome o cálix a encher?


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