A literatura é naturalmente perversa... O moralismo é a antítese da Literatura. A Literatura começa precisamente quando recusamos ser moralistas e instintivamente somos perversos. Quem escreve não pode olhar para onde toda a gente está a olhar, mas para o outro lado... O instinto de maldade é, de resto, condição de sobrevivência da espécie humana...Disse Gonçalo M Tavares
Perversidade é um mito inventado por gente boa para explicar o que os outros têm de curiosamente atrativo.Disse Oscar wilde...
I'm not crazy. I may look weird, but I'm just like you I'm just a regular guy.
Não me macem, por amor de Deus!
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
Visto que talvez nem tudo seja falso, que nada, ó meu amor, nos cure do prazer quase-espasmo de mentir. Requinte último! Perversão máxima! A mentira absurda tem todo o encanto do perverso com o último e maior encanto de ser inocente. A perversão de propósito inocente — quem excederá, ó (...) o requinte máximo disto? A perversão que nem aspira a dar-nos gozo, que nem tem a fúria de nos causar dor, que cai para o chão entre o prazer e a dor, inútil e absurda como um brinquedo mal feito com que um adulto quisesse divertir-se! E quando a mentira começar a dar-nos prazer, falemos a verdade para lhe mentirmos.
Tudo quanto de sério ou de importante se faz, faz-se em segredo; e, se as associações secretas são más por serem secretas, todos quantos decidem qualquer coisa sem ser em público, ou com plena publicidade ulterior, estão em igual estado de perversidade.
O primeiro poema, Antinous, representa o conceito grego do mundo sexual. Como todos os conceitos primitivos, é substancialmente perverso; como todos os conceitos inocentes, a emoção manifestada é propositadamente não-primitiva; a fim de permitir que surja como conceito inocente, desenvolve-se o conceito até se tornar uma metafísica, mas, como se trata de inocência, a metafísica acrescenta-se a, sem se inserir dentro da substância do tema principal.
O segundo poema, Epithalamium, representa o conceito romano do mundo sexual. É brutal, como todas as emoções coloniais, animalesco, como todas as coisas naturais, quando são secundárias, como eram para homens tais como os romanos, que eram animais a dirigirem um estado. Neste poema não há nenhuma metafísica. Neste poema não poderia haver perversidade. O cenário, como no poema Antinous, não se relaciona com o tema. Um vulgar casamento cristão fornece o cenário; contra este pouco imaginativo cenário negro faz-se destacar o instinto romano como um monstro nu nascido do mundo.
O terceiro poema, Oração ao Corpo de uma Mulher, representa o conceito cristão do mundo sexual. Não tem nada a ver com o conceito cristão do mundo em si, pois, na verdade, o cristão normal não tem nada a ver com ele. A confusão do sensual e do espiritual, que os místicos cristãos aplicam aos santos do sexo oposto, (…)
Referindo-me, uma vez, ao conceito directo das coisas, que caracteriza a sensibilidade de Caeiro, citei-lhe, com perversidade amiga, que Wordsworth designa um insensível pela expressão: "A primrose by the river's brim A yellow primrose was to him And it was nothing more." E traduzi (omitindo a tradução exacta de «primrose», pois não sei nomes de flores nem de plantas): «Uma flor à margem do rio para ele era uma flor amarela, e não era mais nada».O meu mestre Caeiro riu. «Esse simples via bem: uma flor amarela não é realmente senão uma flor amarela».Mas, de repente, pensou.«Há uma diferença», acrescentou. «Depende se se considera a flor amarela como uma das várias flores amarelas, ou como aquela flor amarela só».E depois disse: «O que esse seu poeta inglês queria dizer é que para o tal homem essa flor amarela era uma experiência vulgar, ou coisa conhecida. Ora isso é que não está bem. Toda a coisa que vemos, devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos. E então cada flor amarela é uma nova flor amarela, ainda que seja o que se chama a mesma de ontem. A gente não é já o mesmo nem a flor a mesma. O próprio amarelo não pode ser já o mesmo. É pena a gente não ter exactamente os olhos para saber isso, porque então éramos todos felizes».
Dar o domínio sobre outra pessoa é uma coisa pesada; exercer domínio sobre outra pessoa é uma coisa errada; dar o domínio de si mesmo a outra pessoa é uma coisa perversa.
É impossível percorrer um qualquer jornal, seja de que dia for, ou de que mês, ou de que ano, sem aí encontrar, em cada linha, os sinais da perversidade humana mais espantosa, ao mesmo tempo que as presunções mais surpreendentes de probidade, de bondade, de caridade, a as afirmações mais descaradas, relativas ao progresso e à civilização.(...) Não compreendo que uma mão pura possa tocar num jornal sem uma convulsão de asco.
O que se passa comigo?
Não sou indiferente às repetições, suporto melhor o tédio que certas aventuras desnecessárias. Não estou, pois, obcecado por novidades. Porém não suporto que, em mim, a não surpresa já não me surpreenda. Sou, de uma forma geral, magnífico. E...apesar de culto... Sei estrelar ovos e fazer um arroz vago. E tenho uma força que, quando corretamente aplicada, se transforma em simpatia. Sei sorrir para duas pessoas ao mesmo tempo, e tal facto não é descoordenação da face, mas técnica, aprendizagem, boas famílias e esforço. EU dividiria (o guarda-chuva) consigo, como a mãe divide o pão com o próprio filho. Porque até os meus músculos mais ferozes têm tendência para o sentimento.
Há qualquer coisa de belo no contentamento, na ausência de dor, nestes dias suportáveis e submissos, em que nem a dor nem o prazer ousam gritar...passado pouco tempo... Arde então em mim uma ânsia incontrolável por sentimentos fortes ,por sensações,uma fúria contra esta vida tão destituída de cor,tão rasteira, tão normalizada e esterilizada,uma delirante vontade de ...
You're standing next to me My mind holds the key Set my spirit free Set my spirit free Set my body free
Is anything as strange as a normal person? Is anyone as cruel as a normal person? I'm so confused. Am I a normal person? You know, I can't tell if I'm a normal person...
Uma palavra que durante décadas não seja utilizada na rua ou nos livros e permaneça apenas no dicionário tem um destino à vista: ser palavra¬ defunta. O dicionário pode ser visto, assim, como uma antecâmara da morte. Como se algumas palavras estivessem ali paradinhas, quietas, mudas (no sentido literal e metafórico) porque não falam, ninguém fala por elas e ninguém as fala – como se estivessem, então, ali em fila, à espera do seu próprio velório. Ou podemos então mudar radicalmente de ponto de vista: o dicionário, com os seus milhares e milhares de palavras, pode ser entendido como um depósito contra o esquecimento, um enorme arquivo. Eis, pois, um outro nome possível para o dicionário: instrumento para evitar o esquecimento. Imaginemos, por absurdo, que os dicionários desapareciam. Que uma qualquer ordem política determinava a sua destruição. Pois bem, seria uma matança. Em poucas décadas, morreriam palavras como tordos. E se, no limite, não existisse qualquer livro, e ficássemos apenas […] com a linguagem das conversas rápidas, então o vocabulário ficaria reduzido ao mais essencial e mínimo: sim, não, comida, bebida, etc. Poderíamos assim, com a linguagem, expressar as necessidades do organismo mas certamente não as do espírito. Abrir o dicionário, pois, como ato de resistência e salvação: não vou ficar só com as palavras que ouço ou leio nos livros comuns – eis o que se poderia dizer. Abrimos ao acaso na página 310, e depois na página 315, sempre com a firme determinação de salvar duas ou três palavras de cada página. Como aquele que salva quem se está a afogar. E não é por acaso, aliás, que muitas das mitologias remetem o esquecimento para a imagem do rio. Uma água onde as coisas se afundam, deixam de ser vistas à superfície, desaparecem da vista. A passagem do rio utilizada também como metáfora do tempo que passa e leva e afunda as coisas que ainda há momentos estavam à nossa frente, bem vivas. Salvar palavras da água que engole e faz esquecer as coisas, eis o que é, em parte, abrir um dicionário.
Se dentre as mulheres da terra eu vier um dia a colher (uma) esposa, que a tua prece por mim seja esta — que, de qualquer modo, ela seja estéril. Mas pede também, se por mim rezares, que eu não venha nunca a tirar para mim essa esposa suposta.
Só a esterilidade é nobre e digna. Só matar o que nunca foi é alto e perverso e absurdo.
This bad begins, and worse remains behind...
HAMLET
Exorciza o demónio ou deita-o fora
Com um poder espantoso. Mais uma vez boa noite.
E quando desejares uma bênção,
Eu te pedirei a bênção. Quanto a este senhor, (aponta Polónio)
Arrependo-me. Mas o céu quis assim,
Para me castigar com isto e o castigar por mim,
Que eu fosse seu açoite e seu verdugo.
Encarrego-me dele e terei de responder duramente
Pela morte que lhe dei. E, mais uma vez, boa noite.
Tenho de ser cruel para ser bom.
Eis que o mal começa, o pior está por vir.
Como começa o mal?
Não tenho um “plano” para o conjunto da minha obra. Sempre que termino um romance, não sei sequer se haverá algum outro, nem quando. Costumo escrever quando algo me inquieta ou me interessa o bastante, na minha própria vida, para me ocupar disso de forma romanceada. A esta altura, é normal que haja alguns temas ou assuntos que me importam, e que frequentemente reaparecem nos diferentes romances - espero que não como uma mera repetição, mas como aprofundamentos dessas questões. É evidente que existem pontos em comum entre Assim Começa o Mal e Os Enamoramentos, mas também entre aquele e Coração Tão Branco ou Seu Rosto Amanhã. Em todos eles, aparecem temas como a impossibilidade de saber com certeza o que quer que seja, ou a possível conveniência de não saber algo; ou o engano e a traição e o segredo. Vou escrevendo o que me vem à mente e, se um dia eu me repetir excessivamente, os leitores, cansados, avisar-me-ão. Se se cansarem dos meus romances, saberei que não devo fazer mais isso.
Aquela história não aconteceu há muito - menos do que costuma durar uma vida, e uma vida é tão pouco depois de terminada, quando já pode ser contada em algumas frases e deixa apenas na memória cinzas que se soltam ao menos solavanco e esvoaçam com a mais leve brisa - e, no entanto, hoje seria impossível.
As sensações são instáveis, transformam-se em lembranças, variam e bailam, podem prevalecer sobre aquilo que se disse e ouviu, sobre o repúdio ou a aceitação. Às vezes as sensações fazem desistir, às vezes dão ânimo para tentar de novo.
E fiz isso, não me recordar dela nem de mim, na medida do possível, ou seja, à superfície: no fundo fica-nos sempre a nostalgia da vida que desperdiçámos, e nos maus momentos refugiamo-nos nela como num sonho ou numa fantasmagoria.
(...) ao longo de uma vida, quem sabe o que vai ser, ninguém deve abster-se por conjecturas ou previsões que ultrapassam a nossa compreensão, temos apenas o dia de hoje e jamais o de amanhã, por muito que por vezes nos entreguemos às suposições.
O passado tem um futuro com o qual nunca contamos.
E há então um momento em que não sei qual dos dois ...fica a pensar:" Não, nada de beijos."Olhamos um para o outro sem nada dizermos, e quem sabe se aquilo que estamos a dizer um ao outro é algo em que estamos de acordo: "E, não, nada de palavras "
Eis que o mal começa, o pior está por vir.
Lo peor de todo...
O pior de tudo. O que é o pior de tudo?
Crónica de una generación, la de los 80, ésta es la historia de un adolescente que vive, es decir, que sobrevive. Una chica, el rock, dos o tres amigos, la familia, el trabajo. La primera novela escrita por Ray Loriga sorprende por la desnudez absoluta de su prosa. Un lenguaje de apariencia simple con el que se construye un retrato social. Ésta es una novela acerca del desaliento, acerca de todo lo que uno tiene que hacer aunque no quiera, y de lo raras que son algunas cosas. Un libro sencillo y directo.
Ahora ya sé lo que uno siente cuando lee a Ray Loriga. Lo peor de todo es un viaje hacia dentro. Con sinceridad. Hacia el alma. Contundente. Su potencia existencialista, su furia amotinada y su melancolía catártica conectan durante la lectura con nuestro ritmo cardíaco. Loriga pone de relieve los problemas que se plantean en la conciencia de los hombres de hoy. Escribe con el hastío de Kierkegard y el ojo fílmico de Sam Peckinpah, sin miedo a mostrar su cosmovisión sombría y cruel de la existencia humana. Permitiendo que supure el asesino que existe dentro de él. Afrontándolo.Ignacio Barriendo Soro
Lo peor de todo no son las horas perdidas, ni el tiempo por detrás y por delante, lo peor son essos espantosos crucifijos hechos con pinzas para la ropa. Primero se recorta un cartón en forma de cruz y después se van pegando las pinzas encima. Hay que sacar el muelle y separar las dos tablitas y pegarlas luego con mucho cuidado, una para arriba y una para abajo.
Los niños no tiene nada de mágico la mayoría de las veces, son la misma mierda en dimensiones reducidas.
De todas formas, creo que lo que uno se inventa es más real que lo que a uno le pasa. Al fin y al cabo, lo que a uno le pasa no deja de ser un accidente.
O pior de tudo é que não estou a gostar e não vou, para já, acabar de ler...
Tudo quanto tenho feito, pensado, sido, é uma soma de subordinações, ou a um ente falso que julguei meu, por que agi dele para fora, ou de um peso de circunstâncias que supus ser o ar que respirava. Sou, neste momento de ver, um solitário súbito, que se reconhece desterrado onde se encontrou sempre cidadão. No mais íntimo do que pensei não fui eu. Vem-me, então, um terror sarcástico da vida, um desalento que passa os limites da minha individualidade consciente. Sei que fui erro e descaminho, que nunca vivi, que existi somente porque enchi tempo com consciência e pensamento. E a minha sensação de mim é a de quem acorda depois de um sono cheio de sonhos reais, ou a de quem é liberto, por um terramoto, da luz pouca do cárcere a que se habituara.
Estética do Desalento - Já que não podemos extrair beleza da vida, busquemos ao menos extrair beleza de não poder extrair beleza da vida. Façamos da nossa falência uma vitória, uma coisa positiva e erguida, com colunas, majestade e aquiescência espiritual. Se a vida [não] nos deu mais do que uma cela de reclusão, façamos por ornamentá-la, ainda que mais não seja, com as sombras de nossos sonhos, desenhos e cores mistas esculpindo o nosso esquecimento sob a parada exterioridade dos muros. Como todo o sonhador, senti sempre que o meu mister era criar. Como nunca soube fazer um esforço ou activar uma intenção, criar coincidiu-me sempre com sonhar, querer ou desejar, e fazer gestos com sonhar os gestos que desejaria poder fazer.
Horas pálios submersos, meras roupas de pompa morta aparecidas moles entre águas, como algas levadas por acasos de corrente, lentas entre esquecimentos. Entardece nas minhas ilusões. Vela-se bruma o horizonte dos meus desalentos. Entre ventos débeis, brisas doentes, sente-se o ar incoerente ser gente.
Há momentos em que tudo cansa, até o que nos repousaria. O que nos cansa porque nos cansa; o que nos repousaria porque a ideia de o obter nos cansa. Há abatimentos da alma abaixo de toda a angústia e de toda a dor; creio que os não conhecem senão os que se furtam às angústias e às dores humanas, e têm diplomacia consigo mesmos para se esquivar ao próprio tédio. Reduzindo-se, assim, a seres couraçados contra o mundo, não admira que, em certa altura da sua consciência de si-mesmos, lhes pese de repente o vulto inteiro da couraça, e a vida lhes seja uma angústia às avessas, uma dor perdida. Estou em um desses momentos, e escrevo estas linhas como quem quer ao menos saber que vive. Todo o dia, até agora, trabalhei como um sonolento, fazendo contas por processos de sonho, escrevendo ao longo do meu torpor. Todo o dia me senti pesar a vida sobre os olhos e contra as têmporas — sono nos olhos, pressão para fora nas têmporas, consciência de tudo isto no estômago, náusea e desalento. Viver parece-me um erro metafísico da matéria, um descuido da inacção. Nem olho o dia, para ver o que ele tem que me distraia de mim, e, escrevendo-o eu aqui em descrição, tape com palavras a chícara vazia do meu não me querer. Nem olho o dia, e ignoro com as costas dobradas se é sol ou falta de sol o que está lá fora na rua subjectivamente triste, na rua deserta onde está passando o som de gente. Ignoro tudo e dói-me o peito. Parei de trabalhar e não quero mexer-me daqui. Estou olhando para o mata-borrão branco sujo, que alastra, pregado aos cantos, por sobre a grande idade da secretária inclinada. Fito atentamente os rabiscos de absorção e distracção que estão borrados nele. Várias vezes a minha assinatura às avessas e ao invés. Alguns números aqui e ali, assim mesmo. Uns desenhos de nada, feitos pela minha desatenção. Olho a tudo isto como um aldeão de mata-borrões, com uma atenção de quem olha novidades, com todo o cérebro inerte por detrás dos centros cerebrais que promovem a visão. Tenho mais sono íntimo do que cabe em mim. E não quero nada, não prefiro nada, não há nada a que fugir.
Nenhum problema, mas nenhum no mundo, é mais torturante do que o do talento artístico e do seu efeito no homem.
Então veio, com o martírio e altivez do conhecimento, a solidão, pois não aguentava ficar no meio dos inocentes de espírito alegre e obscuro a quem a sua marca na testa perturbava. Mas mais e mais adocicou-lhe o prazer na palavra e na forma, pois costumava dizer ...que o conhecimento da alma por si só, nos tornaria melancólicos, se não fosse a satisfação das formas de expressão que nos mantém vivos e despertos...
O talento para o estilo, a forma e a expressão, pressupõe precisamente esta fria e seletiva atitude para o humano(...)Pois o sentimento saudável e forte, e isto é que é certo, não tem gosto nenhum. Um artista está acabado se se torna humano e começa a sentir.
A literatura não é ofício nenhum , mas sim uma maldição(...) Você começa por se sentir marcada, numa contradição inexplicável com os outros, com os seres normais e ordeiros, o abismo da ironia , dúvida, apreensão,oposição, sentimento que a separa dos outros, fende-se mais e mais, você está só e a partir daí não há mais entendimento possível...Um artista de verdade , não é um desses cuja profissão burguesa é a arte, mas sim um predestinado um amaldiçoado.
Tinha um livro sobre os joelhos , mas não lia uma única linha. Saboreava um profundo esquecimento, uma suspensão redentora sobre o espaço e tempo e só por vezes se sentia como se o seu coração fosse atravessado por uma dor, um curto e agudo sentimento de saudade ou arrependimento; mas estava demasiado indolente e ensimesmado para se interrogar sobre o nome ou origem de tal sensação.
Não troce deste amor Lisaveta; ele é bom fecundo.É feito de nostalgia, de uma inveja melancólica, de um bocadinho de desprezo, de uma felicidade muito casta.
Nada disto é importante,mas ninguém imita melhor do que eu uma bela vida.
Tu nada sabes do essencial pecado
E uma inocência (...) vem luzir
Como uma luz de azeite em descampado
No teu gesto ensinado a conseguir.
Porque a análise é a vera perversão...
O único vício é rebuscar a alma,
Dor a dor, sensação a sensação...
Tu, a exterior, que mal tens na alma oca?
Nada... Ai de nós de quem a vida é calma.
E quem é que fica dentro ... (Abre a tua boca!)
Oh, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias
E cujas filhas aos oito anos — e eu acho isto belo e amo-o! —
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosamente gente humana que vive como os cães
Que está abaixo de todos os sistemas morais,(...)
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!
Lenz Buchmann, que nascera já com os genes dominados pela lucidez, aprendera depois, pela medicina, a reservar uma certa distância em relação ao sofrimento do outro, distância essa que poderia, por outras pessoas, ser classificada por incapacidade de empatia ou mesmo de perversidade; ou podia simplesmente ser entendida enquanto puro profissionalismo.
Moral que nem sequer tem um par, um elemento que a acompanhe. Quem iria contestar a «vida imoral» de um pedinte ou de um louco? Aqueles homens tinham já em si, pela sua diferença, uma carga de imoralidade universal e profunda, que os tornava imunes às pequenas imoralidades praticadas. Um louco, tal como um pedinte, não era imoral. Eram indivíduos sem cópia, semelhantes a um rei; alguém que não tem par, que não tem aquele que está ao seu lado. E por isso não há para esses homens escorraçados, como não há para o homem mais poderoso, qualquer critério de comparação. Buchmann olhava com admiração para aqueles homens que traziam no bolso um sistema jurídico único, com o seu nome no fim. De certa maneira, era isso que Buchmann desejava; ser portador de um sistema legal cujas leis só fossem aplicadas a si; ser portador de uma moral que não é a do mundo civilizado nem a do mundo primitivo; que não é a moral da cidade ou sequer a moral da sua família mas a moral que tem o seu nome, apenas o seu, escrito por cima.
A mulher de Lenz não era uma mulher que meditasse sobre o que fazer além do dia seguinte. Era uma mulher estranha, que parecia aceitar tudo com uma passividade que misturava uma certa perversão que por vezes chegava a enojar o próprio Lenz. Ela somava tudo, um acontecimento seguia-se a outro, e ela aceitava - não havia reflexão.
Claro está que a técnica e a medicina, de que ele era um fiel representante, permitiam o prolongamento das paixões, ; o que para Lenz apenas significava que o ser humano agora podia odiar até mais tarde.
O que loucos e vagabundos tinham como grande qualidade era precisamente o facto de agirem parecendo estarem sós no mundo.(...) Não eram amados, não amavam, não eram odiados: o terreno estava livre para poderem ser livres.
E os homens livres excitavam Lenz Buchmann. Eram, por isso também, os espectadores ideais.
Mas naquele momento o importante era isto: só com aquele tipo de espectadores, desviados,ele, Lenz Buchmann, conseguia ser absolutamente imoral. Um indivíduo único, sem cópia.
E agora ele foi; deixou-se ir. E eu chorei: a morte de Lenz Buchmann entristeceu-me quase tanto como ter chegado, mais uma vez , ao fim deste capítulo do nosso reino...
Visto que talvez nem tudo seja falso, que nada, ó meu amor, nos cure do prazer quase-espasmo de mentir.Requinte último! Perversão máxima! A mentira absurda tem todo o encanto do perverso com o último e maior encanto de ser inocente. A perversão de propósito inocente — quem excederá, ó (...) o requinte máximo disto? A perversão que nem aspira a dar-nos gozo, que nem tem a fúria de nos causar dor, que cai para o chão entre o prazer e a dor, inútil e absurda como um brinquedo mal feito com que um adulto quisesse divertir-se! E quando a mentira começar a dar-nos prazer, falemos a verdade para lhe mentirmos. E quando nos causar angústia, paremos, para que o sofrimento nos não signifique nem perversamente prazer...Não conheces, ó Deliciosa, o prazer de comprar coisas que não são precisas? Sabes o sabor aos caminhos que, se os tomássemos esquecidos, era por erro que os tomaríamos? Que acto humano tem uma cor tão bela como os actos espúrios — (...) que mentem à sua própria natureza e desmentem o que lhes é a intenção?A sublimidade de desperdiçar uma vida que podia ser útil, de nunca executar uma obra que por força seria bela, de abandonar a meio caminho a estrada certa da vitória! Ah, meu amor, a glória das obras que se perderam e nunca se acharão, dos tratados que são títulos apenas hoje, das bibliotecas que arderam, das estátuas que foram partidas. Que santificados do Absurdo os artistas que queimaram uma obra muito bela, daqueles que, podendo fazer uma obra bela, de propósito a fizeram imperfeita, daqueles poetas máximos do Silêncio que, reconhecendo que poderiam fazer obra de todo perfeita, preferiram ousá-la de nunca a fazer. (Se fora imperfeita, vá.) (...) E eu que digo isto — por que escrevo eu este livro? Porque o reconheço imperfeito. Calado seria a perfeição; escrito, imperfeiçoa-se; por isso o escrevo. E, sobretudo, porque defendo a inutilidade, o absurdo (...), — eu escrevo este livro para mentir a mim próprio, para trair a minha própria teoria. E a suprema glória disto tudo, meu amor, é pensar que talvez isto não seja verdade, nem eu o creia verdadeiro.
Uma torva e peçonhenta maldade — maldade excessiva mesmo para o coração, tão de ofício viperino, de um editor — levou os srs. Lello & Irmão, não sei porque azar póstumo de Shakespeare, a escolher para vítima prolongada aquela, a maior de todas as almas que se têm enganado de mundo. Decidiram fazer passar a Shakespeare tratos de tradutor. E como encontrassem vis e criminosos precedentes, em ambos os lugares onde há más fadas, para que, sem ousadia de originalidade, n'eles alicerçassem o seu grande crime, escolheram para mestre de obras a figura, d'oravante laivada de perversão, do dr. Domingos Ramos. E passaram a insultar os descendentes dos navegadores com incutir-lhes a ideia de que é possível traduzir o verso e a prosa eternos de Shakespeare para uma prosa portuguesa excessivamente transitória. Apenas folheei, e nem uma linha li, das traduções que o sr. dr. Domingos Ramos terá imortalmente que expiar. Porque não é com a competência de tradutor-de-inglês do sr. dr. Ramos que eu implico e esbarro. É com a sua competência para traduzir Shakespeare, visto que lhe cai em cima e o reduz a prosa. Shakespeare só se deve ousar traduzir — o verso para verso, e a prosa para prosa, e que verso e que prosa têm de ser! Mas vá que o não sejam: o tradutor terá falhado n'uma boa causa. Agora propor-se pôr em mera prosa a prosa e o verso de Shakespeare, como se se estivesse traduzindo de uma tradução inglesa de Shakespeare para Rudyard Kipling — isso é que não pode ser — isso é que pede reclamação diplomática; justo ultimatum, intervenção estrangeira...
Apelo, indignado e crítico, para quantos em Portugal conheçam Shakespeare. Bem sei que não são mais que quatro ou cinco. Mas as grandes convicções valem exércitos. Com dois homens se fez o regicídio.
Uma noite, só, sentado num quarto vazio, subitamente compreendi. Nunca mais deixei de ser inteligente. Você com certeza supõe que sou uma pessoa ferida, extorquida, amarga. Perdi as belas - isso- as belas e afortunadas oportunidades. Oportunidades? Tudo são oportunidades em tamanha ignorância. Ninguém as perde, impossível. Não perdi nada. Sou apenas lúcido.Digo: só, desprovido , crítico, bastante. O mal é bastar-se. Não preciso de ninguém. Nem sequer dos pequenos mitos de mim próprio.
Sou como um copo vazio...
Pego no copo vazio que enche o tempo e invento que há luz. Não vês o copo vazio por onde fujo sem ver? Quem quer sai!
Quem quer sai! Lá fora a dor é maior e ninguém quer sair... Fico no copo vazio onde me lanço, danço em paz. Sou como um copo vazio, ando num resto apagado, sou como um rasto quebrado, um rato, um corpo, fechado, parou! Quem quer sai! Quem quer sai! Lá fora a dor é real e ninguém quer sair...Lá fora a dor é maior e ninguém quer cair...Só quem quer.
- Um pouco mais de brandy, se faz favor. Ou mesmo cerveja, embora eu preferisse brandy. Vinho , não. Bem vê: a tradição mítica - paganismo, catolicismo. ...Bebida de padres e panteístas. Perfeito, se substituir brandy por gim ou vodka...
Sim, deite mais brandy. Sou um bêbado claro. Que esperava? Que fosse um apóstolo, um assassino, um político , um anjo? Não, sou apenas um bêbado.
Mais brandy! Deseja poupar-me à embriaguês? Não se compadeça do meu fígado, nem da minha alma. Alma imortal? O fígado, esse, é bem mortal, estamos de acordo. Quanto à alma, considere, é uma alma - e o álcool, naturalmente, não possui efeitos sobre as qualidades intrínsecas ( cá está uma expressão sua) de uma alma. O meu modo de reconhecer a bebedeira.Comoção? O chão a aluir dentro de mim? O súbito terror da carne? Fala-me agora da morte como se fosse uma coisa concreta. É uma ideia simples a morte.
Tire a mão de cima da minha.Desejo estar completamente bêbado. Pare de falar nas pessoas. Que são as pessoas? São eu? Soa mal? A expressão está conforme à gramática? São eu. Curioso. Estilisticamente ... Claro, já me encontro bastante bêbado para poder dormir. Exactamente: dormir.
Ninguém alguma vez escreveu, pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno.O inferno é a realidade real...Se um homem misturar absinto com a realidade obtém uma realidade melhor -mas também é certo que o absinto fica pior: nunca misturei o absinto com a realidade para não piorar a qualidade do absinto...
Se misturar gin à realidade, ela será mais suportável, mas estragará a qualidade do gin,o que é um sacrilégio...
Haverá sempre a hipótese que o senhor henry não considerou: tornar o gin uma realidade... Se assim for, sempre se passa a considerar a realidade boa. Está deliberado:o gin é uma good, good realidade...
O álcool elimina as ilusões. Depois de alguns golos de conhaque, já não penso em ti.
Após o primeiro copo, é como uma bebida comum, depois começa -se a ver coisas monstruosas e cruéis, e , após essa fase finalmente veem-se as coisas como elas realmente são, e isso é a pior coisa do mundo.
A fama da " fada verde" surgiu graças às histórias sobre alucinações, relatadas por Wilde e Baudelaire. Mesmo que inventadas e romanceadas, o facto é que o absinto implica uma relação tão intensa que foi descrita por Wilde como “algo tão poético quanto qualquer outra coisa no mundo.”
Está comprovado que o absinto não é um alucinógeno... Confirmo, bebi em paris, num bar em Montmartre, emocionada pelo meu encontro espiritual com baudelaire e wilde, e o resultado foi só, no dia seguintre, uma manhã a vomitar e um dor de cabeça insuportável...














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