Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

segunda-feira, 27 de março de 2017

Arte, literatura e teatro...


A arte suprema tem por fim libertar — erguer a alma acima de tudo quanto é estreito, acima dos instintos, das preocupações morais ou imorais. A arte nada tem com a moral, quanto ao fim; tem, quanto ao conteúdo. Toda a arte deve dar prazer — o tipo de prazer é que varia. A arte inferior dá prazer porque distrai, liberdade porque liberta das preocupações da vida; a arte superior menor dá prazer porque alegra, liberdade porque liberta da imperfeição da vida; a arte superior dá prazer porque liberta, liberdade porque liberta da própria vida. Um assunto sexual deve ser tratado em arte de modo que não suscite desejo. Para suscitar desejos, serve melhor uma fotografia pornográfica.


Arte é espírito, e o espírito não precisa ,em absoluto, de se sentir obrigado a servir a sociedade,a colectividade.A meu ver, não tem direito a fazê-lo, devido à sua liberdade e à sua nobreza. Uma arte que " se mete com o povo", fazendo suas as necessidades das massas, do zé-povinho, dos ignorantões, cai na miséria.Prescrever-lhe isso como dever,admitindo-se, talvez,por razões políticas,unicamente uma arte que a gentinha possa compreeender, é mesmo o cúmulo da grosseria e equivale a assassinar o espírito. Este- eis a mnha firme convicção - pode compreender os mais audaciosos, os mais incontidos avanços, as tentativas e pesquisas menos acessíveis às multidões, e todavia ter a certeza de servir, de um modo elvado, indirectamente o homem, e à la longue até os homens.
Obviamente, por índole, Adrian devia ter a mesma opinião. Mas agradava-lhe renegá-la, e provavelmente eu enganava-me redondamente ao interpretar as suas palavras como negação da soberba. Era antes um esforço de se mostrar afável, proveniente da suprema altivez.


A aristocracia tem por norma a arte; a classe média tem por norma a vida social; o povo tem por norma a religião. Pela palavra religião entende-se a crença numa coisa absolutamente indemonstrável - e em geral impossível - que se crê ser a essência e o fim principal da vida. São religiões não só as religiões assim chamadas, mas também as doutrinas radicais todas, e as crenças sinceras na igualdade humana, na justiça, na fraternidade, e em outros mitos igualmente vazios de realidade e de realização. Para que sejam religiões é preciso, porém, acreditar que são realizáveis. Desde que um homem use desses mitos para ganhar a vida, ou para intrujar o povo - como fazem grande numero de chefes operários - deixa de ser da plebe, e passa a ser da classe superior. Faz muito bem.

Artes de aperfeiçoamento
Tornar o útil agradável, eis a base de artes de aperfeiçoar; porque tornar o útil agradável é aperfeiçoar o útil, tornando-o mais útil, fazendo-o servir em si o seu fim directo, que constitui a sua utilidade, plus [?] outro fim, indirecto, que é o de tornar essa utilidade duplamente útil. A escala é da mais directa agradabilização do útil para a menos directa; da arquitectura, portanto, através da escultura para a pintura.
Artes de influenciar.
São essencialmente as artes de civilização. O seu fim é transmitir civilização, passar de umas gerações para outras o resultado do trabalho psíquico de cada uma. As artes de influenciar são portanto: a) representativas de resultados civilizacionais, e não de tipos psíquicos (...) . O ideal do artista influenciador é alto na proporção em que ele tem consciência do seu mister, na proporção em que tem consciência do seu papel de influenciador de gerações futuras, e da sua missão de quem deve deixar perenemente aumentado o património espiritual da humanidade. Os poetas antigos tinham esta consciência; a decadência dela entre os modernos, substituída pela ânsia da popularidade imediata, apanágio finalista das artes inferiores, é um dos mais fortes sintomas da nossa degradação moral (espiritual) .
Uma obra sobrevive em razão de 1) sua construção, porque, sendo a construção o sumo resultado da vontade e da inteligência, apoia-se nas duas faculdades cujos princípios são de todas as épocas, que sentem e querem da mesma maneira, embora sintam de diferentes modos; 2) a sua profundeza psicológica; 3) carácter abstracto e geral da emoção que emprega. A obra sóbria de emoção tende mais a sobreviver porque a emoção moderada é característica de todas as épocas, porque os de emoção moderada a apreciam naturalmente; e os de emoção irregular têm a sua média na emoção moderada. De mais a mais, as emoções excessivas variam de época para época; são, portanto, o que há de passageiro em cada uma. As emoções moderadas caracterizam todas; isto é, todas as aceitam, embora algumas, por o que têm de transitório, prefiram que se exagere. A excessiva compaixão pela humanidade, por ex., caracteriza o romantismo. Fora do romantismo, essa emoção não existe. Mas a compaixão nobre pelas dores humanas é um sentimento humano de todas as épocas.


1. A base de toda a arte é a sensação. 2. Para passar de mera emoção sem sentido à emoção artística, ou susceptível de se tornar artística, essa sensação tem de ser intelectualizada. Uma sensação intelectualizada segue dois processos sucessivos: é primeiro a consciência dessa sensação, e esse facto de haver consciência de uma sensação transforma-a já numa sensação de ordem diferente; é, depois, uma consciência dessa consciência, isto é: depois de uma sensação ser concebida como tal — o que dá a emoção artística — essa sensação passa a ser concebida como intelectualizada, o que dá o poder de ela ser expressa.

1.Toda a arte é a sobreposição às Coisas da nossa interpretação ou ideia delas. 2.A arte real é encontrar o ponto exacto de contacto entre as coisas e a nossa interpretação delas. Podemos ver uma árvore quadrada, ou azul... 3.Precisamos determinar quais as formas exteriores que os nossos sentimentos revestem, para, pintando ou descrevendo em palavras, podermos compor um estado de espírito uno às coisas. Assim, se assentarmos em que a Esperança é verde, teremos que pintar uma paisagem que olhemos em momento de esperança acrescentando verde às cores dessa paisagem... As coisas brancas serão verdes... As coisas verdes exactamente verdes, as coisas encarnadas verde mais encarnado, as coisas azuis, verde mais azul... Assim com a forma uma sensação quadrada não só impõe à tela real uma forma quadrada, mas impõe que cada coisa tenha uma forma que seja quadrada mais a sua forma habitual, isto é, com respeito a uma árvore, por exemplo, se ela é assim [...] fazê-la assim [...] de modo a caber cada num quadrado.

A literatura, que é a arte casada com o pensamento, e a realização sem a mácula da realidade, parece-me ser o fim para que deveria tender todo o esforço humano, se fosse verdadeiramente humano, e não uma superfluidade do animal. Creio que dizer uma coisa é conservar-lhe a virtude e tirar-lhe o terror. Os campos são mais verdes no dizer-se do que no seu verdor. As flores, se forem descritas com frases que as definam no ar da imaginação, terão cores de uma permanência que a vida celular não permite. Mover-se é viver, dizer-se é sobreviver. Não há nada de real na vida que o não seja porque se descreveu bem. Os críticos da casa pequena soem apontar que tal poema, longamente ritmado, não quer, afinal, dizer senão que o dia está bom. Mas dizer que o dia está bom é difícil, e o dia bom, ele mesmo, passa. Temos pois que conservar o dia bom em uma memória florida e prolixa, e assim constelar de novas flores ou de novos astros os campos ou os céus da exterioridade vazia e passageira. Tudo é o que somos, e tudo será, para os que nos seguirem na diversidade do tempo, conforme nós intensamente o houvermos imaginado, isto é, o houvermos, com a imaginação metida no corpo, verdadeiramente sido. Não creio que a história seja mais, em seu grande panorama desbotado, que um decurso de interpretações, um consenso confuso de testemunhos distraídos. O romancista é todos nós, e narramos quando vemos, porque ver é complexo como tudo.
Tenho neste momento tantos pensamentos fundamentais, tantas coisas verdadeiramente metafísicas que dizer, que me canso de repente, e decido não escrever mais, não pensar mais, mas deixar que a febre de dizer me dê sono, e eu faça festas com os olhos fechados, como a um gato, a tudo quanto poderia ter dito.


A arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos. Enquanto sentimos os males e as injúrias de Hamlet, príncipe da Dinamarca, não sentimos os nossos — vis porque são nossos e vis porque são vis. O amor, o sono, as drogas e intoxicantes, são formas elementares da arte, ou, antes, de produzir o mesmo efeito que ela. Mas amor, sono, e drogas tem cada um a sua desilusão. O amor farta ou desilude. Do sono desperta-se, e, quando se dormiu, não se viveu. As drogas pagam-se com a ruína de aquele mesmo físico que serviram de estimular. Mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio. Da arte não há despertar, porque nela não dormimos, embora sonhássemos. Na arte não há tributo ou multa que paguemos por ter gozado dela. O prazer que ela nos oferece, como em certo modo não é nosso, não temos nós que pagá-lo ou que arrepender-nos dele. Por arte entende-se tudo que nos delicia sem que seja nosso — o rasto da passagem, o sorriso dado a outrem, o poente, o poema, o universo objectivo. Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência.

A arte consiste na organização ideal da matéria.(...) A escultura e a poesia, a idealização humana do espaço e a idealização humana da palavra, são pois as duas únicas artes grandes. A distinção pode provar-se com o uso de termos filosóficos. Na prosa o ritmo existe; na poesia o ritmo é.

Dia mundial do livro, Dia mundial do teatro :dias que já não significam nada. Nada significa nada. Progressivamente, a existência vai-se tornando uma série interminável de insignificâncias...

Vou comprar muitos livros...
Ler muitos livros e ser muito feliz.
Basta comprar e ler muitos livros
Para ser feliz, muito feliz...

O que será ser feliz?

Os livros podem também ser um ponto de encontro, um elo indestrutível entre duas pessoas... A leitura deixa de ser um ato solitário: aproxima os que leem e ,irremediavelmente, afasta todos os outros. Só se pensa no outro eu que, nesse momento, percorre os mesmos grafemas, sentindo o mesmo prazer ou idêntico desagrado. Corre-se um risco: o possível romance que se idealiza viver passar a ser mais importante do que aquele que se lê...
Talvez este tema venha a ser um capítulo do silêncio da matemática... Pensando melhor, esta não história tão minha, apesar de ter sido nossa, será manuscrita no livro em branco, com palavras que ainda não foram inventadas....

…este livro suave. É quanto resta e restará duma das almas mais subtis no raciocínio, mais debochadas no puro sonho que têm visto este mundo. Nunca - eu o creio - houve criatura por fora humana que mais complexamente vivesse a sua consciência de si-próprio. Dandy no espírito, passeou a arte de sonhar através do acaso de existir. Este livro é a biografia de alguém que nunca teve vida.De V[icente] G[uedes] não se sabe nem quem era, nem o que fazia, nem (…) Este livro não é dele: é ele. Mas lembremo-nos sempre de que, por detrás de tudo quanto aqui está dito na sombra, misterioso (...)Para V[icente] G[uedes] ter consciência de si foi uma arte e uma moral; saber foi uma religião. Ele viveu definitivamente a anestesia interior, aquela atitude de alma que mais se parece com a própria atitude de corpo de um [?] aristocrata completo.

A leitura pacifica: faz esquecer o mundo em que se é uma peça desajustada...O diálogo que se estabelece com os narradores é gratificante.

Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, indubitavelmente, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da vista; o telefone é o prolongamento da voz; seguem-se o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação.
Em «César e Cleópatra» de Shaw, quando se fala da biblioteca de Alexandria, diz-se que ela é a memória da humanidade. O livro é isso e também algo mais: a imaginação. Pois o que é o nosso passado senão uma série de sonhos? Que diferença pode haver entre recordar sonhos e recordar o passado? Tal é a função que o livro realiza. (...) Se lemos um livro antigo, é como se lêssemos todo o tempo que transcorreu até nós desde o dia em que ele foi escrito. Por isso convém manter o culto do livro. O livro pode estar cheio de coisas erradas, podemos não estar de acordo com as opiniões do autor, mas mesmo assim conserva alguma coisa de sagrado, algo de divino, não para ser objecto de respeito supersticioso, mas para que o abordemos com o desejo de encontrar felicidade, de encontrar sabedoria.


Cada grão dessa pedra, cada estilhaço mineral dessa montanha cheia de noite, forma por si só um mundo. A própria luta para atingir os píncaros basta para encher um coração de homem. É preciso imaginar Sísifo feliz.

Dejar de leer es la muerte instantánea. Sería como vivir en un mundo sin oxígeno.

É nos livros que as coisas nos são explicadas; na vida não são. Não me surpreende que algumas pessoas prefiram os livros. Os livros dão um sentido à vida. O único problema é que a vida a que eles dão sentido são as vidas dos outros, nunca é a nossa.
Não me parece: há livros que dão sentido à nossa vida, podemos existir através dos livros. Também podemos existir através das histórias que ficcionamos e deixarmo-nos embalar pelo seu enredo...

O casamento como convenção. O sexo como redenção.

Naturalmente, por negligência, acabou por se desligar de todas as resoluções que havia tomado. Uma vez faltou à visita, no dia seguinte faltou às aulas, e, tomando o gosto pela ociosidade, pouco a pouco acabou por não voltar lá mais.

Antes de casar, Emma julgara sentir amor; mas a felicidade que deveria resultar desse amor não aparecera, pelo que se deveria ter enganado, pensava ela. Procurava agora saber o que se entendia, ao certo, nesta vida, pelas palavras felicidade, paixão e êxtase, que, nos livros, lhe haviam parecido tão belas.

Comprar livros e lê-los são duas coisas completamente diferentes e , por vezes, até opostas. Isto acontece quando a quantidade de livros que se compram supera o tempo que se tem para os ler. Existe, até , um nome para a suposta doença de acumular livros, mesmo sabendo que não vão ser lidos. Quais são as razões pelas quais compramos livros? Uma dessas razões, um tanto inexplicável, é comprar por mero impulso, devido a uma necessidade indescritível de ter o livro em nosso poder. Este impulso pode nascer de um simples estado de espírito.

Eu sou o obscuro e paciente pescador de pérolas, que mergulha nas águas mais profundas e volta com as mãos vazias e o rosto azulado ...Alguma atração fatal me arrasta para os abismos do pensamento, para aqueles recantos mais íntimos que nunca cessam de fascinar o forte. Hei de passar a vida apenas contemplando o oceano da arte, onde outros viajam ou combatem; e, de vez em quando, hei de me entreter mergulhando em busca daquelas conchas verdes e amarelas que ninguém há de querer.

Os seus olhos pareciam-lhe maiores, especialmente quando estava a acordar e abria e fechava as pálpebras muitas vezes de seguida; eram negros quando estava à sombra e azul-escuros à luz do Sol; e pareciam ter camadas de cor sucessivas, que, mais espessas no fundo, se tornavam mais delgadas na superfície, que parecia esmaltada. ...Os seus olhos negros pareciam ainda mais negros ...Fixando-o com os seus grandes olhos negros muito abertos... Os seus olhos nunca tinham sido tão grandes, tão negros, tão profundos...

Estou cansada de ler, por vezes, apetecia-me ser...só ser. Como é só ser? Ser só eu sei...


Meu coração, não batas, pára!
Meu coração, vai-te deitar!
A nossa dor, bem sei, é amara,
A nossa dor, bem sei, é amara...
Meu coração, vamos sonhar...
Ao mundo vim, mas enganado.
Sinto-me farto de viver...

Basta, por Deus! vamos dormir...



Oferecer um livro é, além de uma gentileza, um elogio...Li este livro, ainda "menina e moça"... Foi-me oferecido, como prenda de aniversário, devido ao meu temperamento melancólico... Motivou-me os primeiros versos que escrevi. Tenho saudades da menina que chorou ao lê-los, nostalgia de um tempo em que sabia sentir. Entretanto, conheci fernando pessoa que tornou toda a poesia portuguesa anterior num deserto totalmente inexpressivo... Há seres assim: ocupam demasiado espaço...

A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana, assim como as grandes atitudes imóveis das estátuas me ensinaram a apreciar os gestos. Em contrapartida, e posteriormente, a vida fez-me compreender os livros. Mas estes mentem, mesmo os mais sinceros.(...) Adaptar-me-ia muito mal a um mundo sem livros; mas a realidade não está lá, porque eles a não contêm inteira.

O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que, pela primeira vez, se lança um olhar inteligente sobre si mesmo: as minhas primeiras pátrias foram os livros. Num grau inferior, as escolas. ... A escola de Terêncio Scauro, em Roma, ensinava mediocramente os filósofos e os poetas, mas preparava bastante bem para as vicissitudes da existência humana: os mestres exerciam sobre os discípulos uma tirania que eu teria vergonha de impor aos homens; cada um, encerrado nos estreitos limites do seu saber, desprezava os colegas que, tão estreitamente como eles, sabiam outra coisa. Estes pedantes enrouqueciam em disputas de palavras. As querelas de precedência, as intrigas, as calúnias familiarizaram-me com o que eu devia encontrar depois em todas as sociedades em que vivi...

Amo aqueles livros em que sinto que o seu autor, que pode ter morrido séculos antes de eu ter sido engendrado, se dirigia a mim, a mim pessoal e concretamente, a mim em confidência.

Amava aquela sala coberta de volumes...e a riqueza que é saber-se que o rubi vem da índia(...) e a flor ,conhecida em latim por lilium, se chama em grego krinon e em hebraico susannah. Verificou depois que os livros mentem e divagam, tal como os homens...

Deixem-nos sós, sem livros, e ficaremos perdidos, abandonados, não saberemos a que nos agarrar, o que seguir, que amar, que odiar, que respeitar,que desprezar? Mesmo sermos homens nos pesa - homens com um corpo real, nosso,com sangue; temos vergonha disso, tomamo-lo por uma nódoa e procuramos ser uma espécie de homens globais fantasmásticos.

Intertextualidades possíveis entre os meus autores/ textos favoritos...

Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!




Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afectos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.


essa, sim, é a pior coisa do mundo, o compromisso, liberdade que a nós próprios negámos.

Não é Ricardo Reis quem pensa estes pensamentos nem um daqueles inúmeros que dentro de si moram, é talvez o próprio pensamento que se vai pensando, ou apenas pensando, enquanto ele assiste, surpreendido, ao desenrolar de um fio que o leva por caminhos e corredores ignotos.

a solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz.

sentiu na casa uma presença, talvez não fosse ainda a solidão, era o silêncio, meio-irmão dela

O que nas pessoas estranhas, desviadas por passo próprio ou enxotadas pelos outros, o fascinava era a absoluta liberdade individual com que faziam as suas escolhas.Num louco ou num pedinte que vagueava pelas ruas a pedir pão e sopa e que, de noite, tal qual os outros humanos, só queria dormir, Buchmann via quem poderia escolher em liberdade pura, e sem consequências, a sua moral individual.

O que aqueles loucos e vagabundos tinham como grande qualidade era precisamente o facto de agirem parecendo não terem espectadores, parecendo estarem sós no mundo. E realmente estavam. Não eram amados, não amavam, não eram odiados: o terreno estava livre para poderem ser livres.
E os homens livres excitavam Lenz Buchmann. Eram, por tudo isso também, os espectadores ideais.


Pousadas sobre o colchão as mãos transmitiam-lhe leveza – estava liberto do fardo de ter de agarrar em coisas e os seus dedos, cada um deles, pareciam sentir essa liberdade e, com serenidade completa, esperavam. O resto do corpo não existia. Pelo menos, não o sentia. Desaparecera.

A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade de dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do Destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.(...) Fecho, cansado, as portas das minhas janelas, excluo o mundo e um momento tenho a liberdade. Amanhã voltarei a ser escravo; porém agora, só, sem necessidade de ninguém, receoso apenas que alguma voz ou presença venha interromper-me, tenho a minha pequena liberdade, os meus momentos de excelsis.

Houve aqui há anos um profundo e cavo filósofo de além Reno, que escreveu uma obra sobre a marcha da civilização, do intelecto — o que diríamos, para nos entenderem todos melhor, o Progresso. Descobriu ele que há dois princípios no mundo: o espiritualista, que marcha sem atender à parte material e terrena desta vida, com os olhos fitos em suas grandes e abstratas teorias, hirto, seco, duro, inflexível, e que pode bem personalizar-se, simbolizar-se pelo famoso mito do cavaleiro da mancha, D. Quixote; — o materialista, que, sem fazer caso nem cabedal dessas teorias, em que não crê, e cujas impossíveis aplicações declara todas utopias, pode bem representar-se pela rotunda e anafada presença do nosso amigo velho, Sancho Pança. Mas, como na história do malicioso Cervantes, estes dois princípios tão avessos, tão desencontrados, andam contudo juntos sempre, ora um mais atrás, ora outro mais adiante, empecendo-se muitas vezes, coadjuvando-se poucas, mas progredindo sempre.



Sempre imaginei que o paraíso será uma espécie de biblioteca.


Os melhores livros são os que nos contam aquilo que já sabíamos. (É também por isso que adoro reler...)


É fácil mudar de vida, é fácil mudar de ocupação, é fácil mudar de amor, tudo é mais fácil do que mudar livros de um espaço para outro...Ficam deslocados, tristes, na nova casa. Parece que sentem que alguém não os quis e que, por isso, tiveram de ser realojados... É estranho,mas até nos olham com ar de censura... Um livro conta sempre duas histórias e, ao ser transportado para outro local, para outra gente, passa a contar só uma. Será que os livros também sentem saudades??

Livros são papéis pintados com tinta. Estudar é uma coisa em que está indistinta A distinção entre nada e coisa nenhuma.Se o pensamento corrompe a linguagem, a linguagem também pode corromper o pensamento.

Não gosto de literatos, nem posso suportar as suas mentiras.Falam para não se ouvirem. Se se ouvissem, saberiam que não são nada,e nunca poderiam mais falar.

Emendo-te rasuro-te preencho-te assino-te destino-te comando-te és o lugar concreto onde procuro a noite de passagem o abrigo seguro a hora de acordar que se diz ao porteiro o tempo que não segue o tempo em que não duro senão um dia inteiro. // Invento-te desbravo-te desvendo-te surges letra por letra, película sonora, do sendo à vogal do tema à consoante sem presença no espaço sem diferença na hora. És a rota da Índia o sarcasmo do vento a cãibra do gajeiro o erro do sextante o acaso a maré o mapa a descoberta dum novo continente itinerante.

Há palavras que andam perdidas porque foram completamente olvidadas: poucos as sabem , ninguém as usa... Mesmo os que as conhecem, raramente as aplicam, até por pudor. Pareceria pretensioso, talvez até risível, referir "Tu, a minha insonte ilusão"..

Encontrei em F. de C. e no seu amigo Assis Esperança os pilares da minha relação com a literatura e o jornalismo, e uma via da oposição à Ditadura. Queria conspirar, correr riscos, ser preso, tornar-me herói ou mártir do regime - e vingar os equívocos do passado, insubordinar-me contra a ordem, a censura à imprensa, a guerra colonial, a pobreza, a emigração, o colonialismo. O escritor habitava então uma suite do rés-do-chão do hotel Mira Parque. Os seus livros enchiam as montras das livrarias, os jornais falavam de traduções, da candidatura ao Nobel (com Jorge Amado), tomada a sério por muitos - e por ele nem por isso. Quando precisava de terminar um livro, retirava-se para a Madeira, hospedando-se durante meses num hotel e regressando de lá com uma pasta preta carregada de mistérios literários. Como era surdo, julgavam-no desconfiado e manhoso como a raposa - apesar de humilde e fraterno. Abominava padres e freiras, não tanto pelo que eram, mas por sustentarem o modelo social e político do mundo. Para escrever A Missão, contou-me que fora encontrar-se com uma comunidade religiosa, para ficar a saber como é que os padres se tratavam entre si. Tinha um medo pavoroso da morte, fim absoluto de tudo, matéria sobre matéria, lama sobre a terra. Na sua relação com os pares, eu estranhava o excesso dos elogios a todos, sem exceção. Louvava-os como se recuasse dentro de si, a esconder-se da fama e da vida que os livros lhe davam num país onde ninguém (exceto Namora) vivia dos direitos de autor. Línguas maldosas diziam que os exaltava só para que não dissessem mal dele - o que eu levava na conta de uma infâmia. Aduziam outros que possuía um ego maior que a légua da Póvoa; que, escrevendo mal, fora projetado no exterior por bons tradutores, como Blaise Cendrars, em francês, língua a partir da qual se fizeram traduções para outras línguas.
Recusei-me a crer nessas minudências. Já não era então o meu primeiro ídolo literário... Mas permanecia meu mestre e mentor. Apostava no meu talento e na minha sensibilidade. Esperou o meu primeiro livro até à morte. Dediquei-lho postumamente: uns tristes contos que depressa bani. Vi-o morrer e começarem a esquecê-lo, tão injustamente como agora. Chegara uma revolução, a do 25 de Abril. Descarnados, os seus livros colidiam em silêncio com a nova liberdade literária, proclamada aos gritos, por entre o clamor da festa democrática. Hoje como ontem, tardamos em refazer a justiça a um escritor que nos anunciou o Neorrealismo, que inventou com dignidade e valentia, do lado dos que hoje comem e vivem melhor, mas nunca foram visitá-lo na sua sepultura na serra de Sintra, onde repousa sozinho entre as árvores, sob um banco onde qualquer um de nós pode sentar-se a descansar.


A vida é o pânico num teatro sem chamas.

O teatro é um dos mais expressivos e úteis instrumentos para a edificação de um país e o barómetro que marca a sua grandeza ou a sua decadência (…) Um povo que não ajuda e não fomenta o seu teatro, se não está morto, está moribundo; como o teatro que não recolhe a pulsação social, a pulsação histórica, o drama das suas gentes e a cor genuína da sua paisagem e do seu espírito, com riso ou com lágrimas, não tem o direito de chamar-se teatro, mas sala de jogo ou sítio para essa coisa horrível que se chama matar o tempo.

Não basta que peçamos ao teatro apenas conhecimentos, ou seja: esclarecimentos sobre a realidade. O teatro deve despertar o prazer do conhecimento e organizar o gosto pela modificação da realidade. Os nossos espectadores não devem somente ouvir como o Prometeu agrilhoado é libertado, mas deverão também ser instruídos no prazer de libertá-lo. Todos os prazeres e diversões dos descobridores e exploradores e a sensação de triunfo do libertador devem ser ensinados pelo nosso teatro.

O mundo assim como está não é suportável, por conseguinte, preciso da lua, da felicidade ou da imortalidade, de qualquer coisa que seja loucura, talvez, mas que não pertença a este mundo.Bastaria existir o impossível. O impossível! Procurei-o nos limites do mundo, nos confins de mim mesmo...Não consegui nada. A minha liberdade não é boa.
Como é desgostante ,após ter desgraçado os outros, sentir a mesma cobardia na alma... Se tivesse tido a Lua, se o amor fosse suficiente, tudo estaria modificado...

Que me interessa ter firmeza nas mãos, para que me serve esse poder tão espantoso, se não posso alterar a ordem das coisas,se não posso fazer com que o Sol se ponha a Oriente,e com que decresça o sofrimento,se não posso impedir os seres de morrerem? ...Não podendo agir sobre a ordem do mundo,é indiferente que durma ou continue acordado.

CESÓNIA: Mas isso é querer igualar-se aos deuses. Não há pior loucura.
CALÍGULA: Também tu me julgas louco. E, no entanto, o que é um deus, para que deseje igualar-me a ele? Está para além dos deuses o que hoje desejo, com todas as minhas forças. Tomo de assalto um reino, onde impera o impossível.


É preciso ,ainda, que tentes compreender o que te vou dizer, que sofras as minhas ofensas, que sejas vítima do meu amor.
À história, Calígula, à história! Ainda estou vivo!

Esta leitura é uma experiência perturbadora. A personagem fica dentro de nós, entranha-se, nunca mais a conseguiremos abandonar. É um impacto persistente que nos persegue. Perturba , destrói-nos, porque questiona verdades que se nos afiguravam como definitivas. Seria bem mais fácil se fosse possível enquadrar Calígula no mundo das certezas e das convicções estabelecidas. Como seria cómodo considerá-lo louco, devasso, tirano, transtornado pela perda do amor, psicopata ou psicótico. Explicá-lo e defini-lo como um doente e um anormal... Como seria fácil. Quem é o calígula de camus? Quem é o meu calígula? Quem foi, na realidade, este bizarro imperator que nomeou cônsul o seu cavalo? Quem é gaius iulius caesar augustus germanicus?

É a sua extravagância, o estar destinado a ser diferente, que lhe dá o nome que o tornará eterno: calígula, " o sandaliazinhas". Esta alcunha depreciativa foi posta pelos soldados das legiões comandadas pelo seu pai, que achavam graça em vê-lo vestido de legionário, mas com caligae...

O busto de calígula, existente no museu do louvre, sempre me fascinou. Depois de uma hora ou mais, numa longa fila, para ver a mona lisa, como não havia concorrência nem tempo limite para contemplar este busto, ali fiquei. Depois de ter lido camus, na segunda vez que fui ao louvre, já não confirmei se a mona lisa olhava para mim e fui logo ter com o meu calígula. Como tinha fama de "chanfrada", os meus pais nem estranharam eu estar a tentar perscrutar, naquele ar inocente, os segredos da sua alma complexa. Ali fiquei , certamente com ar apalermado, à espera que ele comunicasse comigo...


Serás quem eu quiser. Farei de ti um ornamento da minha emoção posta onde quero, e como quero, dentro de mim. Contigo não tens nada. Não és ninguém, porque não és consciente; apenas vives.

nhe'#. Em guarani, significa palavra e alma. Que coincidência bonita! Eis uma vontade súbita de aprender guarani....
Teatro é fingir, representar, ressuscitar personagens… Apetece-me voltar a ser m… É libertador dizer, só dizer, palavrar, diretamente para o papel, numa escrita totalmente autotélica, que significa tão somente no universo discursivo de um único ser, mas que, não inocentemente, fornece pistas indeléveis, encriptadas, que podem ser reveladas, como se de um puzzle se tratasse... É aliciante, eu que sou a criadora de significantes e significados, por vezes, passado um tempo, ter dificuldade em decifrar... Sinto-me deus, um deus irrelevante e efémero, mas um deus...

Feel the vibe Feel the terror Feel the pain It's driving me insane I can't fake For God's sake, why am I driving in the wrong lane?Trouble is my middle name But in the end I'm not too bad Can someone tell me if it's wrong to be so mad about you?


Desassossegas, causas medo, assustas, arrepias, mas...fascinas. Será a loucura que desencadeia o fascínio ou é o fascínio que potencia a loucura? Qual é causa? Qual é consequência?
And nobody seems to like him They can tell what he wants to do And he never shows his feelings But the fool on the hill Sees the sun going down And the eyes in his head See the world spinning around...

Round and round and round He never listens to them He knows that they're the fools... I can't get these memories Out of my mind And some kind of madness Is starting to evolve And I, I tried so hard to let you go But some kind of madness Is swallowing me whole, yeah...


Há na verdade esforços e convicções que nunca compreendi...a frivolidade da própria seriedade se me patenteava e eu continuava apenas a representar o meu papel o melhor que podia.

Embora se tente identificar com jean baptiste clamence, nunca conseguirá atingir a perfeição do seu cinismo requintadamente superior. Cá vai representando o seu papel o melhor que pode, mas emperra sempre numa ansiedade afetiva, de querer um qualquer coisa impossível, o que a torna muito mais similar a um excessivo calígula. Ela? Calígula? Limito-se a ser uma insignificante personagem secundária.
Estou saturada de representar um papel: saio, temporariamente, de cena e permaneço nos bastiores, a observar os /as protagonistas...


É porque existe o desejo, o olfacto, e o medo, E os vivos apaixonam-se por outro vivos, e lembram-se, por vezes do enorme número de mortos; e dentro destes há alguns que os fazem desligar a luz e o trabalho, e o quotidiano aí já não basta, porque o coração tem em certos dias um orçamento incomportável. E não basta então a mulher que amamos, nem os filhos - os que nos vão sobreviver no tempo - e é preciso sair, e não basta sair para a rua correr, é preciso sair dos ossos, fugir ao obrigatório, à casa, encontrar dentro dos bolsos o bocado de uma carta um mapa, fragmento que possa reconstruir o caminho para a casa da infância onde Deus era chocolate e o resolvíamos, assim, de uma vez, porque o comíamos. Porque mais tarde crescemos e ganhamos dinheiro, e alguns outros assuntos, mas perdemos qualquer coisa de que é impossível falar. E é por isso tudo, e por quase tudo o que faltou dizer, é por isso que é bom, por vezes suspender a noite e o coração, e obrigar o cérebro à paragem surpreendente. É por isso que é bom, por vezes, ocuparmos o corpo no acto de sentar, e pedir, então, à arte, à literatura, ao teatro, que nos salve, por enquanto, antes de morrermos.
Como gosto deste texto...

Porque o encenador é, na verdade, um coreógrafo de corações, mas também de inteligências. E uma e outra coisa, em certas alturas, são o mesmo.

Porque o teatro deve ser um banquete mortal, Mas deve também, por vezes, ser o banquete imortal. O que não deve é ausentar-se de mexer na vida. Senão reduz-se a fósforo; E os incêndios: apagam-se.

O Bilhete importante: O teatro é (deve ser) o que seja capaz de fazer o espectador pedir:
- Dê-me um bilhete para mudar de vida.
O teatro é, deve ser: 1 bilhete para mudar a vida


O teatro é um dos mais expressivos e úteis instrumentos para a edificação de um país e o barómetro que marca a sua grandeza ou a sua decadência (…) Um povo que não ajuda e não fomenta o seu teatro, se não está morto, está moribundo; como o teatro que não recolhe a pulsação social, a pulsação histórica, o drama das suas gentes e a cor genuína da sua paisagem e do seu espírito, com riso ou com lágrimas, não tem o direito de chamar-se teatro, mas sala de jogo ou sítio para essa coisa horrível que se chama matar o tempo.

Não basta que peçamos ao teatro apenas conhecimentos, ou seja: esclarecimentos sobre a realidade. O teatro deve despertar o prazer do conhecimento e organizar o gosto pela modificação da realidade. Os nossos espectadores não devem somente ouvir como o Prometeu agrilhoado é libertado, mas deverão também ser instruídos no prazer de libertá-lo. Todos os prazeres e diversões dos descobridores e exploradores e a sensação de triunfo do libertador devem ser ensinados pelo nosso teatro.

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