Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

sábado, 13 de junho de 2015

Aversões e combates...

O homem vulgar, por mais dura que lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de a não pensar.

Odi profanum vulgus et arceo; favete linguis. carmina non prius audita Musarum sacerdos virginibus puerisque canto. regum timendorum in proprios greges,reges in ipsos imperium est Iovis,clari Giganteo triumpho, cuncta supercilio moventis. est ut viro vir latius ordinet arbusta sulcis, hic generosior descendat in campum petitor,moribus hic meliorque fama contendat, illi turba clientium sit maior; aequa lege Necessitas sortitur insignes et imos: omne capax movet urna nomen. destrictus ensis cui super impia cervice pendet, non Siculae dapes dulcem elaborabunt saporem, non avium citharaeque cantus somnum reducent. somnus agrestium lenis virorum non humiles domo fastidit umbrosamque ripam, non zephyris agitata Tempe. desiderantem quod satis est neque tumultuosum sollicitat mare nec saevus Arcturi cadentis impetus aut orientis Haedi, non verberatae grandine vineae fundusque mendax, arbore nunc aquas culpante, nunc torrentia agros sidera, nunc hiemes iniquas. contracta pisces aequora sentiunt iactis in altum molibus: huc frequens caementa demittit redemptor cum famulis dominusque terrae fastidiosus. sed Timor et Minae scandunt eodem quo dominus, neque decedit aerata triremi et post equitem sedet atra Cura. quodsi dolentem nec Phrygius lapis nec purpurarum sidere clarior delenit usus nec Falerna vitis Achaemeniumque costum, cur invidendis postibus et novo sublime ritu moliar atrium? cur valle permutem Sabina divitias operosiores?

Nada me comove que se diga de um homem que tenho por louco ou néscio, que supera a um homem vulgar em muitos casos e conseguimentos da vida. Os epilépticos são, na crise, fortíssimos; os paranóicos raciocinam como poucos homens normais conseguem discorrer; os delirantes com mania religiosa agregam multidões de crentes como poucos (se alguns) demagogos as agregam, e com uma força íntima que estes não logram dar aos seus sequazes. E isto tudo não prova senão que a loucura é loucura. Prefiro a derrota com o conhecimento da beleza das flores que a vitória no meio dos desertos, cheia de cegueira da alma a sós com a sua nulidade separada

O lema que hoje mais requeiro para definição do meu espírito é o de criador de indiferenças. Mais do que outra, quereria que a minha acção pela vida fosse de educar os outros a sentir cada vez mais para si próprios, e cada vez menos segundo a lei dinâmica da colectividade... Educar naquela anti-sepsia espiritual pela qual não pode haver contágio de vulgaridade, parece-me o mais constelado destino do pedagogo íntimo que eu quereria ser. Que quantos me lessem aprendessem — pouco a pouco embora, como o assunto manda — a não ter sensações nenhuma perante os olhares alheios e as opiniões dos outros, esse destino engrinaldaria suficientemente a estagnação escolástica da minha vida.
A impossibilidade de agir foi sempre em mim uma moléstia com etiologia metafísica. Fazer um gesto foi sempre, para o meu sentimento das coisas, uma perturbação, um desdobramento, no universo exterior; mexer-me deu-me sempre a impressão que não deixaria intactas as estrelas nem os céus sem mudança. Por isso, a importância metafísica do mais pequeno gesto, cedo tomou um relevo atónito dentro de mim. Adquiri perante agir um escrúpulo de honestidade transcendental, que me inibe, desde que o fixei na minha consciência, de ter relações muito acentuadas com o mundo palpável.



I'm so confused. Am I a normal person? You know, I can't tell if I'm a normal person It's true, I think I'm cool enough, but am I cruel enough? Am I cruel enough for you?

Ela canta, pobre ceifeira, Julgando-se feliz talvez;

Quando passo um dia inteiro
Sem ver o meu amorzinho
Cobre-me um frio de Janeiro
No Junho do meu carinho


Todo este universo é um livro em que cada um de nós é uma frase. Nenhum de nós, por si mesmo, faz mais que um pequeno sentido, ou uma parte de sentido; só no conjunto do que se diz se percebe o que cada um verdadeiramente quer dizer. Uns são frases que como se erguem do texto a determinar o sentido de todo um capítulo, ou de toda uma intenção, e a esses denominamos génios; outros são simples palavras, contendo uma frase em si mesmas, ou adjectivos definindo grandemente, destacadas aqui ou ali, mas sem dizer o que importa ao conjunto, e são esses os homens de talento; uns são as frases de pergunta e resposta, pelas quais se forma a vida do diálogo, e esses são os homens de acção; outros são frases que aliviam o diálogo, tornando-o lento para depois se sentir mais rápido, pontuações verbais do discurso, e esses são os homens de inteligência. A maioria são as frases feitas, quase iguais umas às outras, sem cor nem relevo, que servem todavia de ligar as intenções das metáforas, de estabelecer a continuidade do discurso, de permitir que os relevos tenham relevo, existindo, aparentemente, só para que esses possam existir. De resto, não somos nós feitos, como a frase, de palavras comuns (e estas de sílabas simples) de substância constante, diversamente misturada, da humanidade vulgar? Não é o nosso amor o amor de todos e o nosso choro as lágrimas em si mesmas? Mas cada um de nós ama e chora ele, que não outro: há um objectivo de dentro que o indefine (dissolve) e determina...


Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.

Não tendo podido viver segundo os preceitos da moral estabelecida, procuro, pelo menos, estar de acordo com a minha própria. No momento em que decidimos renegar todos os princípios, é conveniente que conservemos, no mínimo, os escrúpulos.

Temos mentido tanto, e tanto sofrido por mentir, que não há grande risco em tentar a cura através da sinceridade...

Uma vez que alguma coisa de tão grave se passara comigo, parecia-me, ingenuamente, que eu deveria estar mudado. O espelho, porém, não me enviou senão o reflexo do meu rosto de sempre, um rosto inquieto, angustiado e pensativo. Passei a mão pelas faces menos para apagar o vestígio de um contacto do que para me assegurar de que a imagem refletida era bem a minha.
O que torna a volúpia tão terrível é talvez o facto de que ela nos ensina que temos um corpo. Antes, ele não nos servia senão para viver; a partir de um determinado momento, sentimos que esse corpo tem a sua existência particular, os seus sonhos,a sua vontade, e que, até à nossa morte, teremos de ter em conta a sua presença, ceder, transigir, ou lutar..


As almas são incomunicáveis. Deixa teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Será? Quer crer que não...De qualquer modo, é um assunto desconfortável... nunca percebeu nada de corpos: as palavras vêm da alma, seja lá o que ela for...

Esta imagem angustia. Está cansada de ser a mais, de não encaixar...
Para desconforto já me basta o inevitável, escuso de introduzir peças que me desagradam. Sinto-me tão deslocada... o meu combate não é com o corpo, é com a sensação de que estou a mais, mesmo virtualmente. Sou a peça de um puzzle que ficou na caixa errada e, portanto, não se enquadra em lado nenhum...No jogo a que pertencia ficou um vazio e a peça solta ignora a que grupo pertence...

Peço-te humildemente, o mais humildemente possível, perdão. Não por te deixar, mas por ter ficado por tanto tempo.É assim que termina a carta de alexis para mónica,uma carta que,por outros motivos, eu já deveria ter escrito há uns anos atrás...
Neste livro-carta, o primeiro romance de yourcenar,escrito em 1927, alexis, na pureza do seu sentir,pede desculpa pelo desamor,mas,sobretudo, pela limitação da palavra escrita, pela incapacidade de verbalizar, pela "grosseria dos sentimentos quando alocados em frases limitadas, que deveriam significar muito mais do que comportam". É esta impotência de traduzir sentimentos não convencionais em palavras que me domina e cativa ...

Tanto era possível que estivesse ali a promessa de um recomeço como o adeus de uma definitiva ruptura. Nem eu chegava a saber o que seria melhor para manter viva a ilusão de um amor feliz.

Mas, enfim, eu estava do lado certo, isso bastava para a paz de minha consciência. O sentimento do direito, a satisfação de ter razão, a alegria de nos estimarmos a nós próprios são, meu caro senhor, impulsos poderosos para nos manter de pé ou nos fazer avançar. Pelo contrário, privar os homens desses impulsos implica transformá-los em cães raivosos. .

Os crimes mais terríveis, numa perspetiva individual, são os que permanecem secretos,pois não existe nenhum mecanismo exógeno que liberte o criminoso do sentimento de culpa... Uma sentença, uma condenação, tem sempre o seu quê de redentor...Todos os dias olhar o espelho e ser observado por um outro eu que nos acusa, que nos recrimina, num mutismo hostil, é devastador. A culpa aumenta,agiganta-se se o crime fica impune... Pela intensidade dos seus combates secretos, gosta de equiparar raskólnikov a madalena de vilhena...

Este amor, que hoje está santificado e bendito no céu, porque Manuel de Sousa é meu marido, começou com um crime, porque eu amei-o assim que o vi… e quando o vi, hoje, hoje… foi em tal dia como hoje, D. João de Portugal ainda era vivo! O pecado estava-me no coração; a boca não o disse… os olhos não sei o que fizeram, mas dentro da alma eu já não tinha outra imagem senão a do amante… já não guardava a meu marido, a meu bom… a meu generoso marido… senão a grosseira fidelidade que uma mulher bem-nascida quási que mais deve a si do que ao esposo. Permitiu Deus… quem sabe se para me tentar?… Que naquela funesta batalha de Alcácer, entre tantos, ficasse também D. João

Combates...
"Eu bem sabia!", murmurou desgostoso. "Já me tinha lembrado! Isto é mesmo desagradável! É para que veja como uma tolice, o mais vulgar pormenor, pode estragar a melhor das intenções! Sim, o chapelinho dá nas vistas... Ridículo, e é por isso que todo mundo o vê. Com estes farrapos, a única coisa que diz bem é o gorro, mesmo velho, e não este espantalho. Ninguém traz outro semelhante, vê-se a um quilómetro de distância, fica gravado na memória... Sobretudo o facto de não se esquecer é um argumento comprovativo. E o que é necessário, precisamente, é passar despercebido... Pormenores, insignificâncias, é isso o principal... Uma ninharia destas pode deitar tudo a perder de uma vez para sempre..."

Todos sabem que a vida não vale a pena ser vivida. No fundo, não ignorava que morrer aos trinta ou aos setenta anos tanto faz, pois em qualquer dos casos outros homens e mulheres viverão, e isso durante milhares de anos. No fim das contas, isso era claro como água, hoje ou daqui a vinte anos, era o mesmo eu quem morria.

Pelo menos, combate uma fraqueza com outra: tempera o receio com a esperança. Por certo que possa ser qualquer um dos riscos que tememos, é ainda mais certo que os nossos temores se apaziguam, quando as nossas esperanças nos enganam.


Gostaria de traduzir em palavras o que sinto ao ouvir este som, mas esse é mais com combate perdido...

Este cão, chamado pessoa, nascido no dia do aniversário da pessoa mais pessoa que existe, fez-me surgir uma ideia. Gostaria de tentar( eu disse tentar) escrever o guião para um filme que,subitamente,surgiu em mim: " Pessoas".
As personagens impuseram-se-me também de imediato: fernando, eu, o cão, os donos do cão e um amigo comum. Só pessoas que são pessoas que julgo terem por mim um afeto e admiração autênticos e duradouros. Só o fernando teria nome.Todas as outras seriam , por exemplo, eu pessoa,cão pessoa,dono pessoa,dona pessoa,amigo pessoa. Talvez seja demasiado bizarro... Fica mais sóbrio sugerir o apelido, mas ser só o narrador, o cão, o dono, a dona e o amigo...



Sermão pregado ,no Maranhão, em 13 de Junho de 1654...um combate ainda atual...

Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também agora as vossas repreensões. Servir-vos-ão de confusão, já que não seja de emenda. A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. Olhai como estranha isto Santo Agostinho: Homines pravis, praeversisque cupiditatibus facti sunt, sicut piscis invicem se devorantes: “Os homens com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes que se comem uns aos outros”. Tão alheia cousa é, não só da razão, mas da mesma natureza, que, sendo todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria, e todos finalmente irmãos, vivais de vos comer!

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