Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

terça-feira, 29 de março de 2016

Imagens perdidas e estados intermédios...

Procuro-me dentro de mim e não me encontro...A imagem perdida, é afinal, a minha...

Sabe bem sentir certas esculturas...Optei por um sofrimento sublime...Encaro, hoje, a felicidade barata com um misto de inveja e comiseração. Será que a felicidade barata teria valido a pena?

Na verdade,tinha muitíssimas saudades dele,tal como tenho hoje.Perguntava-me se éramos realmente realmente parecidos como nas minhas recordações,ou se isso não passava de uma ilusão.Chegava a pensar que ao longo daqueles onze anos nunca observara o seu rosto,nem um sódia, ao passo que o fizera tantas vezes.(...) Tomei uma decisão: para me lbertar, tinha de me persuadir de que aquela semelhança não era mais do que uma ilusão da minha memória, um erro desagradável que precisava de esquecer quanto antes. Tinha de me habituar a essa realidade.

Passado algum tempo, veio ter comigo para me anunciar que era do próprio pensamento que devíamos tratar: da mesma forma que um homem podia observar a sua imagem quando se via ao espelho, assim podia alcançar a quididade examinando a fundo o seu pensamento.(...) ordenou-me que escrevesse o que desejava, quando nem ele mesmo sabia o que queria. Não tinha mais nada em mente senão aquela analogia: tal como o homem pode ver ao espelho a sua aparência exterior,deve poder observar, pela reflexão, o interior do seu espírito.

Queria que ele compreendesse ,tinha vontade de lhe gritar na cara que, sem mim, nunca poderia refletir sobre nada, mas não tive coragem. Aconselhei-o, com ar indiferente, que se visse ao espelho... Ele zangou-se e saiu da sala batendo com a porta. E gritou-me que eu era um idiota.

Aqui estão as esferas translúcidas,suspensas nos ares onde giram estrelas,e Vénus está ali...e essa coisa enorme que ali se encontra é a Lua...e à medida que fazia girar os astros,as sinetas presas ao modelo tocavam com som agradável; (...) Hoje, ao trabalhar na invenção de um passado para mim,penso que aquela é a imagem da felicidade adequada aos contos de fadas da minha infância e aos pintores que os ilustravam.

Anos mais tarde,pensei muitas vezes que a cobardia daquele homem mudara toda a minha vida.(...) Muitos crêem que a vida não está previamente determinada e que todas as histórias são uma cadeia de coincidências.No entanto, mesmo aqueles que partilham dessa convicção, quando se põem a contemplar o passado, pensam que todos os acontecimentos que viveram eram inevitáveis.

Anda me acontece rever em sonhos a imagem do homem que fui. Esse homem...tinha vinte e três anos de idade e era um rapaz cheio de jactância; havia ingurgitado a maior parte de tudo o que fora feito antes dele e considerava essa totalidade com certo desdém; estava persuadido de que podia fazer melhor,convencido de que era mais inteligente e imaginativo que todos os outros.Cada vez que preciso de inventar o meu passado - o que sucede com frequência -, custa-me acreditar que esse jovem...era eu. Mas consola-me pensar que os raros leitores que, um dia, terão paciência de ler até ao fim aquilo que escrevo compreenderão que esse jovem não sou eu de maneira nenhuma. Esses leitores pacientes também pensarão talvez que a história do jovem, cuja vida foi interrompida enquanto folheava os seus livros mais queridos, recomeçou um dia no ponto onde parara.

A jarra preciosa está partida E nada valem os fragmentos seus; A imagem do templo está caída; Partiu-se. Era de barro. Os seus crentes, perdeu-os. Juntos os fragmentos da jarra divina E a jarra não fazem; Volta ao altar a imagem Já não é o que foi.

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Nm baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido.


(Tuas mãos esguias, um pouco pálidas(...)Cismavas, olhando-me, como se eu fosse o espaço. Recordo para ter em que pensar, sem pensar. De repente, num meio suspiro, interrompeste o que estavas sendo. Olhaste conscientemente para mim, e disseste: "Tenho pena que todos os dias não sejam assim" — Assim, como aquele dia que não fora nada ... Ah, não sabias, Felizmente não sabias, Que a pena é todos os dias serem assim, assim: Que o mal é que, feliz ou infeliz, A alma goza ou sofre o íntimo tédio de tudo, Consciente ou inconscientemente, Pensando ou por pensar Que a pena é essa ... Lembro fotograficamente as tuas mãos paradas, Molemente estendidas.) Lembro-me, neste momento, mais delas do que de ti. Que será feito de ti? Sei que, no formidável algures da vida (...)Deves ser feliz. Por que o não haverias de ser? (...) A vida... Branco ou tinto, é o mesmo: é para vomitar.

Não soube nunca o que sentia. Quando me falavam de tal ou tal emoção e a descreviam, sempre senti que descreviam qualquer coisa da minha alma, mas, depois, pensando, duvidei sempre. O que me sinto ser, nunca sei se o sou realmente, ou se julgo que o sou apenas. Sou uma personagem de dramas meus. O esforço é inútil, mas entretém. O raciocínio é estéril, mas é engraçado. Amar é maçador, mas é talvez preferível a não amar. (O sonho, porém, substitui tudo). Nele pode haver toda a noção do esforço sem o esforço real. Dentro do sonho posso entrar em batalhas sem risco de ter morto ou de ser ferido. Posso raciocinar, sem que tenha em vista chegar a uma verdade, a que nunca chegue; sem querer resolver um problema, que nunca resolvo; sem que (...). Posso amar sem me recusarem nem me trairem, nem me aborrecerem. Posso mudar de amada e ela será sempre a mesma. E se quiser que me traia e se me esquive, tenho às ordens que isso me aconteça, e sempre como eu quero, sempre como eu o gozo. Em sonho posso viver as maiores angústias, as maiores torturas, as maiores vitórias. Posso viver tudo isso tal como se fosse da vida; depende apenas do meu poder em tornar o sonho vivido, nítido, real. Isso exige estudo e paciência interior...

Como essas coisas que não valem nada E parecem guardadas sem motivo Alguma folha seca... uma taça quebrada Eu só tenho un valor estimativo... Nos olhos que me querem é que eu vivo Esta existência efémera e encantada... Um dia hão de extinguir-se, então, mais nada Mais nada Refletirá meu vulto vago e esquivo...Nunca mais, de um amigo, o caloroso abraço...E, no entretanto, em meio desta longa viagem, Muitas vezes parei... e, nos espelhos, Procuro, em vão, minha perdida imagem! Procuro, em vão, minha perdida imagem!



Imagens que passais pela retina dos meus olhos, porque não vos fixais? Que passais como a água cristalina por uma fonte para nunca mais!... Porque ides sem mim, não me levais? Sem vós o que são os meus olhos abertos? O espelho inútil, meus olhos pagãos! Aridez de sucessivos desertos... Fica sequer, sombra das minhas mãos...

Deito fora as imagens. Sem ti, para que me servem as imagens? Preciso habituar-me a substituir-te pelo vento, que está em qualquer parte e cuja direcção é igualmente passageira e verídica. Serei feliz sem as imagens. As imagens não dão felicidade a ninguém. Era mais difícil perder-te, e, no entanto, perdi-te. Era mais difícil inventar-te, e eu te inventei. Posso passar sem as imagens assim como posso passar sem ti. E hei-de ser feliz ainda que isso não seja ser feliz.

Quereres atirar-te contra a imagem que tens na cabeça, e esse é o mais belo suicídio - caíres de vinte andares é fácil, mas magoares-te porque deixas cair o teu corpo sobre uma imagem que existe naquilo que pensas, eis o que é bem difícil e só o acertado desespero consegue...



Já foi húmus, mera matéria orgânica resultante da decomposição de tudo o que projeta...Já se sentiu lixo...Hoje paira num grau zero, no meio de imagens perdidas. Sente-se ninguém: teria, não originalidade, mas algum sentido, se a sua existência fosse autotélica ou narcísica, mas nem isso... é um ser que se constroi de nada, irremediavelmente, condenado a ser nada.
Tal como a escrita, também a sua revolta não tem destinatário, por isso retorna sempre, cada vez mais destruidora, mais incompreensível, mais incontrolável. E o nada agiganta-se na sua própria imaterialidade.


Entender sem compreender: estado intermédio entre a lucidez e a insciência...

Vou dormir, dormir, dormir,
Vou dormir sem despertar,
Mas não dormir sem sentir
Que estou dormindo a sonhar.
Não insciência e só treva
Mas também estrelas a abrir
Olhos cujo olhar me enleva,
Que estou sonhando a dormir.
Constelada inexistência
Em que subsiste de meu
Só uma abstracta insciência
Una com estrelas e céu.


SALOMÉ – A minha beleza faz os homens sonâmbulos, e o som (encanto) da minha voz distrai-os de sonhar. As suas preferidas odeiam-me sem saber se existo, porque entre as palavras vagas dos seus discursos amorosos, a minha imagem embarga as frases e elas sentem-me passar, como um canto de sereia, nos esquecimentos da voz, e nos abrandamentos dos braços e das mãos, que cingem ou que apertam.Sou o perfume que, uma vez sonhado, lhes faz aura à imaginação, e não poderão ter esposa, nem noiva, nem até irmã a que acarinhem, porque se lembram de que eu sou a princesa que um dia lhes foi toda a vida.Os meus passos vão leves sobre as relvas, como se fossem memórias.
Nos gestos que faço com os braços há um sorriso da minha boca triste. Os meus olhos não conhecem uma promessa certa, e quando são baixos e só os cílios vivem, os corações anseiam com uma grande tortura. Dizem que sou a maravilha, mas eu não sei quem sou. Habita em mim um fluido de desastres que cai sobre as épocas futuras como uma chuva que é nevoeiro. Morreriam milhares só por beijar minhas mãos. Milhares deixariam seus lares só por ouvir a própria voz chamar-me a mim princesa. Pelo meu desprezo visível trocariam muitos todos os amores que lhes foram dados, e até aqueles que desejariam. Sou fatal como as noites e os outonos, e no meu coração há já uma saudade de todos quantos matarei. Os escravos rastejam com os olhos quando mal me podem olhar. Passo entre as alas dos soldados e sinto-os que tremem como folhas ao vento. Levarão saudades desse momento como de uma grande maldição, e acordarão nas grandes noites de estio, quando o suor entra na alma, pávidos da memória sinistra que vive do meu perfil entrevisto, dos meus olhos desviados, do recorte das minhas sobrancelhas...As escravas invejam-me com amor, e cada uma sonha, a sós com o leito sem outro peito, em como haveriam seus olhos de fazer amar os cães, e seus gestos de fazer relinchar os cavalos, nas grandes noites em que a virgindade se sente nas entranhas. Os gatos roçam-se contra as minhas pernas e sentem-se tigres até ao sexo. As aves cantantes calam-se quando passo, e as rosas altas roçam pela minha face porque eu tenho o privilégio dos caminhos.
Eu, filha de Herode, não tenho dia em que não queira a noite nem noite que não anseie pelo dia. (...) A minha vida é uma planície a que se segue outra planície. Não raia sol que me traga a alegria do outro, nem lua que me lembre mais os sonhos que não sei sonhar.
Sinto-me menos imortal que as cousas que sonho. Quando o sol nasce ou morre, a minha sombra é infinita. (...) Projecto-me quando sonho sobre todas as épocas. Quando sonho sinto que não morro. É quando acordo, e escuto com o meu sangue, que eu ouço passar a vida.
Minha vida tem um cansaço de mais cousas do que a minha vida. Não sei mais que sonhar, mas hoje, que me pesa tanto o não saber mais que sonhar, e tenho sem querer a necessidade do sonho, quero que sonheis comigo. Quero que sonhemos juntas. Se uns vivem juntos, porque não sonharão juntos outros? Há alguma diferença entre o sonho e a vida?


Quero ser a rainha do futuro que nunca haja, a irmã dos deuses que sejam amaldiçoados, a mãe virgem e estéril dos deuses que nunca serão.

A minha figura humana, se a considerava com uma atenção externa, era do ridículo que tudo quanto é humano assume sempre que é íntimo. Vestira, sobre os trajes simples do sono abandonado, um sobretudo velho, que me serve para estas vigílias matutinas. Os meus chinelos velhos estavam rotos, principalmente o do pé esquerdo. E, com as mãos nos bolsos do casaco póstumo, eu fazia a avenida do meu quarto curto em passos largos e decididos, cumprindo com o devaneio inútil um sonho igual aos de toda a gente.
Ainda, pela frescura aberta da minha janela única, se ouviam cair dos telhados os pingos grossos da acumulação da chuva ida. Ainda, vagos, havia frescores de haver chovido. O céu, porém, era de um azul conquistador, e as nuvens que restavam da chuva derrotada ou cansada cediam, retirando para sobre os lados do Castelo os caminhos legítimos do céu todo.
Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E, quando me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamente...


Nós não somos um todo materialmente construído, idêntico para toda a gente e de quem cada um apenas tenha de tomar conhecimento, como de um caderno de encargos ou de um testamento. A nossa personalidade social é uma criação do pensamento dos outros. Mesmo o acto tão simples de "ver uma pessoa conhecida" é em parte um acto intelectual. Preenchemos a aparência física do ser que vemos com todas as noções que temos sobre ele e, na figura total que imaginamos, essas noções possuem certamente um importante papel.

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.


É o mistério profundo, é o queira ou não queira...


Estou hoje, deveras, nesse estado intermédio da alma em que nem apetece a vida nem outra coisa. E emprego a súbita lembrança de que nunca pensei em o que fosse, em sonhar, ao longo de pensamentos meio impressões, a análise, sempre um pouco factícia, do que ele seja.

Não o sei, realmente, se o tédio é somente a correspondência desperta da sonolência do vadio, se é coisa, na verdade, mais nobre que esse entorpecimento. Em mim, o tédio é frequente, mas, que eu saiba, porque reparasse, não obedece a regras de aparecimento. Posso passar sem tédio um domingo inerte; posso sofrê-lo repentinamente, como uma nuvem externa, em pleno trabalho atento. Não consigo relacioná-lo com um estado da saúde ou da falta dela; não alcanço conhecê-lo como produto de causas que estejam na parte evidente de mim.Dizer que é uma angústia metafísica disfarçada, que é uma grande desilusão incógnita, que é uma poesia surda da alma aflorando aborrecida à janela que dá para a vida - dizer isto, ou o que seja irmão disto, pode colorir o tédio, como uma criança ao desenho cujos contornos transborde e apague, mas não me traz mais que um som de palavras a fazer eco nas caves do pensamento

O tédio... Pensar sem que se pense, com o cansaço de pensar; sentir sem que se sinta, com a angústia de sentir; não querer sem que se não queira, com a náusea de não querer - tudo isto está no tédio sem ser o tédio, nem é dele mais que uma paráfrase ou uma translação. E, na sensação directa, como se de sobre o fosso do castelo da alma se erguesse a ponte levadiça, nem restasse, entre o castelo e as terras, mais que o poder olhá-las sem as poder percorrer. Há um isolamento de nós em nós mesmos, mas um isolamento onde o que separa está estagnado como nós, água suja cercando o nosso desentendimento.

O tédio... Sofrer sem sofrimento, querer sem vontade, pensar sem raciocínio... É como a possessão por um demónio negativo, um embruxamento por coisa nenhuma.(...) Sou como o homem que vendeu a sombra, ou, antes, como a sombra do homem que a vendeu. O tédio... É talvez, no fundo, a insatisfação da alma íntima por não lhe termos dado uma crença, a desolação da criança triste que intimamente somos, por não lhe termos comprado o brinquedo divino. É talvez a insegurança de quem precisa mão que o guie, e não sente, no caminho negro da sensação profunda, mais que a noite sem ruído de não poder pensar, a estrada sem nada de não saber sentir... O tédio... Quem tem Deuses nunca tem tédio. O tédio é a falta de uma mitologia. A quem não tem crenças, até a dúvida é impossível, até o cepticismo não tem força para desconfiar. Sim, o tédio é isso: a perda, pela alma, da sua capacidade de se iludir, a falta, no pensamento, da escada inexistente por onde ele sobe sólido à verdade.

Pode ser Que não venhas mais Que não venhas Nunca mais...


Para mim a humanidade é um vasto motivo de decoração, que vive pelos olhos e pelos ouvidos, e, ainda, pela emoção psicológica. Nada mais quero da vida senão o assistir a ela. Nada mais quero de mim senão o assistir à vida. Sou como um ser de outra existência que passa indefinidamente interessado através desta. Em tudo sou alheio a ela. Há entre mim e ela como um vidro. Quero esse vidro sempre muito claro, para a poder examinar sem falha de meio intermédio; mas quero sempre o vidro.

Everytime we say goodbye, I die a little, Everytime we say goodbye, I wonder why a little, Why the gods above me, who must be in the know. Think so little of me, they allow you to go.

Stick with me and we'll be alone"together...

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