Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...
quarta-feira, 20 de abril de 2016
Mobilidade: oscilações e experiências...
Se eu um dia pudesse adquirir um rasgo tão grande de expressão, que concentrasse toda a arte em mim, escreveria uma apoteose do sono. Não sei de prazer maior, em toda a minha vida, que poder dormir. O apagamento integral da vida e da alma, o afastamento completo de tudo quanto é seres e gente, a noite sem memória nem ilusão, o não ter passado nem futuro (...)
A minha vida, tragédia caída sob a pateada dos anjos e de que só o primeiro acto se representou. Amigos, nenhum. Só uns conhecidos que julgam que simpatizam comigo e teriam talvez pena se um comboio me passasse por cima e o enterro fosse em dia de chuva. O prémio natural do meu afastamento da vida foi a incapacidade, que criei nos outros, de sentirem comigo. Em torno a mim há uma auréola de frieza, um halo de gelo que repele os outros.
Nem posso conceber que me estimem por compaixão, porque, embora fisicamente desajeitado e inaceitável, não tenho aquele grau de amarfanhamento orgânico com que entre na órbita da compaixão alheia, nem mesmo aquela simpatia que a atrai quando ela não seja patentemente merecida; e para o que em mim merece piedade, não a pode haver, porque nunca há piedade para os aleijados do espírito. De modo que caí naquele centro de gravidade do desdém alheio, em que não me inclino para a simpatia de ninguém.
Toda a minha vida tem sido querer adaptar-me a isto sem lhe sentir demasiadamente a crueza e a abjecção.
É preciso certa coragem intelectual para um indivíduo reconhecer destemidamente que não passa de um farrapo humano, abono sobre-vivente, louco ainda fora das fronteiras da internabilidade; mas é preciso ainda mais coragem de espírito para, reconhecido isso, criar uma adaptação perfeita ao seu destino, aceitar sem revolta, sem resignação, sem gesto algum, ou esboço de gesto, a maldição orgânica que a Natureza lhe impôs. Querer que não sofra com isso, é querer de mais, porque não cabe no humano o aceitar o mal, vendo-o bem, e chamar-lhe bem; e, aceitando-o como mal, não é possível não sofrer com ele.Conceber-me de fora foi a minha desgraça — a desgraça para a minha felicidade.
Vi-me como os outros me vêem, e passei a desprezar-me não tanto porque reconhecesse em mim uma tal ordem de qualidades que eu por elas merecesse desprezo, mas porque passei a ver-me como os outros me vêem e a sentir um desprezo qualquer que eles por mim sentem. Sofri a humilhação de me conhecer.Compreendi que era impossível a alguém amar-me, a não ser que lhe faltasse de todo o senso estético — e então eu o desprezaria por isso; e que mesmo simpatizar comigo não podia passar de um capricho da indiferença alheia.
Viver uma vida desapaixonada e culta, ao relento das ideias, lendo, sonhando, e pensando em escrever, uma vida suficientemente lenta para estar sempre à beira do tédio, bastante meditada para se nunca encontrar nele. Viver essa vida afastado das emoções e dos pensamentos, só no pensamento das emoções e na emoção dos pensamentos. Estagnar ao sol, douradamente, como um lago obscuro rodeado de flores. Ter, na sombra, aquela fidalguia da individualidade que consiste em não insistir para nada com a vida. Ser no volteio dos mundos como uma poeira de flores, que um vento incógnito ergue pelo ar da tarde, e o torpor do anoitecer deixa baixar no lugar de acaso, indistinta entre coisas maiores. Ser isto com um conhecimento seguro, nem alegre nem triste, reconhecido ao sol do seu brilho e às estrelas do seu afastamento. Não ser mais, não ter mais, não querer mais...
Para um amigo tenho sempre um relógio esquecido em qualquer fundo de algibeira. Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
... O sofrimento é um momento muito longo. Não o podemos dividir por estações. Apenas podemos notar os seus modos e registar a sua volta. Para nós o próprio tempo não avança. Revolve. Parece circular em torno de um só centro de dor. A imobilidade paralisante de uma vida da qual cada circunstância está regulada segundo um molde imutável, de modo que comemos e bebemos e deitamo‑nos e rezamos segundo as leis inflexíveis de uma fórmula de ferro: este carácter de imobilidade que faz cada horroroso dia no seu mínimo detalhe como todo outro dia, parece transmitir‑se àquelas forças exteriores a essência de cuja existência é mudar incessantemente.
<Como todo o indivíduo de grande mobilidade mental tenho um amor orgânico e fatal à fixação. Abomino a vida nova e o lugar desconhecido. Esta afirmação de bernardo soares , como diria antero, é a minha "radiografia espiritual". Com a evolução da imagiologia, será,talvez, a ressonância magnética do meu temperamento...Mais um problema resolvido, mesmo sem confirmação científica, a mobilidade mental origina,inevitavelmente, imobilismo existencial...Gosto, de qualquer modo, de verdades acientíficas...
Understand what we dont know this might pass this might last this may go easy come and easy go easy left me a long time ago
E eu o complexo, eu o numeroso,
Eu a saturnália de todas as possibilidades,
Eu o quebrar do dique de todas as personalizações,
Eu o excessivo, eu o sucessivo, eu o (...)
Salve, ó novas coisas, a acontecer-me quando eu morrer,
Nova mobilidade do universo a despontar no meu horizonte (...)
Os meus estados de alma, de sucessivos, tornar-se-ão simultâneos,
Toda a minha individualidade se amarrotará num só ponto,
E quando, prestes a partir,
Tudo quanto vivo, e o que viverei para além do mundo,
Será fundido num só conjunto homogéneo e incandescente
E com um tal aumentar do ruído dos motores
Que se torna um ruído já não férreo, mas apenas abstracto,
Irei num silvo de sonho de velocidade pelo Incógnito fora
Deixando prados, paisagens, vilas dos dois lados
E cada vez mais no confim, nos longes do cognoscível,
Sulco de movimento no estaleiro das coisas,
Nova espécie de eternidade dinâmica ondeando através da eternidade estática —
s-s-s-ss-sss
z-z-z-z-z-z automóvel divino
O que particularmente me indignava contra mim, nestes momentos de dúvida dolorosa, em que eu sabia de muito antes que a solução seria nenhuma, era a intromissão do factor social no jogo desequilibrado das minhas decisões... Lembro-me ainda, com uma precisão em que intercala o perfume vago do ar da Primavera, da tarde em que, meditando todas estas coisas, decidi abdicar do amor como de um problema insolúvel. Era em Maio — num Maio de verão suave, florido pelas pequenas extensões da quinta em várias cores esbatidas pela queda lenta da tarde começada. Eu passeava remorsos de mim entre os meus poucos arvoredos. Havia jantado cedo, e seguia, sozinho como um símbolo, sob as sombras inúteis e o sussurro lento das ramagens vagas. Tomou-me de repente um desejo de abdicação intensa, de claustro firme e último, uma repugnância de ter tido tantos desejos, tantas esperanças, com tanta facilidade externa de os realizar, e tanta impossibilidade íntima de o poder querer...
Esta inconstância de mim próprio em vibração É que me há de transpor às zonas intermédias, E seguirei entre cristais de inquietação, A retinir, a ondular... Soltas as rédeas, Meus sonhos, leões de fogo e pasmo domados a tirar A torre d'ouro que era o carro da minh'Alma, Transviarão pelo deserto, moribundos de Luar - E eu só me lembrarei num baloiçar de palma... Nos oásis, depois, hão de se abismar gumes, A atmosfera há de ser outra, noutros planos: As rãs hão de coaxar-me em roucos tons humanos Vomitando a minha carne que comeram entre estrumes..Há sempre um grande Arco ao fundo dos meus olhos... A cada passo a minha alma é outra cruz, E o meu coração gira: é uma roda de cores... Não sei aonde vou, nem vejo o que persigo... Já não é o meu rastro o rastro d'oiro que ainda sigo... Resvalo em pontes de gelatina e de bolores... Hoje, a luz para mim é sempre meia-luz... (Subo por mim acima como por uma escada de corda, E a minha ânsia é um trapézio escangalhado...).
Damn my situation and the games I have to play With all the things caught in my mind Damn my education I can't find the words to say About the things caught in my mind...
Con cada vez que te veo nueva admiración me das, y cuando te miro más, aun más mirarte deseo... ¿Qué os admira? ¿Qué os espanta, si fue mi maestro un sueño, y estoy temiendo, en mis ansias, que he de despertar y hallarme otra vez en mi cerrada prisión? Y cuando no sea, el soñarlo sólo basta; pues así llegué a saber que toda la dicha humana, en fin, pasa como sueño, y quiero hoy aprovecharla el tiempo que me durare, pidiendo de nuestras faltas perdón, pues de pechos nobles es tan propio el perdonarlas.
No homem normal, os motivos da acção são normais e as maneiras de executar são normais também. O homem normal é vulgar nos seus motivos e acção e banal na maneira de os executar. No homem anormal, mas não louco, ou os motivos são anormais e a execução é normal, ou os motivos são normais e a execução é anormal. No homem normal há uma adaptação entre o motivo e a execução; no anormal há uma desadaptação; no louco há uma adaptação falsa. No homem normal, os motivos da acção são normais e os processos normais também; há uma adaptação de uns a outros. No homem anormal mas não louco, os motivos são anormais e os processos correspondentemente anormais; há a mesma adaptação entre uns e outros. No louco esta adaptação cessa; e, quer os motivos sejam normais ou anormais, e os processos normais ou anormais, ou temos um motivo normal com um processo anormal, ou temos um motivo anormal com um processo normal, ou temos um motivo anormal com um processo anormal, também, mas não ajustado a esse motivo.
Ciclos de emoção, ohohohohohoh, alternam com ciclos de nada, zezezezezeze - estranha dança, num redemoinho de sentimentos contraditórios: sim, não, sim, não, talvez, sim, não, talvez…
( ...os humanos são universalmente conhecidos como os únicos animais capazes de mentir, sendo certo que se às vezes o fazem por medo, e às vezes por interesse, também às vezes o fazem porque perceberam a tempo que essa era a única maneira ao seu alcance de defenderem a verdade.)
Ouço até à exaustão, Manic depression is touching my soul I know what I want but I just don't know How to, go about gettin' it Feeling sweet feeling, Drops from my fingers, fingers Manic depression is catchin' my soul Woman so weary, the sweet cause in
vain You make love, you break love It's all the same When it's, when it's over, mama Music, sweet music I wish I could caress, caress, caress Manic depression is a frustrating mess...
O cansaço de tanta sensação dispersa trazia-lhe uma depressão; e a depressão trazia-lhe os sentimentos depressivos - e entre eles, no limite do cansaço, o da piedade mole e chorosa pelos outros...
I hear words, in my head Each and every thing she ever said Every sign, every line Tricked me into falling one more time If you need me, you're here If you don't, you're nowhere near I should have quit a long time ago I hear words, in my sleep Promises you made but never keep Even in my dreams I try to fight but I don't ever win...
Devia ser possível carregar numa tecla e deixar de pensar. Só um breve espaço de tempo. Às vezes o emaranhado de ideias, emoções, sei lá, de coisas que circulam dentro da minha cabeça, recordam-me algo que sempre detestei: pistas de carrinhos de choques. Nem sei se nesta era tecnológica tal passatempo primitivo ainda se mantém... Como os anormais dos meus colegas adoravam aquele divertimento: elas gritavam histéricas, num rodopio incessante, e eles, muito seguros da sua superioridade de machos dominadores, embatiam furiosamente contra as carripanas delas. A separação de sexos era nítida. Podíam ir em conjunto, mas até o casal mais convicto se separava para uma corridinha: elas num carro; eles noutro. Não sei porquê, mas era assim. Nunca participei nem entendi o alcance de tal passatempo... Como elas me censuravam: " Também não achas graça a nada" , eu retorquia: "Vocês, pelo contrário, acham graça a tudo". Prometia-me sempre : "Para o ano não venho". No entanto, chegada a época do Espírito Santo, lá ia eu sem nunca ter percebido bem porquê.Vislumbro uma pista de carros de choques... Tal como no passado, sofro, mas, masoquisticamente, apesar de não participar na corrida, observo...Observo o divertimento dos outros: vejo-os rir, entusiasmaram-se, gostarem-se, enquanto eu me sinto numa festa sem ser convidada. Estou a mais, acho que estive sempre a mais...As luzes ofuscam-me, provocando- me alucinações.
Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Marco, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto. No jardim que entrevejo pelas janelas caladas do meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto, e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora.
Que Sera Sera
Whatever will be will be
The future's not ours to see
Que Sera Sera
What will be will be
Que Sera Sera
Já não me importo Até com o que amo ou creio amar. Sou um navio que chegou a um porto E cujo movimento é ali estar.Nada me resta Do que quis ou achei.(...) E só me não cansa O que a brisa me traz De súbita mudança No que nada me faz.
A única maneira de teres sensações novas é construires-te uma alma nova. Baldado esforço o teu se queres sentir outras coisas sem sentires de outra maneira, e sentires-te de outra maneira sem mudares de alma. Porque as coisas são como nós as sentimos — há quanto tempo sabes tu isto sem o saberes? — e o único modo de haver coisas novas, de sentir coisas novas é haver novidade no senti-las.Mudar de alma. Como? Descobre-o tu. Desde que nascemos até que morremos mudamos de alma lentamente, como do corpo. Arranja meio de tornar rápida essa mudança, como com certas doenças, ou certas convalescenças, rapidamente o corpo se nos muda.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades
... O sofrimento é um momento muito longo. Não o podemos dividir por estações. Apenas podemos notar os seus modos e registar a sua volta. Para nós o próprio tempo não avança. Revolve. Parece circular em torno de um só centro de dor. A imobilidade paralisante de uma vida da qual cada circunstância está regulada segundo um molde imutável, de modo que comemos e bebemos e deitamo‑nos e rezamos segundo as leis inflexíveis de uma fórmula de ferro: este carácter de imobilidade que faz cada horroroso dia no seu mínimo detalhe como todo outro dia, parece transmitir‑se àquelas forças exteriores a essência de cuja existência é mudar incessantemente.
Can't know what's high till you've been down so low The future's bright, lit up with no where to go to and fro the pendulum throws We are here and then we go my shadow left me long ago Understand what we dont know this might pass this might last this may go easy come and easy go easy left me a long time ago I'm in the fire but I'm still cold nothing works works for me anymore ahh ahh ahh ahh to and fro the pendulum throw...
Nesta grande oscilação
Entre crer e mal descrer
Transtorna-se o coração
Cheio de nada saber;
Odi et amo. Quare id faciam, fortasse requiris? Nescio, sed fieri sentio et excrucior.
Vou explicar-lhe a maneira de composição das figuras que componho em mim. Deve entender-se esta explicação como o desdobramento analítico de um fenómeno mais ou menos inconsciente. Fora impossível compor essas personalidades por um impulso determinado da razão. Sou, psiquiatricamente considerado, o que se chama um histero-neurasténico...Como, naturalmente, sabe, a histeria dá, tipicamente, uma oscilação extraordinária da sensibilidade, uma capacidade intensa de sensação e sentimento rápidos, profundos enquanto duram, porém incapazes de se prolongar, implica também a tendência para o devaneio e para a irrealização...
Na minh’Alma há um balouço Que está sempre a balouçar - Balouço à beira dum poço, Bem difícil de montar... - E um menino de bibe Sobre ele sempre a brincar... Se a a corda se parte um dia, (E já vai estando esgarçada), Era uma vez a folia: Morre a criança afogada... - Cá por mim não mudo a corda, Seria grande estopada... Se o indez morre, deixá-lo... Mais vale morrer de bibe Que de casaca... Deixá-lo Balouçar-se enquanto vive... - Mudar a corda era fácil... Tal ideia nunca tive...
Cada vez que o meu propósito se ergueu, por influência de meus sonhos, acima do nível quotidiano da minha vida, e um momento me senti alto, como a criança num balouço, cada vez dessas tive que descer como ela ao jardim municipal, e conhecer a minha derrota sem bandeiras levadas para a guerra nem espada que houvesse força para desembainhar.
Scratched in stone For anyone to read Everything belongs And then it leaves... You know we think too much Until we think no more
A confusão a fraude os erros cometidos A transparência perdida — o grito Que não conseguiu atravessar o opaco O limiar e o linear perdidos Deverá tudo passar a ser passado Como projecto falhado e abandonado Como papel que se atira ao cesto Como abismo fracasso não esperança Ou poderemos enfrentar e superar Recomeçar a partir da página em branco Como escrita de poema obstinado?
Everything that I've tried to forget (Everything that you've come to expect) Everything that I live to regret (Everything that you've come to expect) Everything that you've come to expect
O que particularmente me indignava contra mim, nestes momentos de dúvida dolorosa, em que eu sabia de muito antes que a solução seria nenhuma, era a intromissão do factor social no jogo desequilibrado das minhas decisões... Lembro-me ainda, com uma precisão em que intercala o perfume vago do ar da Primavera, da tarde em que, meditando todas estas coisas, decidi abdicar do amor como de um problema insolúvel. Era em Maio — num Maio de verão suave, florido pelas pequenas extensões da quinta em várias cores esbatidas pela queda lenta da tarde começada. Eu passeava remorsos de mim entre os meus poucos arvoredos. Havia jantado cedo, e seguia, sozinho como um símbolo, sob as sombras inúteis e o sussurro lento das ramagens vagas. Tomou-me de repente um desejo de abdicação intensa, de claustro firme e último, uma repugnância de ter tido tantos desejos, tantas esperanças, com tanta facilidade externa de os realizar, e tanta impossibilidade íntima de o poder querer...
Should I stay or should I go now? If I go there will be trouble An' if I stay it will be double So come on and let me know! This indecision's bugging me...
Se tudo o que há é mentira,
É mentira tudo o que há.
De nada nada se tira,
A nada nada se dá.
Hino à mentira pelo fingidor bernardo soares, num momento de sossego: Visto que talvez nem tudo seja falso, que nada, ó meu amor, nos cure do prazer quase-espasmo de mentir. Requinte último! Perversão máxima! A mentira absurda tem todo o encanto do perverso com o último e maior encanto de ser inocente. A perversão de propósito inocente — quem excederá, ó (...) o requinte máximo disto? A perversão que nem aspira a dar-nos gozo, que nem tem a fúria de nos causar dor, que cai para o chão entre o prazer e a dor, inútil e absurda como um brinquedo mal feito com que um adulto quisesse divertir-se! E quando a mentira começar a dar-nos prazer, falemos a verdade para lhe mentirmos. E quando nos causar angústia, paremos, para que o sofrimento nos não signifique nem perversamente prazer... Não conheces... o prazer de comprar coisas que não são precisas? Sabes o sabor aos caminhos que, se os tomássemos esquecidos, era por erro que os tomaríamos? Que acto humano tem uma cor tão bela como os actos espúrios — (...) que mentem à sua própria natureza e desmentem o que lhes é a intenção? A sublimidade de desperdiçar uma vida que podia ser útil, de nunca executar uma obra que por força seria bela, de abandonar a meio caminho a estrada certa da vitória! Ah, meu amor, a glória das obras que se perderam e nunca se acharão, dos tratados que são títulos apenas hoje, das bibliotecas que arderam, das estátuas que foram partidas.
Qualquer caminho leva a toda a parte. Qualquer ponto é o centro do infinito.E por isso, qualquer que seja a arte De ir ou ficar, do nosso corpo ou espírito, Tudo é estático e morto. Só a ilusão Tem passado e futuro, e nela erramos. Não ha estrada senão na sensação É só através de nós que caminhamos. Tenhamos pra nós mesmos a verdade De aceitar a ilusão como real Sem dar crédito à sua realidade. E, eternos viajantes, sem ideal Salvo nunca parar, dentro de nós, Consigamos a viagem sempre nada Outros eternamente, e sempre sós; Nossa própria viagem é viajante e estrada.
Durante a Idade Média, o divino tudo explicou nada explicando de racionalmente aceitável. A divisão maniqueísta entre deus e o diabo, a dicotomia dogmática entre o bem e mal, que bloqueou mentes e consciências, teve como reação o pensamento renascentista e um ideal de totalidade. Vivemos numa idade média, apenas com outro deus e outro diabo...
Quedar-nos-emos indiferentes à verdade ou mentira de todas as religiões, de todas as filosofias, de todas as hipóteses inutilmente verificáveis a que chamamos ciências. Tão-pouco nos preocupará o destino da chamada humanidade, ou o que sofra ou não sofra em seu conjunto. Caridade, sim, para com o «próximo» como no Evangelho se diz, e não com o homem, de que nele se não fala. E todos, até certo ponto assim somos: que nos pesa, ao, melhor de nós, um massacre na China? Mais nos dói, ao que de nós mais imagine, a bofetada injusta que vimos dar na rua a uma criança.
Dei por mim a pensar no fim do mundo como mera hipótese... Se, de facto, o fim do mundo ( ou o fim da nossa passagem neste mundo) fosse previamente anunciado, como reagiria? Muito mais importante do que a miha reação individual, como reagiria o mundo? Se fosse um saramago, escreveria um romance sobre este tema. Assim, sem talento e sem escritor, resta-me pensar e escrevinhar algo sobre isso... Hoje parece ser um dia propício a tentativas. Que mais tentarei??
Sempre me tem preocupado, naquelas horas ocasionais de desprendimento em que tomamos consciência de nós mesmos como indivíduos que somos outros para os outros, a imaginação da figura que farei fisicamente, e até moralmente, para aqueles que me contemplam e me falam, ou todos os dias ou por acaso. Estamos todos habituados a considerar-nos como primordialmente realidades mentais, e aos outros como directamente realidades físicas; vagamente nos consideramos como gente física, para efeitos nos olhos dos outros; vagamente consideramos os outros como realidades mentais, mas só no amor ou no conflito tomamos verdadeira consciência de que os outros têm sobretudo alma, como nós para nós...
Se é verdade que os únicos paraísos são aqueles que se perderam, sei como hei-de chamar a esta qualquer coisa de terno e de inumano que hoje reside em mim. Um emigrante regressa à sua pátria. E eu recordo. Ironia rigidez, tudo se cala e aqui estou repatriado. Não quero ruminar a felicidade. É bem mais simples e é bem mais fácil. Porque destas horas que, do fundo do olvido, torno a trazer até mim, se conservou sobretudo a recordação intacta de uma pura emoção, de um instante suspenso na eternidade. Só isso é verdadeiro em mim e sei-o sempre demasiado tarde. Gostamos da curvatura de um gesto, da oportunidade de uma árvore na paisagem. E para recriar todo este amor não temos senão um pormenor, mas que basta: o cheiro de um quarto fechado por demasiado tempo, o som singular de um passo na estrada. Assim é quanto a mim.
A absurda simplicidade do mundo...
You should know Time's tide will smother you And I will too When you laugh about people who feel so Very lonely Their only desire is to die Well I'm afraid It doesn't make me smile I wish I could laugh But that joke isn't funny anymore It's too close to home...
Esta espécie de loucura
Que é pouco chamar talento
E que brilha em mim, na escura
Confusão do pensamento,
Não me traz felicidade;
Porque, enfim, sempre haverá
Sol ou sombra na cidade.
Mas em mim não sei o que há.
Bóiam leves desatentos,
Meus pensamentos de mágoa,
Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.
A experiência da interiorização da saudade é simultaneamente individual e universal: o homem percepciona o mundo como uma eterna recordação, concebendo a realidade como evocadora de uma outra realidade mais real do que aquela. Em certa medida, o Saudosismo é uma forma de Platonismo inerente ao universo sensitivo dos portugueses...Sempre o sentiu, também, com uma relação - que intui ,mas tem dificuldade em verbalizar- com a temática camusiana do Estrangeiro e da Queda...Na passagem do Ser ao ser, processa-se uma queda, uma rutura, que origina um pathos existencial inevitável. Da natureza saudosa do indivíduo, resulta a sua condição de ser agónico: dor de privação, dor de saudade, consciência da finitude, angústia da imperfeição e da insuficiência ôntica.Há, talvez, a saudade de uma "primeira vez" primordial que a realidade corrompeu...Estas ideias surgem-lhe confusas, não as consegue formular de modo lógico: julga que está a ser capaz, tudo se lhe afigura perfeito, mas ,no momento de as materializar em palavras, nada faz sentido. Refugia-se , por isso, em fantasias estiolantes e nas palavras dos outros. Perante a impossifilidade de ser, finge que é; perante a incapacidade de escrever, lê; perante a sua confusão mental,limita-se a usufruir a lucidez alheia.
O meu mundo imaginário foi sempre o único mundo verdadeiro para mim. Nunca tive amores tão reais, tão cheios de verve de sangue e de vida como os que tive com figuras que eu próprio criei. Que pena! Tenho saudades deles, porque, como os outros, passam...
Há crimes de paixão e crimes de lógica. Com uma certa dose de comodidade,distingue-os o Código Penal,pela premeditação.Vivemos no tempo da premeditação e do crime perfeito. Os nossos criminosos já não...invocam o amor como desculpa. Hoje, ...o seu álibi irrefutável é a filosofia que pode servir para tudo, até para transformar os assassinos em juízes.
Estas palavras, talvez as principais responsáveis pelo facto de ter abandonado o mundo do direito, em termos afetivos e profissionais, estão bem presentes na sua memória. No entanto, sempre que as vê surgir, ali, disponíveis, só para si, ao reabrir, mais uma vez, o que considera ser o livro sagrado de camus, experimenta uma emoção tão infantil que, instintivamente, acaricia a página... A abertura de O Homem Revoltado desencadeia-lhe uma terna saudade do seu eu que, pela primeira vez, se fascinou com a simplicidade daquela lucidez...
Eis-me aqui! O que há para mim senão vacuidade... Quisera Do pensamento e sentimento dessas Almas ser testemunha subjectiva. De que está cheia aquela vacuidade, E em que pensam, se não pensam nunca.
Apenas, vaga
Não uma esperança, mas uma saudade
Do tempo em que a esperança, como vaga,
Dava na praia da minha ansiedade,
Me toma e um surdo marulhar meu ser alaga
De vacuidade.
Quanto mais contemplo o espectáculo do mundo, e o fluxo e refluxo da mutação das coisas, mais profundamente me compenetro da ficção ingénita de tudo, do prestígio falso da pompa de todas as realidades. E nesta contemplação, que a todos, que reflectem, uma ou outra vez terá sucedido, a marcha multicolor dos costumes e das modas, o caminho complexo dos progressos e das civilizações, a confusão grandiosa dos impérios e das culturas — tudo isso me aparece como um mito e uma ficção, sonhado entre sombras e esquecimentos. Mas não sei se a definição suprema de todos esses propósitos mortos, até quando conseguidos, deva estar na abdicação extática do Buda, que, ao compreender a vacuidade das coisas, se ergueu do seu êxtase dizendo «Já sei tudo», ou na indiferença demasiado experiente do imperador Severo: «omnia fui, nihil expedit — fui tudo, nada vale a pena».
Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos. Não concorda com o pressuposto de bernardo soares: Amamos, tão-somente, a ideia que outro alguém faz de nós; aceita, todavia, a conclusão "em suma, é a nós mesmos - que amamos."
Para além da curva da estrada Talvez haja um poço, e talvez um castelo, E talvez apenas a continuação da estrada. Não sei nem pergunto. Enquanto vou na estrada antes da curva Só olho para a estrada antes da curva, Porque não posso ver senão a estrada antes da curva. De nada me serviria estar olhando para outro lado E para aquilo que não vejo. Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos. Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer. Se há alguém para além da curva da estrada, Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada. Essa é que é a estrada para eles. Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos. Por ora só sabemos que lá não estamos. Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva Há a estrada sem curva nenhuma.
É sempre a mesma coisa: sou personagem na história de outro...
Call it magic Call it true ...And I just got broken Broken into two still I call it magic When I'm next to you
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