Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

domingo, 26 de julho de 2015

Bulas e outras advertências...

A palavra bula vem do latim bulla, bullae: bolha, selo, sinete. Era o nome que se dava antigamente a qualquer diploma, mas tinha outros sentidos: insígnia que traziam no pescoço aqueles que entravam triunfantes em Roma; nome dado às medalhas que os nobres traziam ao peito, como distintivo da sua condição; peças de ouro, prata e outros metais, lavradas em formato redondo e oval;selos...Hoje, bula tem outros significados:informações sobre um medicamento; documento expedido pela Santa Sé; um dos setores da Guiné-Bissau; banda brasileira.
A única bula que nos perturba diretamente a existência é a medicamentosa... Ao ler os efeitos secundários de certas substâncias, percecionam-se os médicos como perversos serial killer , tão terrífico é o cenário apresentado. Que modo indecoroso de morrer...
Será que há maneiras elegantes de morrer?

Now I had seen the warnings, screaming from all sides It's easy to ignore them God knows I've tried


Advertência...

Antes que venha o Inverno e disperse ao vento essas folhas de poesia que por aí caíram, vamos escolher uma ou outra que valha a pena conservar, ainda que não seja senão para memória. A outros versos chamei eu já as últimas recordações de minha vida poética. Enganei o público, mas de boa fé, porque me enganei primeiro a mim. Protestos de poetas que sempre estão a dizer adeus ao mundo, e morrem abraçados com o louro - às vezes imaginário, porque ninguém os coroa. Eu pouco mais tinha de vinte anos quando publiquei certo poema, e jurei que eram os últimos versos que fazia. Que juramentos! Se dos meus se rirem, têm razão; mas saibam que eu também primeiro me ri deles. Poeta na primavera, no estio e no outono da vida, hei-de sê-lo no inverno, se lá chegar, e hei-de sê-lo em tudo. Mas dantes cuidava que não, e nisso ia o erro...
Não sei se são bons ou maus estes versos; sei que gosto mais deles do que nenhuns outros que fizesse. Porquê? É impossível dizê-lo, mas é verdade. E, como nada são por ele nem para ele, é provável que o público sinta bem diversamente do autor. Que importa? Apesar de sempre se dizer e escrever há cem mil anos o contrário, parece-me que o melhor e o mais recto juiz que pode ter um escritor é ele próprio, quando o não cega o amor-próprio. Eu sei que tenho o olhos abertos, ao menos agora.
Custa-lhe a uma pessoa, como custava ao Tasso, e ainda sem ser Tasso, a queimar os seus versos, que são seus filhos; mas o sentimento paterno não impede de ver os defeitos das crianças. Enfim, eu não queimo estes. Consagrei-os Ignoto Deo. E o deus que os inspirou que os aniquile se quiser: não me julgo com direito de o fazer eu. Ainda assim, no Ignoto Deo não imaginem alguma divindade meia velada com o cendal transparente, que o devoto está morrendo que lhe caia para que todos a vejam bem clara. O meu deus desconhecido é realmente aquele misterioso, oculto e não definido sentimento de alma que a leva às aspirações de uma felicidade ideal, o sonho de oiro do poeta.
Imaginação que porventura não se realiza nunca. E daí quem sabe? A culpa é talvez da palavra, que é abstracta de mais. Saúde, riqueza, miséria, pobreza, e ainda coisas mais materiais, como o frio e o calor, não são senão estados comparativos, aproximativos. Ao infinito não se chega, porque deixava de o ser em se chegando a ele. Logo o poeta é louco porque aspira sempre ao impossível. Não sei. Essa é uma disputação mais longa. Mas sei que as presentes Folhas Caídas representam o estado de alma do poeta nas variadas, incertas e vacilantes oscilações do espírito , que, tendendo ao seu fim único, a posse do ideal, ora pensa tê-lo alcançado, ora estar a ponto de chagar a ele - ora ri amargamente porque reconhece o seu engano - ora se desespera de raiva impotente por sua credulidade vã. Deixai-o passar, gente do mundo, devotos do poder, da riqueza, do mando, ou da glória. Ele não entende bem disso, e vós não entendeis nada dele.Deixai-o passar, porque ele vai onde vós não ides; vai, ainda que zombeis dele, que o calunieis, que o assassineis. Vai, porque é espírito, e vós sois matéria.E vós morrereis, ele não. Ou só morrerá dele aquilo em que se pareceu e se uniu convosco. E essa falta, que é a mesma de Adão, também será punida com a morte. Mas não triunfeis, porque a morte não passa do corpo, que é tudo em vós, e nada ou quase nada no poeta.




Quem disse à estrela o caminho Que ela há-de seguir no céu? A fabricar o seu ninho Como é que a ave aprendeu? Quem diz à planta «Florece!» E ao mudo verme que tece Sua mortalha de seda Os fios quem lhos enreda? Ensinou alguém à abelha Que no prado anda a zumbir Se à flor branca ou à vermelha O seu mel há-de ir pedir? Que eras tu meu ser, querida, Teus olhos a minha vida, Teu amor todo o meu bem... Ai!, não mo disse ninguém. Como a abelha corre ao prado, Como no céu gira a estrela, Como a todo o ente o seu fado Por instinto se revela, Eu no teu seio divino. Vim cumprir o meu destino... Vim, que em ti só sei viver,Só por ti posso morrer...



Este inferno de amar - como eu amo! -Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi?Esta chama que alenta e consome,Que é a vida - e que a vida destrói -Como é que se veio a atear, Quando - ai quando se há-de ela apagar? Eu não sei, não me lembra: o passado, A outra vida que dantes vivi Era um sonho talvez... - foi um sonho - Em que paz tão serena a dormi! Oh! que doce era aquele sonhar... Quem me veio, ai de mim! despertar? Só me lembra que um dia formoso Eu passei... dava o sol tanta luz! E os meus olhos, que vagos giravam, Em seus olhos ardentes os pus. Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei; Mas nessa hora a viver comecei...

Dói-me a alma, sim; e a tristeza Vaga, inerte e sem motivo, No coração me poisou. Absorto em tua beleza, Não sei se morro ou se vivo,Porque a vida me parou. É que não há ser bastante Para este gozar sem fim Que me inunda o coração. Tremo dele, e delirante Sinto que se exaure em mim Ou a vida - ou a razão.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela. Quem ama a aziaga estrela Que lhe luz na má hora Da sua perdição? E quero-te, e não te amo, que é forçado, De mau, feitiço azado Este indigno furor. Mas oh! não te amo, não. E infame sou, porque te quero; e tanto Que de mim tenho espanto, De ti medo e terror...Mas amar!... não te amo, não.




Quando vier a Primavera, Se eu já estiver morto, As flores florirão da mesma maneira E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. A realidade não precisa de mim. Sinto uma alegria enorme Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma... Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem. Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele. Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências. O que for, quando for, é que será o que é.

Advertência
Só tem três preocupações:Quem há-de abrir a porta ao gato quando ela morrer?; Quem lerá os seus livros? Quem pensará os seus pensamentos, quando ela já não os pensar? Vai fazer testamento: lego os livros ( e os quadros) a quem tratar da gata( se ela me sobreviver) e a quem pensar os seus pensamentos...Como não deverá existir legatário interessado, tem de pensar em soluções...

Advertência
O mundo é circular: ninguém morre senão nos funerais, e por instantes, para não assustar os vivos...

Advertência
O homem é feito visivelmente para pensar; é toda a sua dignidade e todo o seu mérito; e todo o seu dever é pensar bem.
Há uma espécie de satisfação em saber que somos pobres, que somos sós e que ninguém, absolutamente ninguém, se preocupa connosco. Otium cum dignitate...
1. Falam da dignidade do trabalho. Bah! A dignidade está no ócio.
2. A propensão sugeria-lhe que falasse; a dignidade dizia-lhe que ficasse silenciosa.
3. Não é digno de saborear o mel aquele que se afasta da colmeia, com medo das picadelas das abelhas...
4. Morta por dentro, mas de pé, de pé, como as árvores.
Felizmente que os autores que cita já morreram há tempo suficiente para que as suas obras sejam consideradas domínio público. Não fora essa circunstância propícia aos seus devaneios, ainda era processada pela utilização "indigna" de textos, quiçá pela profanação de ideias,de autores consagrados....

A dignidade é o valor de que se reveste tudo aquilo que não tem preço, ou seja, que não é passível de ser substituído por um equivalente. Dessa forma, a dignidade é uma qualidade inerente ao ser humano, enquanto ente moral e ético. A dignidade é totalmente inseparável da autonomia para o exercício da razão prática...

Cada geração sente-se, sem dúvida, condenada a reformar o mundo. No entanto, a minha sabe que não o reformará. Mas a sua tarefa é talvez ainda maior. Ela consiste em impedir que o mundo se desfaça. Herdeira de uma história corrupta onde se mesclam revoluções decaídas, tecnologias enlouquecidas, deuses mortos e ideologias esgotadas, onde poderes medíocres podem hoje tudo destruir, mas não sabem mais convencer, onde a inteligência se rebaixou para servir o ódio e a opressão, esta geração tem o débito, com ela mesma e com as gerações próximas, de restabelecer, a partir de suas próprias negações, um pouco daquilo que faz a dignidade de viver e de morrer.

Viva duas vidas separadas, sem que de qualquer d’elas se transborde para a outra — uma, a própria, fechada o mais possível; outra, a social, ampla e sem receio. Mas que a primeira não tente invadir a segunda! Quem é dois tem que ser dois.
Mais tarde se dirá mais. O pormenor, como tudo, tem a sua hora.



1) O vinho prepara os corações e os torna aptos aos ardores amorosos; as preocupações fogem e se afogam nas múltiplas libações (...) mas não dê muito crédito à enganosa claridade do lampião: para julgar a beleza, a noite e o vinho são nefastos.
2) Aos homens só convém uma beleza sem enfeites. Devem agradar apenas pela elegância discreta. Não cries o hábito de frisar o cabelo a ferro, nem alises com pedras-pomes as pernas.
3)O homem dissimula mal, a mulher esconde melhor seus desejos. Se o sexo forte julgar melhor não fazer avanços, a mulher, vencida, tomará para si o papel de fazê-los.
4)Ela se levanta, levante-se; enquanto ela ficar sentada, fique sentado; seguindo a vontade de sua amante, saiba perder o seu tempo.
5)As lágrimas também são úteis: com lágrimas você amolecerá o diamante. Cuide para que sua bem-amada veja, se for possível, seu rosto úmido. Na falta de lágrimas (pois elas não aparecem sempre de encomenda, molhe os olhos com a mão.
6)Tens de agir como apaixonado e tuas palavras devem dar a sensação de que estás perdido de amor. Como toda mulher se julga digna de ser amada, ser-te-á fácil ser acreditado.
7)Se queres conservar o amor da tua amiga, faze-a acreditar que estás maravilhado com a sua beleza. Se te apresenta vestida com uma simples túnica, exclama: 'Tu incendeias-me!"
8)Não seja nem submisso nem mais carinhoso que de costume; estes são os sinais mais evidentes de um coração culpado.
10)Sozinhas, sem a sua ajuda, as palavras virão em tropel, e, no leito, a mão esquerda não ficará parada. Os dedos encontrarão o que fazer do lado onde misteriosamente o Amor mergulhas os seus traços.
11) A beleza é um presente da divindade; mas quantasse podem orgulhar da sua beleza! A maior parte de vocês [as mulheres] não receberam esse presente.
12) Quem diria? As mulheres , ao aprenderem a rir, já adquirem assim um encanto a mais. Abra moderadamente a boca (...) que o ventre não se canse de um riso constante, mas que esse riso soe ligeiro e digno de uma mulher.
13) Pratique mil jogos; é vergonhoso que uma mulher não saiba jogar; graças ao jogo, muitas vezes nasce o amor.
14) Que a mulher sinta o prazer de vénus abater-se até o mais fundo do seu ser, e que o gozo seja igual para o seu amante e para ela. Mesmo para si, a quem a natureza recusou sensações de amoroso prazer, finja, com inflexões mentirosas, apreciar os doces júbilos.
15) O amor é uma espécie de serviço militar. Nos campos do prazer, as nossas provações são a noite, o inverno, as longas marchas, os caminhos fragosos. Terás muitas vezes de suportar a copiosa chuva e, morto de frio, terás de dormir sobre a terra nua.


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