A sua vida tornara-se uma probabilidade... Não o serão todas as vidas, de todas as gentes, em todas as situações?
Finalmente, a filosofia da ciência, e não já a ciência propriamente, trouxe para a cultura geral um conceito importante, que é o último dos que serão aqui citados. E o conceito determinista, que, na aplicação psicológica, se resume na tese de que todo o acto humano é o produto determinado do temperamento e do impulso, ou estímulo, externo. Assim, e à luz deste critério, todo o acto humano é o cruzamento inevitável de duas linhas inevitáveis — o carácter determinado do indivíduo, e o curso determinado dos fenómenos externos. Este conceito pode ser verdadeiro, pode ser falso; mas a verdade é que ele é uma conclusão tão inevitável da soma das aquisições científicas, é uma necessidade tão iniludível da nossa mentalidade culta, que ninguém o contestaria se o dogma religioso, ou preconceito pragmático do livre-arbítrio, se não sentisse por ele desapassado. O que se não pode negar é que o conceito determinista influi subtilmente em espíritos que repudiariam a fé expressa nele; que é um dogma essencial da mentalidade de hoje; que por ele regressou ao espírito humano o antigo conceito, tão profundamente dramático, da Fatalidade.
Quamquam hic quidem tyrannus ipse iudicavit, quam esset beatus. Nam cum quidam ex eius adsentatoribus, Damocles, commemoraret in sermone copias eius, opes, maiestatem dominatus, rerum abundantiam, magnificentiam aedium regiarum negaretque umquam beatiorem quemquam fuisse, 'Visne igitur' inquit, 'o Damocle, quoniam te haec vita delectat, ipse eam degustare et fortunam experiri meam?' Cum se ille cupere dixisset, conlocari iussit hominem in aureo lecto strato pulcherrimo textili stragulo, magnificis operibus picto, abacosque compluris ornavit argento auroque caelato. Tum ad mensam eximia forma pueros delectos iussit consistere eosque nutum illius intuentis diligenter ministrare. Aderant unguenta coronae, incendebantur odores, mensae conquisitissimis epulis extruebantur. Fortunatus sibi Damocles videbatur. In hoc medio apparatu fulgentem gladium e lacunari saeta equina aptum demitti iussit, ut impenderet illius beati cervicibus. Itaque nec pulchros illos ministratores aspiciebat nec plenum artis argentum nec manum porrigebat in mensam; iam ipsae defluebant coronae; denique exoravit tyrannum, ut abire liceret, quod iam beatus nollet esse. Satisne videtur declarasse Dionysius nihil esse ei beatum, cui semper aliqui terror impendeat? Atque ei ne integrum quidem erat, ut ad iustitiam remigraret, civibus libertatem et iura redderet; is enim se adulescens inprovida aetate inretierat erratis eaque commiserat, ut salvus esse non posset, si sanus esse coepisset.
A ruptura, que procurei, do meu contacto com as coisas — levou-me precisamente àquilo a que eu procurava fugir. Eu não queria sentir a vida, nem tocar nas coisas, sabendo, pela experiência do meu temperamento em contágio do mundo, que a sensação da vida era sempre dolorosa para mim. Mas ao evitar esse contacto, isolei-me, e, isolando-me, exacerbei a minha sensibilidade já excessiva. Se fosse possível cortar de todo o contacto com as coisas... Mas esse isolamento total não pode realizar-se. Por menos que eu faça, respiro, por menos que aja, movo-me. E, assim, conseguindo exacerbar a minha sensibilidade pelo isolamento, consegui que os factos mínimos, que antes mesmo a mim nada fariam, me ferissem como catástrofes. Errei o método de fuga. Fugi, por um rodeio incómodo, para o mesmo lugar onde estava, com o cansaço da viagem sobre o horror de viver ali.Nunca encarei o suicídio como uma solução, porque eu odeio a vida por amor a ela. Levei tempo a convencer-me deste lamentável equívoco em que vivo comigo. Convencido dele, fiquei desgostoso, o que sempre me acontece quando me convenço de qualquer coisa, porque o convencimento é em mim sempre a perda de uma ilusão.
Estuda(...)aplica-te ao teu quotidiano aperfeiçoamento (…) não procedas como aqueles que mais pretendem dar nas vistas do que aperfeiçoar-se: evita tudo quanto se torna notado, quer na tua pessoa, quer no teu estilo de vida. O aspeto descuidado, o cabelo por cortar, a barba por fazer, o ódio afetado ao dinheiro, a cama no chão, são formas deformadas de ambição que tu deves recusar(…) Sejamos, no íntimo, absolutamente diferentes, embora na aparência vivamos como os demais...
A angústia corta-nos a palavra. Pelo facto de o ente na sua totalidade fugir, e assim, justamente, acossa-nos o nada, na sua presença, emudece qualquer dicção do “é”. O facto de nós procurarmos, muitas vezes, na estranheza da angústia, romper o vazio do silêncio, com palavras sem nexo, é apenas o testemunho da presença do nada.
Horas, horas sem fim,pesadas, fundas,esperarei por ti até que todas as coisas sejam mudas.Até que uma pedra irrompa e floresça. Até que um pássaro me saia da garganta e no silêncio desapareça.
Perdi tudo que me fazia consciente De uma certeza qualquer no meu ser... Hoje o que me resta? O sol que está sem que eu o chamasse... O dia que me não custou esforço...Uma brisa, com a festa de uma brisa Que me dão uma consciência do ar...E o egoísmo doméstico de não querer mais nada...
Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes.
Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.
Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser.
A máscara esconde o Caos... Se soubermos depor a máscara ou se nos souberem tirar a máscara, revela-se uma autenticidade sem imagens e sem conceitos. É essencial nunca cortar a máscara. Alles, was tief ist, liebt die Maske - Toda a filosofia esconde também uma filosofia; cada opinião é também um esconderijo; cada palavra é também uma máscara.
Como não lhe apetecia pensar, resolveu fazer um corte na sua existência principal e foi ao mercado. Comprou alface e feijão verde. Não gosta de ir ao mercado, só se veem pessoas feias, sem máscara. Terá sido mais uma...
A vontade de superar uma emoção é na verdade apenas a vontade de uma outra emoção ou de várias outras.
O que fazemos nos sonhos também fazemos quando estamos acordados: inventamos e fabricamos a pessoa com a qual nos associamos — e imediatamente esquecemos que fizemos tal coisa.
Aquilo que é feito a partir do amor acontece além do bem e do mal.
No fim de contas, uma pessoa ama os próprios desejos e não aquilo que é desejado.
Não se odeia enquanto se continua a julgar algo como inferior, mas somente quando se julga como igual ou superior.
Nietzsche e Wagner: rutura?
Até que ponto terá existido amizade? Talvez apenas um mero diálogo... Nietzsche, 13 anos mais jovem do que Wagner, apaixonou-se pelo compositor, dedicando -lhe O Nascimento da tragédia. Wagner, um homem sequioso de ser homenageado e admirado,responde,silenciosamente, a esse entusiasmo juvenil, verdadeiramente dionisíaco. Nietzsche tinha um enorme fascínio pelo terceiro ato da ópera Tristão e Isolda,salientando um sinfonismo puro, sem imagem, sem letra, no qual radicaria a parte mais dionisíaca da música de Wagner. Um equívoco.
A amizade entre os dois foi outro equívoco. Eles nunca poderiam ter sido amigos, por uma razão muito simples: nenhuma ópera de Wagner tem inspiração grega. Então, como é que Nietzsche chegou a afirmar que Wagner era o princípio da renascença grega em solo alemão? E ele disse-o literalmente: a renascença grega em solo alemão. No entanto, Wagner não tinha nada a ver com a Grécia, não tinha sensibilidade relativamente ao mundo grego. É estranho Nietzsche ter-se surpreendido de modo tão intenso com a música de Wagner, vendo nela a possibilidade de um dionisismo instaurador de uma nova cultura. Mas o facto é que, a certa altura, o próprio Nietzsche se deu conta disso. Ele apercebeu-se que tudo o que está na base da teatralogia de Wagner não passa de uma comédia. Nietzsche torna-se, então, altamente crítico em relação a Wagner e a outro problema fundamental, o da discussão das origens.
No mundo ocidental (...) esta questão é muito complicada, porque nós temos, no mínimo, quatro origens: somos todos judeus, somos todos cristãos, somos todos gregos e somos todos romanos. Não há escolha, é assim. Possuímos uma série de origens. Por isso, a cultura ocidental pode ser entendida como uma seqüência de renascimentos...Nessa diversidade toda, nessas renascenças todas, o que se esconde e está presente é uma discussão reiterada sobre a origem da cultura ocidental...Para Wagner, contudo, a origem não é essa. Para ele, a origem é cristã, porque está na Idade Média. Wagner apenas prolonga uma transformação, que é a redescoberta da Idade Média através do romantismo alemão e do norte da França.Mas a origem estaria lá, e ele acrescenta uma outra origem, que é a linha germânica...Ora, essas duas origens não têm nada de grego. Introduz-se aí uma outra origem, a germânica, que se acasala, de certa forma, com a medieval, cristã. De tal modo que, sem essas duas origens, não se pode compreender a obra de Wagner. Ou seja, a discordância entre Wagner e Nietzsche é uma discordância de raiz. O que eles discutem, de fato, é onde está a origem.É uma decisão, uma opção sobre a origem. Nietzsche prefere a origem grega, que, após conhecer uma série de percalços, está em crise ainda hoje, ao passo que Wagner prefere a outra origem. A pedagogia toda de Wagner não é grega; a Paidéia wagneriana é muito mais germânica, e também cristã, no sentido dos mitos medievais, a começar justamente por sua última grade obra: Parsifal. No fundo, Nietzsche luta a favor de uma espécie de autenticidade da origem que tem de ser preservada, e a superação se faz de modo grego, através do caos, para estabelecer um tipo de cultura pós-niilista.
Mas a idéia fundamental é essa visão absoluta, totalitária, presente em Nietzsche e Wagner. A divergência entre os dois, a impossibilidade do diálogo entre os dois, está no modo de experimentar essa totalidade, que são opostos e não podem de fato ser compatibilizados... Não há como compatibilizar as experiências wagnerianas com as exigências nietzschianas. Há aí uma ruptura, de tal modo que a amizade entre os dois só poderia, de fato, resultar em uma frustração.
De um amor morto fica Um pesado tempo quotidiano Onde os gestos se esbarram Ao longo do ano De um amor morto não fica Nenhuma memória O passado se rende O presente o devora E os navios do tempo Agudos e lentos O levam embora Pois um amor morto não deixa Em nós seu retrato De infinita demora É apenas um facto Que a eternidade ignora
A despropósito,Nietzsche disse: As mulheres podem tornar-se facilmente amigas de um homem; mas, para manter essa amizade, torna-se indispensável o concurso de uma pequena antipatia física.
A vida é curta e é pecado perder o seu tempo. Sou activo, diz-se. Mas ser activo é ainda perder o seu tempo, na medida em que nos perdemos. Hoje é um descanso e o meu coração parte ao encontro de si próprio. Se uma angústia ainda me estreia, é a de sentir este impalpável instante escorregar-me por entre os dedos como as gotas do mercúrio. Deixai, pois, aqueles que querem voltar as costas ao mundo. (...) Posso dizer, e direi daqui a pouco, que o que conta é ser humano e simples. Não, o que conta é ser verdadeiro e então, tudo aí se inclui, a humanidade e a simplicidade. E quando posso eu ser mais verdadeiro do que quando sou eu o mundo? Sou satisfeito antes de ter desejado. A eternidade está ali e eu esperava-a. Já não é ser feliz o que eu desejo agora, mas apenas ser consciente.
Um homem contempla e o outro cava o seu túmulo: como distingui-los? Os homens e o seu absurdo? Mas aqui está o sorriso do céu. A luz aumenta e breve será o Verão? Mas aqui estão os olhos e as vozes daqueles que é preciso amar. Estou preso ao mundo por todos os meus gestos, aos homens por toda a minha piedade e o meu reconhecimento. Entre este direito e este avesso do mundo, eu não quero escolher, não gosto que se escolha. As pessoas não querem que se seja lúcido e irónico. Eles dizem: «Isso mostra que não és bom.» Não vejo a relação. Decerto oiço dizer a uma delas que é imoralista, traduzo que ela tem necessidade de atribuir-se uma moral; a outra que despreza a inteligência, compreendo que ela não pode suportar as suas dúvidas. Mas porque eu não gosto que se faça batota. A grande coragem é ainda a de ter os olhos abertos para a luz como para a morte. Além disso, como explicar a ligação que leva deste amor devorador à vida a este desespero oculto? Se escuto a ironia escondida no fundo das coisas, ela descobre-se lentamente. Piscando o olho pequeno e claro: «Vive como se...», diz ela. Apesar de muitas pesquisas, aqui está toda a minha ciência."
Um dilema,dilema...
Como para mim as pessoas com quem vivo nada podem ser,o meu maior prazer na vida são os pensamentos monumentais deixados por seres semelhantes a mim, que, como eu, uma vez vaguearam por entre a gente do mundo.
Um grupo de porcos-espinhos apinhou-se apertadamente num certo dia frio de inverno, de maneira a aproveitarem o calor uns dos outros e assim salvarem-se da morte por congelamento. Logo, porém, sentiram os espinhos uns dos outros, coisa que os levou a separarem -se novamente. E depois, quando a necessidade de aquecimento os aproximou mais uma vez, o segundo mal surgiu novamente.
Dessa maneira foram impulsionados, para trás e para frente, de um problema para o outro, até descobrirem uma distância intermediária, na qual podiam mais toleravelmente coexistir.
Um dilema muito grave...
Como todos sabemos, aprender pouco é algo perigoso. Mas o excesso de aprendizagem altamente especializado também é uma coisa perigosa, e por vezes pode ser ainda mais perigoso do que aprender só um pouco. Um dos principais problemas da educação superior agora é conciliar as exigências da muita aprendizagem, que é essencialmente uma aprendizagem especializada, com as exigências da pouca aprendizagem, que é a abordagem mais ampla, mas menos profunda, dos problemas humanos em geral. (...) Mas aqui deparamo-nos com um problema muito grave: qualquer forma de conhecimento superior exige especialização. Precisamos de nos especializar para entrar mais profundamente em certos aspectos separados da realidade. Mas se a especialização é absolutamente necessária, pode ser absolutamente fatal, se levada longe demais. Por isso, precisamos de descobrir algum meio de tirar o maior proveito de ambos os mundos - aquele mundo altamente especializado da observação objectiva e da abstração intelectual, e aquele que podemos chamar o mundo casado da experiência imediata, no qual nada pode ser apartado. Somos as duas coisas, intelecto e paixão, as nossas mentes têm conhecimento objetivo do mundo exterior e da experiência subjetiva. Descobrir métodos para unir esses mundos separados, mostrar a relação entre eles, é, penso eu, a mais importante tarefa da educação moderna.
Cortes sem dilemas...
Decidi dedicar o resto da minha vida efémera totalmente a mim mesmo e, assim, perder o menor tempo possível com aquelas criaturas, a quem o facto de andarem sobre duas pernas, conferiu o direito de nos tomarem por seus iguais...
Aristóteles repartiu os bens da vida humana em três classes – os exteriores, os da alma e os do corpo. Conservando disso nada além da tríade, eu digo que aquilo que fundamenta a diferença na sorte dos mortais pode ser reconduzido a três determinações fundamentais.
1. Aquilo que se é: ou seja, a personalidade no sentido mais amplo. Por conseguinte incluem-se aqui saúde, força, beleza, temperamento, caráter moral, inteligência e instrução.
2. Aquilo que se tem: propriedades e posses em todos os sentidos.
3. Aquilo que se representa: sob esta expressão é comumente entendido aquilo que alguém é na representação de outros, ou seja, na verdade, como ele é por eles representado. Consiste, portanto, na sua opinião sobre ele e decompõe-se em honra, posição e fama.
«Diálogo no Jardim do Palácio»
B. Vamos jogar, se quiseres, um jogo novo. Joguemos a que somos um só. Talvez Deus nos ache graça e nos perdoe ter-nos criado. . . Senta-te aqui, defronte de mim e chegada a mim. Encosta os teus joelhos aos meus joelhos e toma as minhas mãos nas tuas. . . Assim. . . Agora fecha os olhos. Fecha-os bem e pensa. . . e pensa. . . Em que deverás pensar? Não, não penses em nada. Trata de não pensar em nada, de não querer sentir, de não saber que ouves ou que podes ver, ou que podes sentir as mãos, se quiseres pensar que elas existem. . . Assim, amor. . . Não movas nem o corpo nem a alma (Uma pausa) O que sentiste?
A. Primeiro nada. . . Foi um espanto de ti e de mim. . . Depois que me esqueci de tudo, meu corpo cessou. Quis abrir os olhos mas tive um grande medo de os abrir. Depois cessei ainda mais. . . Fui pouco a pouco nem tendo alma. Encontrei-me sendo um grande abismo em forma de poço, sentindo vagamente que o universo com os seus corpos e as suas almas estavam muito longe. Esse poço não tinha paredes mas eu sentia-o poço, sentia-o estreito, circular e profundo. Comecei então a sentir o grande horror — ah, já não poder senti-lo! — é que esse poço era um poço para dentro de si próprio, para dentro não do meu ser nem do meu ser poço, mas para dentro de si próprio, nem sei como. (. . .)
B. (numa voz muito apagada) Depois? Depois?
A. Depois desci. . . Encontrei no pensamento uma dimensão desconhecida por onde fiz o meu caminho. . . É como se se abrisse no escuro um vácuo. O
súbito pavor de uma Porta. . . Assim no meu pensamento uno, vácuo abstracto, uma porta se abriu, um Poço por onde fui descendo. Compreendes bem, não compreendes? Foi no pensamento todo abstracto e sem diferenças nem fins, nem ideias, nem ser, que um Poço se abriu. . . E eu desci, ao contrário do que se desce — ao contrário por dentro do ao contrário. . .(Pausa)
B. Continua, continua. . .
A. Desci mais, sempre mais. . . e sempre nessa nova direcção. Mas. . .(ajuda--me a poder dizer isto! Oh, que horror! que horror o que estou sentindo! Arrancam-me a alma como os olhos para não ver! Sabes o que eu sinto? Sinto-o como se o visse — como se o visse e aquilo nem pensar se pode! Ah, agarra-me, tem-me nos teus braços! Aperta-me! Aperta-me tanto que o teu braço me magoe.
B. Não quero, não quero. . . Tu não sabes o que senti!
A. Não ouso querer não o ouvir. . . Mas tenho medo. . . O nosso amor é parecido com o sonho porque não é senão a superfície do amor: O meu amor é impossível como realidade, possível só como amor. Cada uma de nós, no nosso amor, não ama senão a si, no amor; sonha em voz alta e é ouvida. Sonha com o corpo, com os beijos, com os braços.
B. Assim, separados, amar-nos-emos sempre. A ponte entre nós será a curva do céu, e assim o nosso amor será eterno. Possuir-te era já o caminho de perder-te. Viver contigo era a maneira de te ir esquecendo. O que concluir de tudo isto? Nada. Dissemos muitas verdades mas elas contradizem-se umas às outras. Os sonhos quando passam na água são repuxos também porque a gente pode senti-los do mesmo modo. Quanto a gente os sente, se depois fechar os olhos, aquilo que se sente transforma-se em repuxos que a gente vê. Eu acho que [há] muito a explorar nas nossas sensações. Há grandes interiores de continentes dentro de nós, com mistérios a desvendar. Quem sabe, amor, se raças diferentes das nossas habitarão esses sítios desconhecidos (inexplorados)? Habituei-me sempre a olhar para as minhas sensações como para uma coisa exterior.
— De que havemos de falar?
— De qualquer cousa. Do mistério das cousas e das formas das flores (...) E as formas das flores foram os primeiros contos de fadas.
— Às vezes, quando acordo de noite, sinto parar de repente, para que eu não vá ouvi-lo, o ruído das mãos que estão tecendo o meu destino. Vejo no ar fragmentos do meu futuro, rápidas sombras, e tendo uma vaga intuição da unidade divina do meu ser. Eu sou uma frase divina com um sentido que me escapa.
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