Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Inversões e Instrumentos convenientes...

O todo sem a parte não é todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo.


Entre outros instrumentos de tortura, verdadeiramente medievais, os estudantes de retórica eram massacrados / estimulados com inversões da ordem normal das palavras, numa escala gradativa que as organizava das pouco às muito violentas. Mesmo no tempo em que o conceito de normalidade linguística era um dogma que se aceitava sem discussão, as distinções entre as figuras de retórica era penosa , residindo , quase sempre, em subtilezas de uma minúcia verdadeiramente aliciante...Hoje, uma vez que todos opinam- os doutos e os ignorantes- sobre o que é o português padrão, sobre qual é a norma linguística europeia, estas matérias tornaram-se tão inensináveis que os programas escolares as foram reduzindo e os manuais as deturparam até à caricatura.
O tempora ,o mores, até as figuras de construção perderam a dignidade e o secretismo inacessível, mas rigoroso, que as tornava difíceis, mas encantadores...

Figurae per ordinem: dispositio + elocutio» compositio
Anástrofe- mudança, contrária à consuetudo, de posição de membros da frase que se sucedem. É uma figura de palavra, que corresponde, como figura de pensamento, à histerologia, ordem artificial na sucessão dos acontecimentos.
Hipérbato -- separação de duas palavras que, sintaticamente, estão em íntima relação, por meio da interposição, de um membro de frase, que não pertencia diretamente àquele lugar. É também uma figura de palavra, à qual correspondem, como figura de pensamento, o parêntese e, como metaplasma gramatical, a tmese.
Sínquise - mixtura verborum - caos na sequência vocabular da frase, provocado por meio do emprego repetido da anástrofe e do hipérbato. A finalidade é, por um lado, o jogo com a obscuritas, e o inerente efeito de estranhamento e, por outro, o respeito pela compositio.


As rosas amo dos jardins de Adónis,
Essas vólucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o Sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia ,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.


Não creias, Lídia, que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
Oferecendo a flor
Que adiámos colher.

Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita.

Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa.


Falamos junto à luz. Lá fora a noite
Imóvel brilha sobre o mar parado.
À sombra das palavras o teu rosto
Em mim se inscreve como se durasse.


Não encontro dificuldade em definir-me: sou um temperamento feminino com uma inteligência masculina. A minha sensibilidade e os movimentos que dela procedem, e é nisso que consistem o temperamento e a sua expressão, são de mulher. As minhas faculdades de relação — a inteligência, e a vontade, que é a inteligência do impulso — são de homem.
Quanto à sensibilidade, quando digo que sempre gostei de ser amado, e nunca de amar, tenho dito tudo. Magoava-me sempre o ser obrigado, por um dever de vulgar reciprocidade — uma lealdade do espírito — a corresponder. Agradava-me a passividade. De actividade, só me aprazia o bastante para estimular, para não deixar esquecer-me, a actividade em amar daquele que me amava.
Reconheço sem ilusão a natureza do fenómeno. É uma inversão sexual fruste. Pára no espírito. Sempre, porém, nos momentos de meditação sobre mim, me inquietou, não tive nunca a certeza, nem a tenho ainda, de que essa disposição do temperamento não pudesse um dia descer-me ao corpo. Não digo que praticasse então a sexualidade correspondente a esse impulso; mas bastava o desejo para me humilhar. Somos vários desta espécie, pela história abaixo — pela história artística sobretudo.



O génio, o crime e a loucura provêm, por igual, de uma anormalidade, representam, de diferentes maneiras, uma inadaptação ao meio. Se repousam, porém, sobre um igual fundo degenerativo, se o génio constitui, de por si, uma espécie nosográfica — são coisas que não sabemos. Manifestação especial de epilepsia larvada, como precipitadamente quis Lombroso, ou manifestação de uma diatese degenerativa, o certo é que o génio é, de sua natureza, uma anormalidade.
Sucede que a imaginação simplista das multidões não destrinça de instinto entre o que na personalidade do homem superior constitui, ou representa, superioridade, e o que nela resulta de concomitante, ou intercorrente, anormalidade psíquica, patentemente tal. No fundo, esta intuição espontânea é justa. Na personalidade tudo se liga? se interrelaciona. Não podemos “separar”, salvo por um processo analítico conscientemente truncador da realidade, na personalidade de Goethe, por exemplo, a modalidade específica da sua ideação literária e a tendência alucinativa que, como se sabe, obriga a autoscopia externa; nem podemos separar na personalidade de Shakespeare a intuição dramática de, por ex., a inversão sexual.(...) As biografias dos grandes homens realizam hoje, no sentido inverso, o que entre os homens da Renascença realizou a leitura de Plutarco.


Cover me, cover me Come for me, come for me Cover me, cover me Comfort me, comfort me...

Walking free Come with me Far away Every day...



Não fazes favor nenhum em gostar de alguém
nem eu
nem eu
nem eu


Esta inconstância de mim próprio em vibração
É que me há-de transpor às zonas intermédias,
E seguirei entre cristais de inquietação,
A retinir, a ondular... Soltas as rédeas,
Meus sonhos, leões de fogo e pasmo domados a tirar
A torre de oiro que era o carro da minha Alma,
Transviarão pelo deserto, moribundos de Luar -
E eu só me lembrarei num baloiçar de palma...
Nos oásis, depois, hão-de se abismar gumes,
A atmosfera há-de ser outra, noutros planos:
As rãs hão de coaxar-me em roucos tons humanos
Vomitando a minha carne que comeram entre estrumes...

Perder tempo comporta uma estética. Há para os subtis nas sensações, um formulário da inércia que inclui receitas para todas as formas de lucidez. A estratégia com que se luta com a noção das conveniências sociais, com os impulsos dos instintos, com as solicitações do sentimento exige um estudo que qualquer mero esteta não suporta fazer. A uma acurada etiologia dos escrúpulos deve seguir-se uma diagnose irónica das subserviências à normalidade. Há a cultivar, também, a agilidade contra as intrusões da vida; um cuidado deve couraçar-nos contra sentir as opiniões alheias, e uma mole indiferença encamar-nos a alma contra os golpes surdos da coexistência com os outros.

Cuidarás primeiro em nada respeitar, em nada crer, em nada (...) Guardarás da tua atitude ante o que não respeites, a vontade de respeitar alguma coisa; do teu desgosto ante o que não ames o desejo doloroso de amar alguém; do teu desprezo pela vida guardarás a ideia de que deve ser bom vivê-la e amá-la. E assim terás construído os alicerces do edifício dos teus sonhos. Repara bem que a obra que te propões fazer é no mais alto de tudo. Sonhar é encontrarmo-nos. Vais ser o Colombo da tua alma. Vais buscar as suas paisagens. Cuida bem pois em que o teu rumo seja certo e não possam errar os teus instrumentos.
A arte de sonhar é difícil porque é uma arte de passividade, onde o que é de esforço é na concentração da ausência de esforço. A arte de dormir se a houvesse, deveria ser de qualquer forma parecida com esta. Repara bem: a arte de sonhar não é a arte de orientar os sonhos. Orientar é agir. O sonhador verdadeiro entrega-se a si próprio, deixa-se possuir por si próprio. Foge a todas as provocações materiais. Há no início a tentação de te masturbares. Há a do álcool, a do ópio. Tudo isso é esforço e procura. Para seres um bom sonhador, tens de não ser senão sonhador. Ópio e morfina compram-se nas farmácias — como, pensando nisto queres poder sonhar através deles? Masturbação é uma coisa física (...) Que te sonhes masturbando-te, vá; que em sonhar talvez fumando ópio, recebendo morfina te embriagues da ideia do ópio da morfina dos sonhos —não há senão que elogiar-te por isso: estás no teu papel áureo de sonhador perfeito.
Julga-te sempre mais triste e mais infeliz do que és. Isso não faz mal. E mesmo, por ilusão, um pouco escadas para o sonho.


Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tange e range, cordas e harpas, tímbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia. Todo o esforço é um crime porque todo o gesto é um sonho inerte. As tuas mãos são rolas presas. Os teus lábios são rolas mudas(que aos meus olhos vêm arrulhar).Todos os teus gestos são aves. És andorinha no abaixares-te, condor no olhares-me, águia nos teus êxtases de orgulhosa indiferente. E toda ranger de asas a lagoa de eu te ver. Tu és toda alada, toda. Chove, chove, chove... Chove constantemente, gemedoramente (...) Meu corpo treme-me a alma de frio... Não um frio que há no espaço, mas um frio que há em vir a chuva... Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.

Pertenço a uma geração que ainda está por vir, cuja alma não conhece já, realmente, a sinceridade e os sentimentos sociais. Por isso não compreendo como é que uma criatura fica desqualificada, nem como é que ela o sente. É oca de sentido, para mim, toda essa... das conveniências sociais. Não sinto o que é honra, vergonha, dignidade. São para mim, como para os do meu alto nível nervoso, palavras de uma língua estrangeira, como um som anónimo apenas.
Ao dizerem que me desqualificaram, eu não percebo senão que se fala de mim, mas o sentido da frase escapa-me. Assisto ao que me acontece, de longe, desprendidamente, sorrindo ligeiramente das coisas que acontecem na vida. Hoje, ainda ninguém sente isto; mas um dia virá quem o possa perceber.Procurei sempre ser espectador da vida, sem me misturar nela. Assim, a isto que se passa comigo, eu assisto como um estranho; salvo que tiro dos pobres acontecimentos que me cercam a volúpia suave de (...).Não tenho rancor nenhum a quem provocou isto. Eu não tenho rancores nem ódios. Esses sentimentos pertencem àqueles que têm uma opinião, ou uma profissão ou um objectivo na vida. Eu não tenho nada dessas coisas. Tenho na vida o interesse de um decifrador de charadas.Mas eu não tenho princípios. Hoje defendo uma coisa, amanhã outra. Mas não creio no que defendo hoje, nem amanhã terei fé no que defenderei. Brincar com as ideias e com os sentimentos pareceu-me sempre o destino supremamente belo. Tento realizá-lo quanto posso. Nunca me tinha sentido desqualificado. Como lhe agradecer ter-me ministrado esse prazer! Ele é uma volúpia suave, como que longínqua.Não nos entendem, bem sei...


Trying to find a reason to go on...


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