Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Inevitabilidades....

Não se entendem os grandes homens quando são encarados a partir da mesquinha perspectiva do proveito público.Talvez o facto de não se saber extrair deles nenhum proveito faça mesmo parte da sua grandeza.


Regresso devagar ao teu sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que não é nada comigo. Distraído percorro o caminho familiar da saudade, pequeninas coisas me prendem, uma tarde num café, um livro. Devagar te amo e às vezes depressa meu amor, e às vezes faço coisas que não devo...

Ela rapidamente compreendeu que o jovem MS iria marcar o seu nome na história. Elizabeth era daquele tipo de mulher que tinha a capacidade de compreender e de admirar a grandeza, sem contudo a conseguir alcançar ou ambicionar para si, pelo menos directamente. Tinha plena consciência disso e queria um lugar na história...Amar a história e o meu pai eram uma e a mesma coisa. Não foi difícil seduzir MS; bastou compreendê-lo, querer segui-lo, ir sempre atrás dele, admirando-o e amparando-o nas quedas, e abrindo aqui e ali portas ao jovem brilhante que ambicionava isolar a felicidade.

O problema maior da felicidade é que nunca acaba.Quem contrai felicidade não tem cura.A felicidade não tem cura, mas pode entrar em colapso. É comum o feliz chegar a um ponto de ruptura consigo próprio. O cérebro não suporta muito tempo uma produção excessiva de eudaimonia. Uma pessoa pode, contudo, morrer feliz.(...) O que acontece quando o cérebro entra em colapso consigo próprio é que o feliz entra num estado de vazio profundo. Este vazio profundo é o nada. A pessoa já não consegue voltar a sr feliz; nem consegue retroceder na doença, nem consegue ser normal. O nada é a felicidade sem argumentos, como um lago que seca, mas que continua a ser lago. Depois da felicidade há ainda felicidade: felicidade seca.

Nunca será de mais repetir que a felicidade é uma fuga à realidade. Uma fuga que não depende de uma escolha do sujeito, mas de um código genético predisposto a uma produção exagerada de uma substância que vai atuar no sistema nervoso central: a eudaimonia. Ninguém é responsável por querer ser feliz ou, em casos limites, por ser feliz. Mas isso não lhe retira a responsabilidade de se preocupar consigo, com a sua saúde e procurar um médico, fazer exames e , se for caso disso, se lhe for diagnosticado ser feliz, seguir o tratamento que melhor se lhe adequa, para evitar não só contrair felicidade mas também fazer estagnar ou regredir o querer ser feliz.

Quando começar a achar com frequência que tudo está bem ou que tudo está mal, dou-lhe um conselho de amigo: dirija-se imediatamente a um médico.

O medo entra em nós pela incapacidade de aceitar os outros; o medo é o outro dentro de nós, o outro que não se quer; o medo é como que a solidificação da incompreensão dentro de um humano. E, obviamente, esta incompreensão solidificada impede a produção de eudaimonia e a consequente procura da felicidade. Só que não é uma verdadeira saúde, pois trata-se de uma saúde resultante do medo.

Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.
Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,

E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...


Era uma vez um velho Sábio que tinha lido todos os livros e sabia tudo. Nada do que existia, e mesmo do que não existia, tinha para si segredos. Sabia quantas estrelas há no céu e quantos dias tem o mundo. Conversava com os animais e com as plantas e conhecia o passado, o presente e o futuro.(...) Como sabia todas as coisas e não tinha nada de novo para saber e conhecer, a sua vida era muito triste e desinteressante. Era uma vida sem espanto, onde nada de novo e surpreendente acontecia e todos os dias eram iguais a todos os dias. Mesmo coisas tão estranhas e misteriosas, como, por exemplo, os cortinados do quarto agitando-se, à noite, ou os móveis rangendo como se falassem uns com os outros, não tinham para ele qualquer mistério.
Vivia fechado na sua Biblioteca e não tinha ninguém a quem perguntar nada. E, mesmo se tivesse, mal acabava de pensar numa pergunta, já sabia a resposta antes que lhe respondessem.

O Sábio abriu os olhos e verificou então, surpreendido, que estava no meio da sua Biblioteca, sentado, como sempre, à sua mesa de trabalho. Como era muito sábio, depressa concluiu que tinha morrido. Tinha morrido precisamente no momento em que soube a última coisa de todas as coisas que havia para saber e, desde aí, não mais vivera. Apenas sonhara, sem saber que tinha morrido. Até a sua viagem ao Reino das Sombras tinha sido, também ela, um sonho. Sem saber que tinha morrido…Afinal sempre tinha morrido sem saber que morria como estava escrito no Livro onde estão escritas, diz-se, todas as coisas da Vida e da Morte.

inevitabilidade primordial pensar...
inevitabilidade lateral pensar-me...
inevitabilidade colateral pensar-te...
inevitabilidade inevitável perceber...


"Mas não me quero meter com gente louca", observou Alice.
"Oh! É inevitável", disse o Gato; "somos todos loucos aqui. Eu sou louco. Você é louca."
"Como sabe que sou louca? perguntou Alice.
"Só pode ser", respondeu o Gato, "ou não teria vindo parar aqui."
Alice não achava que isso provasse coisa alguma; apesar disso, continuou: "E como sabe que você é louco?"
"Para começar", disse o Gato, "um cachorro não é louco. Admite isso?"
"Suponho que sim", disse Alice.
"Pois bem", continuou o Gato, " um cachorro rosna quando está zangado e abana a cauda quando está contente. Ora, eu rosno quando estou contente e abano a cauda quando estou zangado. Portanto sou louco."


Meteu o revólver na boca e estremeceu ao senti-lo frio contra o céu da boca. Mas lembrou-se, não sem prazer [...], que assim se tinha suicidado Antero de Quental. Tirou o revólver e manteve-o na mão, descaída esta sobre a colcha, ao longo da perna.Passaram assim por ele instantes sem tempo, de vida oca e neutra. Acordado para si, reparou de repente que o sol cessara, que tudo era cor de cinza, remoto, alheio, sem paladar para a vista. Veio-lhe pela alma dentro o sentimento da inevitabilidade, da necessidade da morte. Era como se ela estivesse chegando, numa hora, como um comboio, e ele simplesmente à espera. Uma última coisa qualquer caira-lhe da alma - já nem era lúcido. Parára-lhe o saber-se (...)Tornou a meter o revólver na boca. D'esta vez sentiu o frio do cano d'encontro o palato como quem sente uma coisa que não é nada, um pouco da cara d'encontro à mão. A apatia era absoluta. Tornara-se outro. Era a morte já. Faltava o gesto último. Custou-lhe por ser simplesmente um gesto. Tudo isto passou n’um minuto cheio de cinza de vida. Pouco a pouco ela foi morrendo em si. Com o último ver dos olhos semicerrados viu só em torno a si uma bruma de vida… Tudo era indeciso e sem fim. Fechou os olhos e puxou o gatilho…

Tenho por intuição que para as criaturas como eu nenhuma circunstância material pode ser propícia, nenhum caso da vida ter uma solução favorável. Se já por estas razões me afasto da vida, esta contribui também para que eu me afaste. Aquelas somas de factos que, para os homens vulgares, inevitabilizariam o êxito, têm, quando me dizem respeito, um outro resultado qualquer, inesperado e adverso.
Nasce-me, às vezes, desta constatação, uma impressão dolorosa de inimizade divina. Parece-me que só por um ajeitar consciente dos factos, de modo a que me sejam maléficos, a série de desastres, que define a minha vida, me poderia ter acontecido. Resulta de tudo isto para o meu esforço que eu não intento nunca demasiadamente. A sorte, se quiser, que venha ter comigo. Sei, de sobra, que o meu maior esforço não logra o conseguimento que noutros teria. Por isso me abandono à sorte, sem esperar muito dela. Para quê? O meu estoicismo é uma necessidade orgânica. Preciso de me couraçar contra a vida. Como todo o estoicismo não passa de um epicurismo severo, desejo, quanto possível, fazer que a minha desgraça me divirta. Não sei até que ponto o consigo. Não sei até que ponto consigo qualquer coisa. Não sei até que ponto qualquer coisa se pode conseguir...
Onde um outro venceria, não pelo seu esforço, mas por uma inevitabilidade das coisas, eu nem por essa inevitabilidade, nem por esse esforço venço ou venceria. Nasci talvez espiritualmente, num dia curto de Inverno. Chegou cedo a noite ao meu ser. Só em frustração e abandono posso realizar a minha vida. No fundo, nada disto é estóico. É só nas palavras que há a nobreza do meu sofrimento. Queixo-me, como uma criada doente. Ralo-me como uma dona de casa. A minha vida é inteiramente fútil e inteiramente triste.


"O único consolo que sinto ao pensar na inevitabilidade da minha morte é o mesmo que se sente quando o barco está em perigo: encontramo-nos todos na mesma situação." Tolstoi


Sem comentários: