Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

sábado, 23 de abril de 2016

Impossibilidades,impensamentos e estranhezas...

Assim como, quer o saibamos quer não, temos todos uma metafísica, assim também, quer o queiramos quer não, temos todos uma moral. Tenho uma moral muito simples - não fazer a ninguém nem mal nem bem. Não fazer a ninguém mal, porque não só reconheço nos outros o mesmo direito que julgo que me cabe, de que não me incomodem, mas acho que bastam os males naturais para mal que tenha de haver no mundo. Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros uma amabilidade de viagem. Não fazer bem, porque não sei o que é o bem, nem se o faço quando julgo que o faço.
Se não faço o bem, por moral, também não exijo que mo façam Se adoeço, o que mais me pesa é que obrigo alguém a tratar-me, coisa que me repugnaria de fazer a outrem. Nunca visitei um amigo doente. Sempre que, tendo eu adoecido, me visitaram, sofri cada visita como um incómodo, um insulto, uma violação injustificável da minha intimidade decisiva. Não gosto que me dêem coisas; parecem com isso obrigar-me a que as dê também - aos mesmos ou a outros, seja a quem for. Sou altamente sociável de um modo altamente negativo. Sou a inofensividade encarnada. Mas não sou mais do que isso, não quero ser mais do que isso, não posso ser mais do que isso. Tenho para com tudo que existe uma ternura visual, um carinho da inteligência - nada no coração. Não tenho fé em nada, esperança de nada, caridade para nada. Abomino com náusea e pasmo os sinceros de todas as sinceridades e os místicos de todos os misticismos ou, antes e melhor, as sinceridades de todos os sinceros e os misticismos de todos os místicos. Essa náusea é quase física quando esses misticismos são activos, quando pretendem convencer a inteligência alheia, ou mover a vontade alheia, encontrar a verdade ou reformar o mundo.
Nunca amei ninguém. O mais que tenho amado são sensações minhas - estados da visualidade consciente, impressões da audição desperta, perfumes que são uma maneira de a humildade do mundo externo falar comigo, dizer-me coisas do passado (tão fácil de lembrar pelos cheiros) isto é, de me darem mais realidade, mais emoção, que o simples pão a cozer lá dentro na padaria funda, como naquela tarde longínqua em que vinha do enterro do meu tio que me amara tanto e havia em mim vagamente a ternura de um alívio, não sei bem de quê.



O possível existe pelo menos uma vez, o impossível é único porque não é imitável. Ninguém se queixa de não saber imitar o impossível.

Provavelmente, as impossibilidades são sempre preferíveis a possibilidades improváveis...

A grande impossibilidade...

Afinal, Fernando Pessoa amou ou não amou? Qual era o significado deste sentimento para o poeta? Como o amor se refletiu em sua poesia? E, partindo do princípio de que o amor não tenha se concretizado em sua vida, o que o impediu de amar? (...) De acordo com Ortega y Gasset, a realidade compreende o indivíduo e a sua circunstância: “eu sou eu e minha circunstância”, “a circunstância forma a outra metade da minha pessoa e eu preciso integrá-la em mim para ser eu mesmo”. Com relação a Fernando Pessoa, o que podemos dizer (...) é que existe entre este e o real uma impossibilidade de compenetração, conhecida como o culto da intransitividade, que está na raiz do processo heteronímico. Assim, o poeta por não conseguir salvar (apreender) a sua circunstância, não se salva, não consegue ser ele mesmo... A “intransitividade pode explicar o fracasso na vida pessoal do poeta das relações interindividuais”. Quem não se possui enquanto indivíduo, não consegue responder ao outro. Por isso, talvez, as amizades de Pessoa sejam sempre distantes e o amor, devido a sua incapacidade de abandonar-se, se converta na sua grande impossibilidade. Ortega y Gasset... faz uma distinção entre amor e desejo. Para ele, desejo é a tendência a possuir algo de tal forma que o objeto venha a fazer parte de mim. O desejo tem caráter passivo e morre quando é satisfeito. O amor, ao contrário, é um eterno insatisfeito e tem um caráter ativo, ou seja, eu vou até o objeto e me integro na sua existência:“en el acto amoroso, la persona sale fuera de sí: es tal vez el máximo ensayo que la naturaleza hace para que cada cual salga de sí mismo hacia otra cosa. No ella hacia mí, sino yo gravito hacia ella.”.Isto significa que o indivíduo que ama abandona toda a tranqüilidade e segurança que há dentro de si e “emigra virtualmente”... na direção do objeto para estar com o mesmo em estado de união. Não em união física, mas numa convivência simbólica, que independe da distância espacial. Amar equivale a querer a perfeição do amado e buscar constantemente afirmar o objeto do amor.(...) Para o filósofo, “amar es vivificación perenne, creación y conservación intencional de lo amado”. Assim, Ortega y Gasset entende o amor como uma atividade sentimental até um objeto, que pode ser pessoa ou coisa. É um “caminhar da alma” na direção do amado. Logo, o amor é um ato transitivo em que a nossa atenção se fixa num objeto de tal maneira que não podemos sequer imaginar viver sem ele... Foi exatamente isso que Fernando Pessoa não conseguiu fazer ou (talvez) daquilo de que abdicou em favor da sua obra.(...) À luz da filosofia de Ortega y Gasset, a obra pessoananos dá um indício da sua impossibilidade amorosa. A racionalidade e o intelecto também são impulsos mais valorizados pelo poeta. O impulso natural para ele é o intelectual. O amor é o ridículo desse estado natural. As características observadas no amor são, pois, segundo o filósofo espanhol: ser contínuo, o ir ao objeto e aproximar-se dele, afastando-se de si.(...)Essas características de abandono do intelecto em detrimento do outro é impossível a Pessoa: "O amor causa-me horror; é abandono, Intimidade...... Não sei ser inconsciente"(...) Pessoa, apesar de ter sido tanto o outro, jamais conseguiu sair de si, requisito indispensável para amar. Esse ir até o outro, até o objeto amado, lenta e continuamente, sem submetê-lo é impossível para Pessoa.(...) O estado místico, bem como o enamoramento é uma forma de se transportar para fora de si e do mundo. Ambos nascem do empobrecimento da atenção, da sua concentração em uma única coisa. Apaixonar-se é se colocar sob uma forma específica de controle não racional. Ortega considera que “dizer que o homem é racional e livre [...] parece uma expressão muito próxima de ser falsa”. Pessoa diz “não sei ser inconsciente”. Contudo não se dá conta de que a liberdade e a racionalidade estão presentes na vida, mas só como uma película estreita, como já revelou a psicanálise. O amor desencadeia um percurso psíquico dissolvente do qual é sempre difícil, senão impossível recuperar-se.(...) Contudo, não se pode afirmar que Fernando Pessoa não amou. Ele amou a poesia: amor: “es un acto centrífugo del alma que va hacia el objeto en flujo constante y lo envuelve en cálida corroboración, uniéndonos a él y afirmando ejecutivamente su ser”. Logo, o poeta “caminhava constantemente” na direção da poesia, estava com a mesma em estado de união e lutava para afirmá-la. Portanto, a criação literária era o grande amor da vida de Pessoa, sem o qual ele não poderia viver e do qual buscava a perfeição. Este amor, não menor do que qualquer outro, talvez explique as motivações do poeta e a grandiosidade da sua obra.

Impossibilidades impossíveis...

Se ao menos, aquém da impossibilidade, assim pudéssemos quedar-nos, sem que cometêssemos uma acção, sem que os nossos lábios pálidos pecassem mais palavras! Olha como vai escurecendo!... O sossego positivo de tudo enche-me de raiva, de qualquer coisa que é o travo no sabor da aspiração. Dói-me a alma... Um traço lento de fumo ergue-se e dispersa-se lá longe... Um tédio inquieto faz-me não pensar mais em ti...Tão supérfluo tudo! Nós e o mundo e o mistério de ambos.

Provemos e não escrevamos,
Amemos e não construamos,
Metamos dois tiros de revólver na primeira cabeça com chapéu
E não façamos onomatopeias inúteis e vãs no nosso verso
No nosso verso escrito em prosa...


(…) e aquele tempo perdido em analisar o que nunca se chegou a passar, a medir os precisos termos de relações que nunca se dariam.
Fora um capricho, não do temperamento, mas da simples imaginação. Cada um fora um sonho para o outro, uma espécie de trampolim para saltar dentro de si mesmo de um esquema de emoções para outro esquema de emoções, de uma possibilidade para outra possibilidade.
Aquela banalidade de vida é que era a realidade da vida dela; aquela impossibilidade de fazer mais que sonhar é que era a certeza dele. O que ela manifestara para com ele fora apenas um sonho em voz alta, e o que ele manifestara para ela uma possibilidade em voz baixa. As vozes harmonizavam-se pela própria desarmonia...Mas a maioria das vezes o momento está fora de lugar ou o lugar longe do momento. O homem certo está errado, ou não aproveita o que lhe dão quando lhe não disseram que lho davam, e por isso mesmo...
E aquele elemento de banalidade, de estupidez mesmo, que oferece obstáculo permanente à própria imaginação, e prende curtos os animais do íntimo desejo, à porta de casa das coisas que se não revelam? E aquele amor a um conforto da superfície da alma? E aquele uso do mesmo homem, aceite como uma maçada sossegada e, por usual, cómoda - o marido parte da vida como o arranjo da cozinha, o passajar de roupa ou o tratar das crianças?...


Não há maior tragédia do que a igual intensidade, na mesma alma ou no mesmo homem, do sentimento intelectual e do sentimento moral. Para que um homem seja distintivamente e absolutamente moral, tem que ser um pouco estúpido. Para que um homem possa ser absolutamente intelectual, tem que ser um pouco imoral. Não sei que jogo ou ironia das coisas condena o homem à impossibilidade desta dualidade em grande. Por meu mal, ela dá-se em mim. Não foi o excesso de uma qualidade, mas o excesso de duas, que me matou para a vida.

Há sensações que são sonos, que ocupam como uma névoa toda a extensão do espírito, que não deixam pensar que não deixam agir, que não deixam claramente ser. Como se não tivessemos dormido, sobrevive em nós qualquer coisa de sonho, e há um torpor do sol do dia a aquecer a superfície estagnada dos sentidos. É uma bebedeira de não ser nada, e a vontade é um balde despejado para o quintal por um movimento indolente do pé à passagem.
Olha-se mas não se vê...Perde-se a possibilidade de dar um sentido ao que se vê, mas vê-se bem o que é, sim...Não é tédio o que se sente. Não é mágoa o que se sente. É uma vontade de dormir com outra personalidade, e esquecer com melhoria de vencimento. Não se sente nada, a não ser um automatismo cá em baixo, a fazer umas pernas que nos pertencem levar a bater no chão, na marcha involuntária, uns pés que se sentem dentro dos sapatos. Nem isto se sente talvez. À roda dos olhos e como dedos nos ouvidos há um aperto de dentro da cabeça.Parece uma constipação na alma. E com a imagem literária de se estar doente nasce um desejo de que a vida fosse uma convalescença, sem andar; e a ideia de convalescença evoca as quintas dos arredores, mas lá para dentro, onde são lares, longe da rua e das rodas. Sim, não se sente nada. Passa-se conscientemente, a dormir só com a impossibilidade de dar ao corpo outra direcção, a porta onde se deve entrar...
Tanta inconsequência em querer bastar-me! Tanta consciência sarcástica das sensações supostas! Tanto enredo da alma com as sensações, dos pensamentos com o ar e o rio, para dizer que me dói a vida no olfacto e na consciência, para não saber dizer, como na frase simples e ampla do Livro de Job «Minha alma está cansada de minha vida!»


Pretende-se aqui dar, por sugestão, a ideia de um luar sobre ilhas impossíveis, sonhadas. A sugestão deve portanto visionar na alma do leitor dois elementos, unificando-os; e esses dois elementos são o Luar e as Ilhas Impossíveis... o absurdo, desconexo e vago das imagens sugerem a ideia de Estranhezas, de Impossibilidade. Daí a sugestão total e una — porque todos estes elementos se fundem e coagem - de Luar sobre as Ilhas Impossíveis...


Penso em ti no silêncio da noite, quando tudo é nada, E os ruídos que há no silêncio são o próprio silêncio, Então, sozinho de mim, passageiro parado (...) inutilmente penso em ti.

I'm gonna write a letter to my true love ...I'm gonna sign my name

Desculpa se te fiz fogo e noite sem pedir autorização por escrito ao sindicato dos deuses... Mas não fui eu que te escolhi. Desculpa se te usei como refúgio dos meus sentidos pedaço de silêncios perdidos que voltei a encontrar em ti...

Tudo o que não se pode desenhar são abstracções. Tudo o que não podes desenhar é inútil.( Mas como desenhar estas duas frases? Será inútil dizer que quase tudo é inútil? Eis um problema.) O amor é inútil,o pensamento é inútil...Ela pode ser desenhada, logo é útil, Será?







Impensamentos pensáveis...

Só dizemos uma ínfima parte do que pensamos. Qual será a percentagem? Será que a marca peculiar de cada ser reside numa diferente proporção entre o que pensa e o que diz? Não dizemos, porquê? O tormento não é sofrer, é pensar.

O sofrimento é sempre indizível: arranca-nos as palavras; perdemos a capacidade de contar, de dizer. É algo que se parece com a loucura: somos transportados para um espaço de solidão absoluto, porque não conseguimos comunicar com ninguém...

A morte não tem nada a ver com o "ridículo" de não ver uma pessoa. Há tanta forma de desaparecimento...Mais "ridícula" é a comunicação, simulacro de algo que não existe, que num momento é, ou parece ser, mas logo se esvai. Renasce, para logo voltar a desaparecer, arrastando-nos, progressivamente, para uma solidão mais absoluta ...

Embora amemos o possível, acabaremos por ter de o encerrar numa caixa, para que não perturbe mais este impossível sem o qual não poderemos continuar juntos...

Pierrot dorme sobre a relva junto ao lago. Os cisnes junto dele passam sede, não o acordem ao beber. Uma andorinha travessa, linda como todas, voa brincando rente à relva e beija ao passar o nariz de Pierrot. Ele acorda e a andorinha, fugindo a muito, olha de medo atrás, não venha o Pierrot, de zangado, persegui-la pelos campos. E a andorinha perdia-se nos montes, mas, porque ele se queda, de novo volta em ziguezagues travessos e chilreios de troça. E chilreia de troça, muito alto, por cima dele. Pierrot já se adormecia, e a andorinha em descida que faz calafrios pousou-lhe no peito duas ginjas bicadas, e fugiu de novo. De contente, ergueu-se sorrindo e de joelhos, braços erguidos, os seus olhos foram tão longe, tão longe como a andorinha fugida nos montes. De repente viu-se cego - os dedos finíssimos de Colombina brincavam com ele. Desceu-lhe os dedos aos lábios e tocou com beijos o aroma das palmas perfumadas. Depois dependurou-lhe de cada orelha uma ginja, à laia de brincos como jóias de carmim. Rolaram-se na relva e uniram as bocas, e já se esqueciam de que as tinham juntas...
E foram de enfiada as graças da ave toda paixão. Pierrot contava entusiasmado, olhando os montes ainda em busca da andorinha, e Colombina torceu o corpo numa dor calada e tomou-lhe as mãos. Havia na relva uma máscara branca de dor, e a lua tinha nos olhos claros um olhar triste que dizia: Morreu Colombina!


Sem pensamento não se constrói uma vida, mas prefiro construir a minha existência, impensando-a...

Veio-me cedo a consciência da futilidade de tudo. Vim para aqui. Continuei a ler, mas não escrevo, nem outra coisa. Destruí o que escrevera e anotara. Pensava, teorizava, sofria. Hoje passei além. O pensamento tornou-se-me a alma. Sentimentalizou-se, dispersou-se por mim, perdendo o seu ser de lógica. Hoje já não penso; sinto a reflexão. Penso com o sentimento. Raciocino-me.

Acredito na existência de duas vidas. Não essas de fila indiana, ou de somatório de sobrevivências como as do gato ou do herói. Acredito, sim, que existe a vida por fora, uma, e a vida por dentro, duas. E o único corpo humano vive, assim, duas vezes ao mesmo tempo. Nas acções que faz em tudo que ocorre um milímetro acima da pele; e no que pensa, imagina e sonha, um milímetro abaixo da pele. A pele é a fronteira entre as duas vidas que temos, poderia então dizer-se se gostássemos de dizer as frases assim, como que concluindo. Mas não gostamos.

Precisava de libertar, de qualquer maneira, o sentimento que me asfixiava. Para pôr à vista o que ele tinha no ventre, eu queria despedaçar o belo manequim que por toda a parte eu apresentava. Que náusea da vida! Que abjeção esta regularidade! Que sono este ser assim!

Não durmo. Não durmo. Não durmo. Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma! Que grande sono em tudo excepto no poder dormir! ...Que horas são? Não sei. Não tenho energia para estender uma mão para o relógio, Não tenho energia para nada....

Não durmo, mas penso-me... Que inutilidade dormir...Pensei na palavra enlace e sorri. É inevitável. A beleza existe, a alegria existe! Nos lugares silenciosos onde o meu coração te buscava / Eu suspirava um Verão eterno. (...)Tu lembras-te. Estás a sorrir? Como me sinto feliz...O homem livre deve a si mesmo: transcender o mal, no plano humano; transcender o absurdo, no plamo existencial; transcender o nada, no plano metafísico. Calígula, apesar do seu poder, não transcendeste o mal, nem o absurdo, nem o nada... kaliayev, de quem muito gostou na juventude,como se identificou totalmente.Tu, tão intrinsecamente justo, o que transcendeste? Nada,absolutamente nada. Calígula sempre ficou para a história. E tu, doce Kaliayev, que Camus tentou imortalizar, quem ainda pensa em ti?? eu recordar-te-ei sempre com um sorriso...

Agora é necessário que eu deva dizer que tipo de homem sou. O meu nome não importa, nem qualquer outro pormenor exterior particular acerca de mim. Do meu carácter alguma coisa deve ser dita. Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Nada é ou pode ser positivo para mim, todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, uma incerteza para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo é significado. Todas as coisas são «desconhecidos» simbólicos do Desconhecido. Consequentemente horror, mistério, medo suprainteligente. Pelas minhas próprias tendências naturais, pelo enquadramento da minha juventude, pela influência dos estudos realizados sob o impulso delas (dessas mesmas tendências), por tudo isso eu sou das espécies internas de caráter, autocentrado, mudo, não autossuficiente mas autoperdido. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror de, na incapacidade que permeia tudo o que me é, fisicamente e mentalmente, por atos decisivos, por pensamentos definidos. Eu nunca tive uma resolução nascida de uma autodeterminação, nunca uma traição externa de uma vontade consciente. Nenhum dos meus escritos foi terminado; novos pensamentos sempre se intrometeram, provocando associações de ideias tendo o infinito por termo. Eu não posso evitar o ódio do meu pensamento ao término; sobre uma única coisa tenho dez mil pensamentos, e dez mil interassociações destes dez mil pensamentos surgem, e não tenho vontade de os eliminar ou prendê-los, nem para reuni-los num pensamento central, onde os seus detalhes sem importância, mas associados, podem ser perdidos. Eles passam em mim; eles não são os meus pensamentos, mas os pensamentos que passam por mim. Eu não pondero, eu sonho, eu não me inspiro, eu deliro. Eu posso pintar, mas nunca pintei; eu posso compor música, mas eu nunca compus. Conceções estranhas em três artes, belos traços de imaginação acariciam o meu cérebro, mas eu deixo que eles durmam lá até morrerem, porque não tenho poder para lhes dar corpo, para torná-los coisas do mundo exterior. O carácter da minha mente é tal que odeio os começos e os fins das coisas, porque são pontos definitivos. A ideia de uma solução a ser encontrada para os problemas, os mais elevados, os mais nobres, da ciência, da filosofia, aflige-me; que alguma coisa possa ser determinada de Deus ou do mundo horroriza-me. Que as coisas da maioria dos momentos devem ser feitas, que o um dia todos os homens sejam felizes, que uma solução possa ser encontrada para os males da sociedade, mesmo em termos de conceito, enlouquecem-me. No entanto, eu não sou mau nem cruel; eu sou louco, e, como tal, difícil de conseguir conceber alguma coisa. Embora eu tenha sido um leitor voraz e ardente, não me lembro de nenhum livro que li, até agora a minha leitura foram estados da minha própria mente, os sonhos de mim próprio, ou melhor, provocações de sonhos. A minha própria memória dos acontecimentos, de coisas externas, é vaga, mais do que incoerente. Tremo só de pensar o quão pouco eu tenho na minha mente acerca do que a minha vida passada tem sido. Eu, o homem que diz que hoje é um sonho, sou menos do que uma coisa de hoje.


Bóiam leves desatentos, Meus pensamentos de mágoa, Como, no sono dos ventos, As algas, cabelos lentos Do corpo morto das águas.

Bóiam como folhas mortas à tona de águas paradas São coisas vestindo nadas, Pós remoinhando nas portas Das casas abandonadas.

Sono de ser, sem remédio, Vestígio do que não foi, Leve mágoa, breve tédio, Não se pára, se flui; Não se existe ou de dói.


Como este poema é perfeito: a eufonia dos versos, a suave musicalidade que ecoa na alma,o pessimismo melancólico, contido,quase sem emoção, " não sei se existe ou se dói". Faz sorrir: para o poder ler e sentir, vale a pena estar vivo.

Pienso que en este momento tal vez nadie en el universo piensa en mí, que solo yo me pienso,y si ahora muriese, nadie, ni yo, me pensaría.

Penso em ti no silêncio da noite, quando tudo é nada, E os ruídos que há no silêncio são o próprio silêncio, Então, sozinho de mim, passageiro parado (...) inutilmente penso em ti.



vinte e quatro de setembro de 2014

Acordei a ouvir, com estranha nitidez, um som distante, a ecoar, dentro de mim, com tal intensidade que até a gata miou ao ritmo do killing me softly...

Talvez por influência deste filme de almodóvar, sonhei com cenários macabros, embora os acontecimentos não o fossem. No meu sonho ( Até os sonhos se converteram em pesadelos...), como é usual, rodopiam rostos que me são familiares, mas em situações improváveis: um estranho realismo fantasmagórico que me perturba...Despertei com vontade de fugir, fugir de mim...

Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.


Devia existir um processo de dar férias, vacaciones, vacances, holidays ao nosso eu principal e partir com um qualquer sucedâneo, menos interessante que fosse... Tiramos férias de todas as tarefas , exceto de nós... Se eu sou o problema, não há oriente que me salve , não há cocagne quimérica que me liberte deste não sei quê...das estranhezas que se entranharam em mim, deixando-me esgotada, esvaída de ânimo e de vontade...

¿Quién me mostrará que él nunca existió, que yo misma no soy sino una sombra, una silueta entre páginas?
Uma perfeição idealizada só pode pairar numa zona sombria e inacessível; a imaterialidade só é captada por quem tenha a capacidade de descodificar signos ocultos: isso não assume qualquer estranheza...

"Novela de Eterna" y la Niña del dolor, la "Dulce-persona" de un amor que no fue sabido... - uma novela concebida para nunca ser lida...
Ó tocadora de harpa, se eu beijasse Teu gesto, sem beijar as tuas mãos!



Se recordo quem fui, outrem me vejo, E o passado é o presente na lembrança. Quem fui é alguém que amo Porém somente em sonho. E a saudade que me aflige a mente Não é de mim nem do passado visto, Senão de quem habito Por trás dos olhos cegos. Nada, senão o instante, me conhece...



De todas as que me beijaram,
De todas as que me abraçaram,
já não me lembro, nem sei...
Foram tantas as que me amaram,
Foram tantas as que eu amei.
Mas tu, que rude contraste,
Tu que jamais me abraçaste,
Tu que jamais me beijaste,
Só tu nesta alma ficaste,
De todas as que eu amei...


Estranha forma de amor...
Roma, Amor: a divindade da cidade eterna identificava-se pela primeira vez com a Mãe do Amor, inspiradora de toda a alegria… Era uma das ideias da minha vida.

Animula vagula blandula

...o sentimento de uma escolha tão deliberada e tão involuntária como o amor.
amei muito pouco a juventude, a minha menos que qualquer outra
Gostavam pouco de mim.
...queria encontrar a charneira em que a nossa vontade se articula ao destino, onde a disciplina secunda a natureza em vez de a refrear.

Roma tão indulgente com a devassidão, nunca apreciou muito o amor dos que governam.

E foi então que apareceu o mais sábio dos meus génios bons: Plotina.

Conheceu-me melhor do que ninguém; deixei-lhe ver o que dissimulava cuidadosamente a qualquer outra pessoa: por exemplo secretas cobardias. Agrada-me pensar que, pelo seu lado, ela me confiou quase tudo. A intimidade dos corpos, que nunca existiu entre nós, foi compensada pelo contacto de dois espíritos estreitamente identificados um com o outro.
... éramos cúmplices, mas o ouvido mais apurado mal poderia reconhecer entre nós os sinais de um secreto acordo. Não cometeu jamais diante de mim o grosseiro erro de se lamentar do imperador, nem o erro mais subtil de o desculpar ou de o louvar.

Reencontrei o belo silêncio de Plotina. Ela apagava-se suavemente...imperatriz quase divina. Porém, a sua amizade continuava a ser exigente, mas, apesar de tudo, só tinha exigências sensatas.
Plotima já não existia...a minha única amiga.Mas a morte modificava pouco esta intimidade que havia já anos dispensava a presença; a imperatriz continuava a ser o que sempre fora para mim: um espírito, um pensamento ao qual o meu se tinha unido.



Antínoo...pronunciava o grego com acento da Ásia...
Aquele belo lebréu ávido de carícias e de ordens deitou-se sobre a minha vida.
Aquela aventura...enriquecia mas simplificava também a minha vida: o futuro pouco importava.
Aquele belo ser sensual encarava a morte com horror...
Não amava menos; amava mais. Mas o peso do amor, como o de um braço ternamente pousado sobre o peito, tornava-se pouco a pouco mais difícil de suportar.


Patientia

Estranha forma de vida...

A minha paciência dá os seus frutos; sofro menos; a vida torna a ser quase doce. Já não discuto com os médicos...a sua presunção e pedantismo são obra nossa: mentiriam menos se não tivéssemos tanto medo de sofrer.

O fenómeno mais herético é o amor. Ele não é bem recebido nem tolerado porque é uma força sem desistência e que não se revoga a si mesma. Primeiro estranha-se, depois entranha-se...

O amor é um lugar estranho...

Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as coisas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender...


Estranha condição...

Advertência do autor - Se está mesmo na disposição de ler este livro, devo prevenir: não se trata de antecipação científica. Teríamos, nesse caso, um aluvião de sábios palpites que o futuro implacável acabaria por desmentir. Ao contrário, o que vai ler é uma história verídica, a ocorrer, garantidamente, no ano de 2044. É possível que os inevitáveis cépticos e maldizentes tentem beliscar o rigor da narrativa, negando verosimilhança às novidades urbanas, técnicas e de costumes. Não importa, 2044 vem já aí. Depois conversamos.


Pela rua pedonal que desemboca na praça desce um alarido de multidão excitada. Não tarda emerge o cortejo, com tarjas, cartazes, bandeiras, megafones vozeando palavras de ordem. O trânsito foi suspenso por polícias de fardas polícromas e, aninhados no pequeno carro de motor alternativo entre o impulso eléctrico e o combustível de microalgas, Jaime e António observam e aguardam. jaime e António são os seus nomes civilmente registados, contudo tratam‑se e tratam‑nos por James e Antony, hábito adquirido no jardim‑de‑infância, onde todos se entendiam em inglês. Continuaram juntos até ao décimo quarto ano, final da escolaridade obrigatória.
–  Estranho – diz James. – Estamos em 2044, mea‑ dos do século XXI, e ainda sobrevivem manifestações ao estilo dos nossos avós.

( Estranho é ela ler livrinhos adequados para adolescentes desinteressantes de 14 / 15 anos...)


No centro da praça ergueram um palanque, para ele sobem os guias do descontentamento. O primeiro orador incita:
– Lutemos contra a alteração da idade da reforma, dos oitenta e um para os oitenta e quatro anos!
– Concordo – aprova James. – Há que defender os direitos adquiridos.


– Mal. O meu veloz computador, caro James, faz tudo o que faz o teu jornal, menos sujar as mãos. Leio, ouço e vejo. Ali tenho televisão, cinema, música, desporto, polémicas e as informações que eu quiser. Acima de tudo, oferece‑me convívio.
– Convívio, disseste?
– Convívio, sim, fiz uma roda de amigos e falamos muito. Não ignoras como as técnicas evoluíram desde os tímidos Twitter e Facebook. é a própria imagem dos amigos que nos entra em casa pelo ecrã, vemo‑nos, gesticulamos, conversamos de olhos nos olhos.


Nenhum cometimento alto e nefando
Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Deixa intentado a humana gèração.
Mísera sorte! Estranha condição!"

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