[…] provavelmente a língua é que vai escolhendo os escritores de que precisa, serve-se deles para que exprimam uma parte pequena do que é, quando a língua tiver dito tudo, e calado, sempre quero ver como iremos nós viver. Já as primeiras dificuldades começam a surgir, ou não serão ainda dificuldades, antes diferentes e questionadoras camadas do sentido, sedimentos removidos, novas cristalizações, por exemplo, Sobre a nudez forte da verdade o manto diáfano da fantasia, parece clara a sentença, clara, fechada e conclusa, uma criança será capaz de perceber e ir ao exame repetir sem se enganar, mas essa mesma criança perceberia e repetiria com igual convicção um novo dito, Sobre a nudez forte da fantasia o manto diáfano da verdade, e este dito, sim, dá muito mais que pensar, e saborosamente imaginar, sólida e nua a fantasia, diáfana apenas a verdade, se as sentenças viradas do avesso passarem a ser leis, que mundo faremos com elas, milagre é não endoidecerem os homens de cada vez que abrem a boca para falar […].
(Mesmo que a literatura me tenha roubado uma parte da vida e muitos afetos reais, tudo o que usurpei aos meus autores foi, infinitamente, superior. Sem livros, nunca atingiria as formas mais belas da existência... Sem o discurso alheio, não teria , sequer, imaginação para ser. Vou escolhendo os escritores de que preciso,tal como faço com os chocolates...).
Sozinho agora, com a chave na mão, Ricardo Reis percorreu de novo toda a casa, não pensava, olhava apenas, depois foi à janela, a proa dos barcos estava virada para cima, para montante, sinal de que a maré descia.
Ricardo Reis esqueceu-se dos olmos, das tílias, os pombos levantaram voo, alguma coisa os assustou ou deu-lhes o apetite de mexer as asas, de voar, na Praça de Luís de Camões a caça está proibida todo o ano, fosse esta mulher pomba e não poderia voar...
É então que Ricardo Reis repara que por baixo da sua porta passa uma réstia luminosa, ter-se-ia esquecido, enfim, são coisas que podem acontecer a qualquer, meteu a chave na fechadura, abriu, sentado no sofá estava um homem, reconheceu-o imediatamente apesar de não o ver há tantos anos, e não pensou que fosse acontecimento irregular estar li à sua espera Fernando Pessoa...
Saíram de casa, Fernando Pessoa ainda observou, Você não trouxe chapéu, Melhor do que eu sabe que não se usa lá. Estavam no passeio do jardim, olhavam as luzes pálidas do rio, a sombra ameaçadora dos montes. Então vamos, disse Fernando Pessoa, Vamos, disse Ricardo Reis.
Sobre o discurso do pai de Marcenda, um adepto incondicional de Salazar. Ao jantar, ainda no Hotel Bragança, o Dr. Sampaio dirige-se a Ricardo Reis:
[…] A nós o que nos vale, meu caro doutor Reis, neste cantinho da Europa, é termos um homem de alto pensamento e firme autoridade à frente do governo e do país, estas palavras disse-as o doutor Sampaio, e continuou logo, Não há comparação possível entre o Portugal que deixou ao partir para o Rio de Janeiro, e o Portugal que veio encontrar agora, bem sei que voltou há pouco tempo, mas, se tem andado por aí, a olhar com olhos de ver, é impossível que não se tenha apercebido das grandes transformações, o aumento da riqueza nacional, a disciplina, a doutrina coerente e patriótica, o respeito das outras nações pela pátria lusitana, sua gesta, sua secular história e seu império, Não tenho visto muito, respondeu Ricardo Reis, mas estou a par do que os jornais dizem, Ah, claro, os jornais, devem ser lidos, mas não chega, é preciso ver com os próprios olhos, as estradas, os portos, as escolas, as obras públicas em geral, e a disciplina, meu caro doutor, o sossego das ruas e dos espíritos, uma nação inteira entregue ao trabalho sob a chefia de um grande estadista verdadeiramente uma mão de ferro calçada com uma luva de veludo que era do que andávamos a precisar, Magnifica metáfora, essa, Tenho pena de a não ter inventado eu […].
Quem é mais autor? Quem cria ou quem recria?
Sei que não vais mudar dentro da ilusão, mas queres parar por ser bom saber que há a minha mão para descansar, para te esconder e não mostrar.vem, não vou perguntar se não queres dizer, ahh deixa ser, o que é bom sentir, só mais uma vez quase sem tocar. para respirar, só mais uma vez. quando eu não quis ver fui a deslizar, quando ninguém quis parar, cresceu. e então chocámos tu e eu, e então chocámos tu e eu. ahh, diz-me onde estás, vou ter aí. já sem razão para desculpar, já sem saber para onde ir, para te fugir, para me esquivar, não me destruir. quando eu não quis ver fui a deslizar, quando ninguém quis parar, cresceu.e então chocámos tu e eu, e então chocámos tu e eu, e então chocámos tu e eu.hoje vais dizer que já não tens paz, hoje vens pedirpara te ensinar.quando ninguém viu, quando a chuva cai o rio cresceu,e então chocámos tu e eu.e então chocámos tu e eu.e então chocámos tu e eu.sei que não vais mudar e que eu vou partir,eu quero alguém que me queira bem para me construir.
Poema do Desamor Desmama-te desanca-te desbunda-te Não se pode morar nos olhos de um gato Beija embainha grunhe geme Não se pode morar nos olhos de um gato Serve-te serve sorve lambe trinca Não se pode morar nos olhos de um gato Queixa-te coxa-te desnalga-te desalma-te Não se pode morar nos olhos de um gato Arfa arqueja moleja aleija Não se pode morar nos olhos de um gato Ferra marca dispara enodoa Não se pode morar nos olhos de um gato Faz festa protesta desembesta Não se pode morar nos olhos de um gato Arranha arrepanha apanha espanca Não se pode morar nos olhos de um gato
O que é um grande artista? É um grande manipulador. Há artistas que nos esmagam, que nos dão tudo já feito e que apenas nos resta admirar e amar. E há outros, como Bowie, que nos dão a ilusão da colaboração, a liberdade de tornarmos nossa aquela música, aquela atitude, aquela majestade, aquela indiferença à mediania.
A estes autores modernos convém aquela designação de sensacionistas, que alguns poetas do nosso Orpheu escolheram para designar-se. São pessoas que não têm outro intuito artístico, que não o de exporem as suas sensações, e isto sem mesmo aquela disciplina rudimentar que deriva do emprego das formas convencionais da literatura em verso. Não têm a disciplina duma teoria estética que transcenda os seus temperamentos, nem a duma teoria religiosa cujos lemas excedam os seus caprichos, nem a de uma doutrina filosófica que, através das suas inteligências, subordine as suas sensibilidades.
A disciplina é sempre exterior, embora nem sempre aplicada de fora. As leis do meu temperamento nunca podem constituir uma disciplina minha. Uma disciplina é um princípio regrador da vida e da obra, que a inteligência aceita como verdadeira, e a sensibilidade aceita por boa. Sem a acção sobre tanto sensibilidade como inteligência, não há disciplina: se a inteligência aceita e a sensibilidade não, há um mero diletantismo; se o inverso, há um conflito esterilizante, anarquisador. Os românticos eram cristãos da sensibilidade e pagãos do pensamento; os neoclássicos eram cristãos do pensamento e pagãos na sensibilidade. Por isso a arte de uns e de outros resultou débil e, desde nada, caduca.
Desprezei sempre o falar de mim, prática socialmente sempre baixa e criticamente sempre errónea. Ao apresentar, porém, uma revista de que sou autor único, falarei sem remédio de seu único autor. Não pus a esta revista outro título, que não o que apenas a define. Pensei em dar-lhe o de «Só» e o de «Um» depois. Do primeiro desisti, não tanto por ser o do livro de Nobre, senão por soar a atitude trágica. Detesto as atitudes trágicas, porque são cómicas. Do título «Um» desisti também, porque nesta revista me apresento vários.
Os que produzem obras geniais não são aqueles que vivem no meio mais delicado, que têm a conversação mais brilhante, a cultura mais extensa, mas os que tiveram o poder, deixando subitamente de viver para si mesmos, de tornar a sua personalidade igual a um espelho, de tal modo que a sua vida aí se reflecte, por mais medíocre que aliás pudesse ser mundanamente e até, em certo sentido, intelectualmente falando, pois o génio consiste no poder reflector e não na qualidade intrínseca do espaço reflectido.
"Que importa quem fala?" Nessa indiferença se afirma o princípio ético, talvez o mais fundamental, da escrita contemporânea. O apagamento do autor tornou-se desde então, para a critica, um tema quotidiano. Mas o essencial não é constatar uma vez mais o seu desaparecimento; e preciso descobrir, como lugar vazio - ao mesmo tempo indiferente e obrigatório -, os locais onde a sua função é exercida.
1) O nome do autor: impossibilidade de o tratar como uma discrição definida; mas impossibilidade igualmente de o tratar como um nome próprio comum. 2) A relação de apropriação: o autor não é exatamente nem o proprietário nem o responsável pelos seus textos; não é nem o produtor nem o inventor deles. Qual é a natureza do speech act que permite dizer que há obra? 3) A relação de atribuição. O autor é, sem dúvida, aquele a quem se pode atribuir o que foi dito ou escrito. Mas a atribuição - mesmo quando se trata de um autor conhecido - é o resultado de operações críticas complexas e raramente justificadas. As incertezas do opus.
4) A posição do autor. Posição do autor no livro (uso dos desencadeadores; funções dos prefácios; simulacros do copista, do narrador, do confidente, do memorialista). Posição do autor nos diferentes tipos de discurso (no discurso filosófico, por exemplo). Posição do autor em um campo discursivo (o que é o fundador de uma disciplina?, o que pode significar o "retorno a..." como momento decisivo na transformação de um campo discursivo?).
O segundo tema é ainda mais familiar; é o parentesco da escrita com a morte. Esse lago subverte um tema milenar; a narrativa, ou a epopéia dos gregos, era destinada a perpetuar a imortalidade do herói, e se o herói aceitava morrer jovem, era porque sua vida, assim consagrada e magnificada pela morte, passava a imortalidade; a narrativa recuperava essa morte aceita. De uma outra maneira, a narrativa árabe - eu penso em As mil e uma noites - também tinha, como motivação, tema e pretexto, não morrer: falava-se, narrava-se até o amanhecer para afastar a morte, para adiar o prazo desse desenlace que deveria fechar a boca do narrador. A narrativa de Shehrazade e o avesso encarniçado do assassínio, e o esforço de todas as noites para conseguir manter a morte fora do ciclo da existência. Esse tema da narrativa ou da escrita feitos para exorcizar a morte, nossa cultura o metamorfoseou; a escrita está atualmente ligada ao sacrifício, ao próprio sacrifício da vida; apagamento voluntário que não é para ser representado nos livros, pois ele consumado na própria existência do escritor. A obra que tinha o dever de trazer a imortalidade recebeu agora o direito de matar, de ser assassina do seu autor. Vejam Flaubert, Proust, Kafka.
Autor ou autores?
Nestes desdobramentos de personalidade ou, antes, invenções de personalidades diferentes, há dois graus ou tipos, que estarão revelados ao leitor, se os seguiu, por características distintas. No primeiro grau, a personalidade distingue-se por ideias e sentimentos próprios, distintos dos meus, assim como, em mais baixo nível desse grau, se distingue por ideias, postas em raciocínio ou argumento, que não são minhas, ou, se o são, o não conheço. O Banqueiro Anarquista é um exemplo deste grau inferior; o Livro do Desassossego e a personagem Bernardo Soares são o grau superior.
Há-de o leitor reparar que, embora eu publique o Livro do Desassossego como sendo de um tal Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa, o não inclui todavia nestas Ficções do Interlúdio. É que Bernardo Soares, distinguindo-se de mim por suas ideias, seus sentimentos, seus modos de ver e de compreender, não se distingue de mim pelo estilo de expor. Dou a personalidade diferente através do estilo que me é natural, não havendo mais que a distinção inevitável do tom especial que a própria especialidade das emoções necessariamente projecta. Nos autores das Ficções do Interlúdio» não são só as ideias e os sentimentos que se distinguem dos meus: a mesma técnica da composição, o mesmo estilo, é diferente do meu. Aí cada personagem é criada integralmente diferente, e não apenas diferentemente pensada. Por isso nas Ficções do Interlúdio predomina o verso. Em prosa é mais difícil de se outrar.
Tive sempre, desde criança, a necessidade de aumentar o mundo com personalidades fictícias, sonhos meus rigorosamente construídos, visionados com clareza fotográfica, compreendidos por dentro das suas almas. Não tinha eu mais que cinco anos, e, criança isolada e não desejando senão assim estar, já me acompanhavam algumas figuras de meu sonho — um capitão Thibeaut, um Chevalier de Pas — e outros que já me esqueceram, e cujo esquecimento, como a imperfeita lembrança daqueles, é uma das grandes saudades da minha vida. Isto parece simplesmente aquela imaginação infantil que se entretém com a atribuição de vida a bonecos ou bonecas. Era porém mais: eu não precisava de bonecas para conceber intensamente essas figuras. Claras e visíveis no meu sonho constante, realidades exactamente humanas para mim, qualquer boneco, por irreal, as estragaria. Eram gente. Além disto, esta tendência não passou com a infância, desenvolveu-se na adolescência, radicou-se com o crescimento dela, tornou-se finalmente a forma natural do meu espírito. Hoje já não tenho personalidade: quanto em mim haja de humano, eu o dividi entre os autores vários de cuja obra tenho sido o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha.
Trata-se, contudo, simplesmente do temperamento dramático elevado ao máximo; escrevendo, em vez de dramas em actos e acção, dramas em almas. Tão simples é, na sua substância, este fenómeno aparentemente tão confuso. Não nego, porém — favoreço, até — a explicação psiquiátrica, mas deve compreender-se que toda a actividade superior do espírito, porque é anormal, é igualmente susceptível de interpretação psiquiátrica. Não me custa admitir que eu seja louco, mas exijo que se compreenda que não sou louco diferentemente de Shakespeare, qualquer que seja o valor relativo dos produtos do lado são da nossa loucura.
Oh, me...I formulate infinity And store it deep inside me I formulate infinity And store it deep inside me...
No discurso que hoje eu devo fazer, e nos que aqui terei de fazer, durante anos talvez, gostaria de neles poder entrar sem se dar por isso. Em vez de tomar a palavra, gostaria de estar à sua mercê e de ser levado muito para lá de todo o começo possível. Preferiria dar-me conta de que, no momento de falar, uma voz sem nome me precedia desde há muito: bastar-me-ia assim deixá-la ir, prosseguir a frase, alojar-me, sem que ninguém se apercebesse, nos seus interstícios, como se ela me tivesse acenado, ao manter-se, um instante, em suspenso. Assim não haveria começo; e em vez de ser aquele de onde o discurso sai, estaria antes no acaso do seu curso, uma pequena lacuna, o ponto do seu possível desaparecimento.
Por mais que aparentemente o discurso seja pouco importante, as interdições que o atingem logo e depressa revelam a sua ligação com o desejo e com o poder. E o que há de surpreendente nisso, já que o discurso - como a psicanálise nos demostrou - não é simplesmente o que manifesta (ou oculta) o desejo; é também o que é o objecto do desejo; e já que - a história não cessa de nos indicar - o discurso não é simplesmente o que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, aquilo pelo que se luta, o poder do qual procuramos apoderar-nos.
Penso na oposição da razão e da loucura. Desde os arcanos da Idade Média que o louco é aquele cujo discurso não pode transmitir-se como o dos outros: ou a sua palavra nada vale e não existe, não possuindo nem verdade nem importância, não podendo testemunhar em matéria de justiça, não podendo autentificar um acto ou um contrato, não podendo sequer, no sacrifício da missa, permitir a transubstanciação e fazer do pão um corpo; ou, como reverso de tudo isto, e por oposição a outra palavra qualquer, são-lhe atribuídos estranhos poderes: o de dizer uma verdade oculta, o de anunciar o futuro, o de ver, com toda a credulidade, aquilo que a sagacidade dos outros não consegue atingir. É curioso reparar que na Europa, durante séculos, a palavra do louco, ou não era ouvida, ou então, se o era, era ouvida como uma palavra verdadeira. Ou caía no nada — rejeitada de imediato logo que proferida; ou adivinhava-se nela uma razão crédula ou subtil, uma razão mais razoável do que a razão das pessoas razoáveis. De qualquer modo, excluída ou secretamente investida pela razão, em sentido estrito, ela não existia. Era por intermédio das suas palavras que se reconhecia a loucura do louco; essas palavras eram o lugar onde se exercia a partilha; mas nunca eram retidas ou escutadas. A nunca um médico ocorrera, antes do final do século XVIII, saber o que era dito (como era dito, por que é que era dito isso que era dito) nessa palavra que, não obstante, marcava a diferença. Todo esse imenso discurso do louco recaía no ruído; e se se lhe dava a palavra era de modo simbólico, no teatro, onde se apresentava desarmado e reconciliado, já que aí representava a verdade mascarada.
E compreendo melhor por que é que tive há pouco tantas dificuldades em começar. Sei agora qual é a voz que eu gostaria que me precedesse, que me conduzisse, que me convidasse a falar e que se alojasse no meu próprio discurso. Sei o que é que havia de temível em tomar a palavra, dado que o fazia neste lugar, onde o escutei, e onde ele já não está para me escutar.
Meditei hoje, num intervalo de sentir, na forma de prosa de que uso. Em verdade, como escrevo? Tive, como muitos têm tido, a vontade pervertida de querer ter um sistema e uma norma. É certo que escrevi antes da norma e do sistema; nisso, porém, não sou diferente dos outros. Analisando-me à tarde, descubro que o meu sistema de estilo assenta em dois princípios, e imediatamente, e à boa maneira dos bons clássicos, erijo esses dois princípios em fundamentos gerais de todo estilo: dizer o que se sente exactamente como se sente — claramente, se é claro; obscuramente, se é obscuro; confusamente, se é confuso —; compreender que a gramática é um instrumento, e não uma lei. Suponhamos que vejo diante de nós uma rapariga de modos masculinos. Um ente humano vulgar dirá dela, «Aquela rapariga parece um rapaz». Um outro ente humano vulgar, já mais próximo da consciência de que falar é dizer, dirá dela, «Aquela rapariga é um rapaz». Outro ainda, realmente consciente dos deveres da expressão, mas mais animado do afecto pela concisão, que é a luxúria do pensamento, dirá dela, «Aquele rapaz». Eu direi, «Aquela rapaz», violando a mais elementar das regras da gramática, que manda que haja concordância de género, como de número, entre a voz substantiva e a adjectiva. E terei dito bem; terei falado em absoluto, fotograficamente, fora da chateza, da norma, e da quotidianidade. Não terei falado: terei dito.
A gramática, definindo o uso, faz divisões legítimas e falsas. Divide, por exemplo, os verbos em transitivos e intransitivos; porém, o homem de saber dizer tem muitas vezes que converter um verbo transitivo em intransitivo para fotografar o que sente, e não para, como o comum dos animais homens, o ver às escuras. Se quiser dizer que existo, direi «Sou». Se quiser dizer que existo como alma separada, direi «Sou eu». Mas se quiser dizer que existo como entidade que a si mesma se dirige e forma, que exerce junto de si mesma a função divina de se criar, como hei-de empregar o verbo «ser» senão convertendo-o subitamente em transitivo? E então,triunfalmente, antigramaticalmente supremo, direi «Sou-me». Terei dito uma filosofia em duas palavras pequenas. Que preferível não é isto a não dizer nada em quarenta frases? Que mais se pode exigir da filosofia e da dicção?
Obedeça à gramática quem não sabe pensar o que sente. Sirva-se dela quem sabe mandar nas suas expressões. Conta-se de Sigismundo, Rei de Roma, que tendo, num discurso público, cometido um erro de gramática, respondeu a quem dele lhe falou, «Sou Rei de Roma, e acima da gramática». E a história narra que ficou sendo conhecido nela como Sigismundo «super-grammaticam». Maravilhoso símbolo! Cada homem que sabe dizer o que diz é, em seu modo, Rei de Roma. O título não é mau, e a alma é ser-se.
A arte, que se faz com a ideia, e portanto com a palavra, tem duas formas — a poesia e a prosa. Visto que ambas elas se formam de palavras, não há entre elas diferença substancial. A diferença que há é acidental, e, sendo acidental, tem que derivar-se daquilo que é acidental, ou exterior, na palavra. O que há de exterior na palavra é o som; o que há, pois, de exterior numa série de palavras é o ritmo.
Assim, a diferença entre a prosa e o verso, sem desaparecer, longe até de desaparecer, acentua-se tal qual é, sem mais nada. O verso é a prosa artificial, o discurso disposto musicalmente. Não é outra a diferença entre as duas formas da palavra escrita.
Há cortejos, pompas, discursos,
Na inauguração quotidiana dos meus sentimentos inúteis...
São iluminadas à veneziana por luzes contentes
As minhas decepções, e os meus desesperos vão em carrossel
Por uma necessidade fatídica do destino.
Manifestos...
O que é essencial num manifesto é a acusação precisa, o insulto bem definido […] Seria necessário, a meu ver, com um laconismo fulminante e uma crueza absoluta de termos, atacar sem ênfase (o que não exclui as metáforas, muito pelo contrário) aquilo que sufoca, esmaga e apodrece o movimento literário e artístico na Bélgica; denunciar as academias pedantes, as camorras das exposições,a ladroeira dos editores, a tirania dos professores, dos eruditos e dos críticos ilustres mas tolos. Tudo isso, precisando as acusações com alguns detalhes ou anedotas e nomes, sobretudo. É necessário, portanto, violência e precisão; tudo muito corajosamente.
A história de toda a sociedade até aqui é a história de lutas de classes. [Homem] livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo , burgueses de corporação e oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma luta ininterrupta, ora oculta ora aberta, uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou pelo declínio comum das classes em luta.
Nas épocas anteriores da história encontramos quase por toda a parte uma articulação completa da sociedade em diversos estados [ou ordens sociais ], uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga, temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média: senhores feudais, vassalos, burgueses de corporação, oficiais, servos e, ainda por cima, quase em cada uma destas classes, de novo gradações particulares. A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não aboliu as oposições de classes. Apenas pôs novas classes, novas condições de opressão, novas configurações de luta, no lugar das antigas. A nossa época, a época da burguesia, distingue-se, contudo, por ter simplificado as oposições de classes. A sociedade toda cinde-se, cada vez mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes que directamente se enfrentam: burguesia e proletariado.
Acredito na resolução futura destes condições aparentemente contraditórias de sonho e realidade numa espécie de realidade absoluta, se assim se pode dizer: surrealidade. Após a conquista, aspiro a certeza de não os alcançar, também despreocupado com a minha morte, no entanto, para não pesar pelo menos as alegrias de tal posse.
Viver e deixar de viver são soluções imaginárias. A existência está noutro local.
Manifesto Ruptura [...] todas as variedades e hibridações do naturalismo; a mera negação do naturalismo, isto é, o naturalismo “errado” das crianças, dos loucos, dos “primitivos”, dos expressionistas, dos surrealistas, etc...; o não figurativismo hedonista, produto do gosto gratuito, que busca a mera excitação do prazer ou do desprazer. É o novo: as expressões baseadas nos novos princípios artísticos; todas as experiências que tendem à renovação dos valores essenciais da arte visual (espaço-tempo, movimento e matéria); a intuição artística dotada de princípios claros e inteligentes e de grandes possibilidades de desenvolvimento prático; conferir à arte um lugar definido no quadro do trabalho espiritual contemporâneo, considerando-a um meio de conhecimento deduzível de conceitos, situando-a acima da opinião, exigindo para o seu juízo conhecimento prévio.
A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos. […] Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres. […] A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna. […]
Portugal-Infinito, onze de Junho de mil novecentos e quinze...Hé-lá-á-á-á-á-á-á!De aqui, de Portugal, todas as épocas no meu cérebro, Saúdo-te, Walt, saúdo-te, meu irmão em Universo,Ó sempre moderno e eterno, cantor dos concretos absolutos,Concubina fogosa do universo disperso,Grande pederasta roçando-te contra a diversidade das coisas Sexualizado pelas pedras, pelas árvores, pelas pessoas, pelas profissões...Pum! pum! pum! pum! pum! Agora, sim, partamos, vá lá prá frente,Pum!Heia...heia...heia...heia...heia...
Desencadeio-me como uma trovoada Em pulos da alma a ti, Com bandas militares à frente [...] a saudar-te... Com um [...] contigo e uma fúria de berros e saltos Estardalhaço a gritar-te E o universo anda à roda de nós como um carrocel com música dentro dos nossos crânios, E tendo luzes essenciais na minha epiderme anterior Eu, louco de [...] sibilar ébrio de máquinas,Tu célebre, tu temerário,tu o Walt — e o [...],Tu a [sensualidade porto?]Eu a sensualidade com [...] Tu a inteligência (...)
MANIFESTO FUTURISTA
1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade.
2. A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia.
3. A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insónia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.
4. Nós afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com o seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo… um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia.
5. Nós queremos glorificar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada também numa corrida sobre o circuito da sua órbita.
6. É preciso que o poeta prodigalize com ardor, esforço e liberdade, para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.
7. Não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um carácter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças desconhecidas, para obrigá-las a prostrar-se diante do homem.
8. Nós estamos no promontório extremo dos séculos!… Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade omnipotente.
9. Queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo –, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher.
10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda a natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda a vileza oportunista e utilitária.
11. Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos as marés multicores e polifónicas das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor nocturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas lutas eléctricas; as estações esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as fábricas penduradas nas nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao sol com um luzir de facas; os piróscafos aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de largo peito, que pateiam sobre os trilhos, como enormes cavalos de aço enleados de carros; e o voo rasante dos aviões, cuja hélice freme ao vento, como uma bandeira, e parece aplaudir como uma multidão entusiasta.
Dadá é uma nova tendência da arte. Percebe-se que o é porque, sendo até agora desconhecido, amanhã toda a Zurique vai falar dele. Dadá vem do dicionário. É bestialmente simples. Em francês quer dizer "cavalo de pau". Em alemão: "Não me chateies, faz favor, adeus, até à próxima!" Em romeno: "Certamente, claro, tem toda a razão, assim é. Sim, senhor, realmente. Já tratamos disso." E assim por diante.Uma palavra internacional. Apenas uma palavra e uma palavra como movimento. É simplesmente bestial. Ao fazer dela uma tendência da arte, é claro que vamos arranjar complicações. Psicologia Dadá, literatura Dadá, burguesia Dadá e vós, excelentíssimo poeta, que sempre poetaste com palavras, mas nunca a palavra propriamente dita. Guerra mundial Dadá que nunca mais acaba, revolução Dadá que nunca mais começa. Dadá, vós, amigos e Também poetas, queridíssimos Evangelistas. Dadá Tzara, Dadá Huelsenbeck, Dadá m'Dadá, Dadá mhm'Dadá, Dadá Hue, Dadá Tza.(...) Leio versos que não pretendem menos que isto: dispensar a linguagem. Dadá Johann Fuchsgang Goethe. Dadá Stendhal. Dadá Buda, Dalai Lama, Dadá m'Dadá, Dadá m'Dadá, Dadá mhm'Dadá. Tudo depende da ligação e de esta ser um pouco interrompida. Não quero nenhuma palavra que tenha sido descoberta por outrem. Todas as palavras foram descobertas pelos outros. Quero a minha própria asneira, e vogais e consoantes também que lhe correspondam. Se uma vibração mede sete centímetros, quero palavras que meçam precisamente sete centímetros. As palavras do senhor Silva só medem dois centímetros e meio. Assim podemos ver perfeitamente como surge a linguagem articulada. Pura e simplesmente deixo cair os sons. Surgem palavras, ombros de palavras; pernas, braços, mãos de palavras. Au, oi, u. Não devemos deixar surgir muitas palavras. Um verso é a oportunidade de dispensarmos palavras e linguagem. Essa maldita linguagem à qual se cola a porcaria como à mão do traficante que as moedas gastaram. A palavra, quero-a quando acaba e quando começa. Cada coisa tem a sua palavra; pois a palavra própria transformou-se em coisa. Porque é que a árvore não há-de chamar-se plupluch e pluplubach depois da chuva? E porque é que raio há-de chamar-se seja o que for? Havemos de pendurar a boca nisso? A palavra, a palavra, a dor precisamente aí, a palavra, meus senhores, é uma questão pública de suprema importância.
Dadá é a nossa intensidade: ergue as baionetas sem consequência a cabeça samatral do bebé alemão; Dadá é a vida sem pantufas e paralelas, que é por e contra a unidade e decididamente contra o futuro; sabemos de ciência certa que o nosso cérebro vai transformar-se em almofada confortável, que o nosso antidogmatismo é tão exclusivo como o funcionário, que não somos livres e gritamos liberdade; estrita necessidade sem disciplina e moral e cuspimos na humanidade. Dadá permanece no quadro europeu das fraquezas, mas assim como assim é merda para enfeitarmos o jardim zoológico da arte com todas as bandeiras consulares. Somos directores de circo e assobiamos por entre os ventos das feiras anuais, no meio dos claustros, dos bordéis, dos teatros, das realidades, dos sentimentos, dos restaurantes, ohi, hoho, bang, bang. Declaramos que o automóvel é um sentimento que nos acalentou com a lentidão das suas abstracções tal qual como os barcos a vapor, os ruídos e as ideias. No entanto, exteriorizamos a ligeireza, procuramos o ser central e alegramo-nos quando o ocultamos. Não queremos contar as janelas maravilhosas da elite, pois Dadá não está para ninguém e queremos que toda a gente compreenda isso. Aí é a varanda de Dadá, garanto-lhes. Dela podem ouvir-se as marchas militares, dela se pode descer, rasgando o ar como um serafim e ir mijar num urinol público e compreender a parábola. Dadá não é nem loucura, nem sabedoria, nem ironia, olhe bem para mim, honesto burguês. A arte era uma brincadeira, as crianças juntavam as palavras e punham campainhas no fim, e depois choravam e gritavam a estrofe e calçavam-lhes os botins das bonecas e a estrofe tornava-se rainha para morrer um pouco e a rainha tornava-se baleia e as crianças corriam até ficarem ofegantes.
Depois vieram os grandes embaixadores do sentimento
que gritaram historicamente em coro
psicologia psicologia hihi
ciências ciência ciência
vive la France
não somos ingénuos
somos sucessivos
somos
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!
O DANTAS É O ESCARNEO DA CONSCIÊNCIA! SE O DANTAS É PORTUGUEZ EU QUERO SER HESPANHOL! O DANTAS É A VERGONHA DA INTELLECTUALIDADE PORTUGUEZA! O DANTAS É A META DA DECADÊNCIA MENTAL!
E AINDA HÁ QUEM NÃO CÓRE QUANDO DIZ ADMIRAR O DANTAS! E AINDA HÁ QUEM LHE ESTENDA A MÃO! E QUEM LHE LAVE A ROUPA! E QUEM TENHA DÓ DO DANTAS! E AINDA HÁ QUEM DUVIDE DE QUE O DANTAS NÃO VALE NADA, E QUE NÃO SABE NADA, E QUE NEM É INTELLIGENTE NEM DECENTE, NEM ZERO!...
E FIQUE SABENDO O DANTAS QUE SE UM DIA HOUVER JUSTIÇA EM PORTUGAL TODO O MUNDO SABERÁ QUE O AUTOR DOS LUZÍADAS É O DANTAS QUE N'UM RASGO MEMORÁVEL DE MODÉSTIA SÓ CONSENTIU A GLÓRIA DO SEU PSEUDÓNIMO CAMÕES. E FIQUE SABENDO O DANTAS QUE SE TODOS FÔSSEM COMO EU, HAVERIA TAES MUNIÇÕES DE MANGUITOS QUE LEVARIAM DOIS SÉCULOS A GASTAR. MAS JUYGAES QUE N'ISTO SE RESUME A LITTERATURA PORTUGUEZA? NÃÓ! MIL VEZES NÃO!(...)
PORTUGAL QUE COM TODOS ESTES SENHORES, CONSEGUIU A CLASSIFICAÇÃO DO PAIZ MAIS ATRAZADO DA EUROPA E DE TODO OMUNDO! O PAIZ MAIS SELVAGEM DE TODAS AS ÁFRICAS! O EXILIO DOS DEGRADADOS E DOS INDIFERENTES! A AFRICA RECLUSA DOS EUROPEUS! O ENTULHO DAS DESVANTAGENS E DOS SOBEJOS! PORTUGAL INTEIRO HA-DE ABRIR OS OLHOS UM DIA - SE É QUE A SUA CEGUEIRA NÃO É INCURÁVEL E ENTÃO GRITARÁ COMMIGO, A MEU LADO, A NECESSIDADE QUE PORTUGAL TEM DE SER QUALQUER COISA DE ASSEIADO!
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM
Manifestoantioquequerquesejaquetiraosono...
Espera-me uma insónia da largura dos astros, E um bocejo inútil do comprimento do mundo. Não durmo; não posso ler quando acordo de noite, Não posso escrever quando acordo de noite, Não posso pensar quando acordo de noite — Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite! Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer! Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo, E o meu sentimento é um pensamento vazio. Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam — Todas aquelas de que me arrependo e me culpo; Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam — Todas aquelas de que me arrependo e me culpo; Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada, E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo. Não tenho força para ter energia para acender um cigarro. Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo. Lá fora há o silêncio dessa coisa toda. Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer, Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir. Estou escrevendo versos realmente simpáticos — Versos a dizer que não tenho nada que dizer, Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos... Tantos versos... E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim! Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir. Sou uma sensação sem pessoa correspondente, Uma abstracção de autoconsciência sem de quê, Salvo o necessário para sentir consciência, Salvo — sei lá salvo o quê... Não durmo. Não durmo. Não durmo. Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma! Que grande sono em tudo excepto no poder dormir! Ó madrugada, tardas tanto... Vem... Vem, inutilmente, Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta... Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste, Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança, Segundo a velha literatura das sensações. Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança. O meu cansaço entra pelo colchão dentro. Doem-me as costas de não estar deitado de lado. Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado. Vem, madrugada, chega! Que horas são? Não sei. Não tenho energia para estender uma mão para o relógio, Não tenho energia para nada, para mais nada... Só para estes versos, escritos no dia seguinte. Sim, escritos no dia seguinte.
Outrosmanifestosnãomodernistas...
O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.
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