Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

quinta-feira, 22 de março de 2018

Dilúvios, guerras e naufrágios...

E caiu a chuva sobre a terra quarenta dias e quarenta noites... - Génesis

Chagall recebeu uma encomenda de ilustração da ‘Bíblia’. Partiu para a Palestina, onde esteve dois meses e, ao longo de 25 anos,pintou 105 quadros baseados em episódios do Antigo Testamento.


E eu que estou bêbado de toda a injustiça do mundo...
— O dilúvio de Deus e o bebé loirinho boiando morto à tona de água,
Eu, em cujo coração a angústia dos outros é raiva,
E a vasta humilhação de existir um amor taciturno —
Eu, o lírico que faz frases porque não pode fazer sorte,
Eu, o fantasma do meu desejo redentor, névoa fria —



Eu não sei se devo fazer poemas, escrever palavras, porque a alma —
A alma inúmera dos outros sofre sempre fora de mim.


William Turner, inspirado nas teorias de Goethe sobre a impressão provocada pela cor, joga com o círculo de cores, criando uma esfera com pinceladas de cores "efémeras" (amarelos), onde cores quentes e "esperançosas" (vermelhos) se sobrepõem às ameaças em diluição das cores "ameaçadoras" (azuis). Assim pretende transmitir a atmosfera de reinício da vida, após uma noite devastadora.

Respira-se melhor quando se é rico; é-se mais livre quando se é célebre; o próprio ter de um título de nobreza é um pequeno monte. Tudo é artifício, mas o artifício nem sequer é nosso. Subimos a ele, ou levaram-nos até ele, ou nascemos na casa do monte.Grande, porém, é o que considera que do vale ao céu, ou do monte ao céu, a distância que é diferença não faz diferença. Quando o dilúvio crescesse, estaríamos melhor nos montes. Mas quando a maldição de Deus fosse raios, como a de Júpiter, de ventos, como a de Eolo, o abrigo seria o não termos subido, e a defesa o rastejarmos.

Julga-se que foi o primeiro painel narrativo feito por Michelangelo e que mostra uma grande quantidade de pessoas juntas. Este painel, o menor dos nove da Capela Sistina, squando olhado do chão da Capela fica difícil perceber todos os contornos. Os entendidos em obras de Michelangelo dizem que, após o artista ver a sua obra o Dilúvio do chão aumentou a escala nos próximos desenhos, já que todos os painéis, depois do Dilúvio são maiores e com poucas figuras...

O sonhador é um emissor de notas, e as notas que emite correm na cidade do seu espírito do mesmo modo que as da realidade. Que me importa que o papel-moeda da minha alma nunca seja convertível em ouro, se não há ouro nunca na alquimia factícia da vida? Depois de todos nós vem o dilúvio, mas é só depois de todos nós. Melhores, e mais felizes, os que, reconhecendo a ficção de tudo, fazem o romance antes que ele lhes seja feito, e, como Maquiavel, vestem os trajes da corte para escrever bem em segredo.




Num ambiente mágico, mas alucinado, como esta foto de Werther Santana bem simboliza, Dilúvio pretende ser um convite à reflexão: “Falo desse dilúvio moderno que vivemos, dessa arca que não é. Mas eu não conto histórias, apenas crio imagens, proponho ideias e conexões. O público faz o resto”, comenta Gerald Thomas.
Num tempo em que a informação é tão excessiva e redundante que como que nos adormece para a realidade, a protagonista tenta salvar, num oásis imaginário, toda a informação amontoada e deixada a apodrecer, num mundo em que guerras e catástrofes geram notícias falsas.



Afinal, talvez ainda vá escrever outro livro. Uma velha preocupação minha (porquê nunca houve uma greve numa fábrica de armamento)...Se eu pudesse decidir,nunca me ia embora.
O homem chama-se artur paz semedo e trabalha há quase vinte anos nos serviços de faturação de armamento ligeiro e munições de uma histórica fábrica de armamento conhecida pela razão social de produções belona s.a.,

Aos operários fuzilados em milão por terem sabotado obuses,hurra. O sentir humano é uma espécie de caleidoscópio instável.

O portador,senhor artur paz semedo, funcionário do serviço de contabilidade da empresa produções belono s.a., está autorizadoa investigar livremente o arquivo na parte respeitante aos anos trinta do século passado...

Nada que outra pessoa não pudesse fazer.

(Dia 11 de outubro de 2014, 8:41 - Li a última frase escrita por saramago e chorei. Não consigo parar de chorar.9:13 - Acabei de arrumar na estante o último romance do meu prémio nobel... Para o que me havia de dar: choro como há muito não o fazia...)

16.9.2009
Creio que poderemos vir a ter livro. O primeiro capítulo,refundido,não reescrito,saiu bem, apontando já algumas vias para a tal história "humana".Os caracteres de Felícia e do marido aparecem bastante definidos. O livro terminará com um sonoro " Vai à merda", proferido por ela. Um remate exemplar.



Não tinha sequer uma pistola, mas eliminara a grande fraqueza da existência, fizera desaparecer a primária fragilidade da espécie: não possuía qualquer inclinação para o amor ou para a amizade! E nesse momento, a caminhar em plena rua, desarmado, observando de cima os seus sapatos castanhos, velhos, sapatos irresponsáveis como troçava Klober, nesse momento Walser sentia-se tão seguro — e, ao mesmo tempo ameaçador — como se avançasse dentro de um tanque pela rua...Porém, subitamente, deu um salto para o lado. Quase pisara uma massa alta. Era um homem. E estava morto.

Tudo é tão estupidamente previsível nestas máquinas que se torna surpreendente ; é o grande espanto do século, a grande surpresa: conseguimos fazer acontecer exactamente o que queremos que aconteça. Tornámos redundante o futuro, e aqui reside o perigo...Se a felicidade individual depende destes mecanismos e se torna também previsível, a existência será redundante e desnecessária: não haverá expectativas, luta ou pressentimentos.


Era o rosto de um homem que assassinaria e daria a vida por um amigo [...] Espelhava sinceridade e ferocidade,assim como a patética reverência que os iletrados sentem pelos seus supostos superiores.[...]Não sei bem porquê ,mas raramente conheci alguém - algum homem quero dizer - que me tenha inspirado uma simpatia tão imediata.

Na guerra de trincheiras há cinco coisas importantes: lenha,comida,tabaco,velas e inimigo.

O mundo real, do passado, do presente ou do futuro, é- me indiferente. Nem a análise lúcida de orwell me alicia.
Talvez a minha revolta contra a realidade seja pelo facto de, inadvertidamente, ter visto a casa dos segredos e pensar que todos os que lutaram pelos direitos humanos foram uns ingénuos...


Sometimes you seem like a lost cause Breathe a second, feel the pregnant pause...

Não será melhor Não fazer nada? Deixar tudo ir de escantilhão pela vida abaixo Para um naufrágio sem água?

Foi com surpresa de muitos que não escolhi as outras propostas que me foram apresentadas, santareno ou saramago, optando por uma obra desconhecida do século XVI, eu, na época, uma aluna "com ar tão moderno". O professor que me ia orientar a tese de mestrado, inicialmente, encarou, com desconfiança e apreensão, o meu interesse por um texto inóspito, de difícil decifração, de autor absolutamente desconhecido: " A senhora está consciente da solidão da sua escolha?"
O meu ponto de partida foi manuel de mesquita perestelo, mais nada... Bem poderia ter sido eu a conceber um romance similar a todos os nomes... Durante cerca de seis meses andei a tentar reconstruir uma vida, a partir de um nome, referido em : ANSELMO. (António Joaquim) Bibliografia das obras impressas em Portugal no século XVI.
A história trágico- marítima sempre me atraiu. Além disso, escolher um tema sobre o qual nada se sabia e que não interessaria a ninguém foi estimulante. Recordo bem a diferença: o meu colega que optou por saramago ( que só veio a ser nobel dez anos depois) tinha sempre tema de conversa e a correspondência que trocou com o autor era motivo de entusiasmo para todos nós... santareno, nos anos a seguir ao 25 de abril, ainda desencadeava emoções, até políticas... havia sempre assunto. A quem interessava, mesmo no meio universitário, um manuel de mesquita perestelo que talvez tivesse escrito um relato, cujo original nem se sabia bem por onde andava...Percebi, rapidamente, o porquê de ter feito uma escolha solitária: a minha tese interessava , apenas, a duas pessoas: a mim e ao professor que, timidamente, manifestara o desejo de alguém sentir curiosidade por uma obra "desaparecida".
Anos mais tarde, por volta de 2005, recebi um telefonema de um antigo colega de mestrado que estava em Macau : a faculdade de artes e humanidades, da universidade de Macau, tinha interesse na minha tese... Na época, totalmente inebriada com a existência de professora bibliotecária,recusei o convite, até porque a viagem e o oriente me desmotivavam...

Subitamente, no dia 21 de março de 2018, o telefonema de um jornalista, que teve a informação sobre a minha "obra prima" na Biblioteca de Portugal, fez subir para dois o número de interessados ...

"O argumento do livro é simples: um navio negreiro afunda-se ao largo do Brasil. Desse naufrágio salvam-se o capataz, o escravo, um criado, um padre, um estudante, uma fidalga e a sua filha e um menino pretinho. Também não "perde" a vida uma imagem de uma santa, Nossa Senhora de Todas as Angústias, que assiste a tudo o que se vai passar, umas vezes como observadora, noutras como puro objeto de madeira. A salvação, no entanto, não lhes sai barata, pois o rochedo onde se refugiam da água tem a maldição de a cada maré cheia submergir a pouca areia da praia e restar-lhes um buraco para se abrigarem e confrontarem os seus tabus.
Está o cenário posto e as personagens apresentadas logo a poucas dezenas de páginas, momento em que o leitor questiona como vai a escritora entretê-lo até ao fim. Não seria coisa difícil tantos os livros sedutores sobre náufragos, tantas as peripécias que os sobreviventes podem viver numa ilha deserta. Até porque como se diz à página 221, "o mar não é de confiança", daí que a narrativa pudesse seguir os caminho da História Trágico-Matrítima e estava tudo transformado em romance como seria previsível.
Se houvesse que reduzir este livro a um conceito ele seria a realização de um auto de fé. Daqueles em que personagens são matéria a arder e o leitor sai chamuscado, mesmo com tanto mar à volta. Um livro impressionante e, principalmente, redentor." João Céu e Silva

...não me quero encontrar, que estou dentro de um navio que sei que vai naufragar, já não falo e ainda sorrio, porque está perto de mim o dono verde do mar que busquei desde o começo, e estava apenas no fim.
Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar; depois, abri o mar com as mãos, para o meu sonho naufragar...

E quando o vento se agita / Agita-se o meu tormento Quero esquecer-te, acredita / Mas cada vez há mais vento...



Teus olhos...São as ondas pensamentos Que o teu olhar me deixou São estrelas mortas lamentos Que o teu mar despedaçou...Passa o vento nos escolhos Como o teu triste cantar No verde mar dos teus olhos. Ando sempre a naufragar

Fado e naufrágios até que combinam: não há tragédia sem fado; não há fado sem tragédia...


A minha vida é um barco abandonado Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que não ergue ferro e segue o atino De navegar, casado com o seu fado?


Esse baixel nas praias derrotado Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido Foi do monte libré, gala do prado.


nanban, anselmo
Nunca mais ler a Peregrinação causava-me uma angústia indizível. O acaso, o destino ou a sorte colocam esta obra no meu caminho e aí vou eu, "por este rio acima", a reler excertos, a recordar o português do século XVI, uma língua que me sabe a passado, a presente e a futuro... O reencontro com estes textos é assaz comovente, como o são todos os reencontros... Talvez seja um dos meus traços mais definidores: gosto de reencontrar ( talvez , por isso, até nem me importe de perder ...)

Quando às vezes ponho diante dos olhos os muitos e grandes trabalhos e infortúnios que por mim passaram...acho que com muita razão me posso queixar da ventura,que parece que tomou por particular tenção a empresa sua de perseguir-me e maltratar-me,como se isso lhe houvera de ser matéria de grande nome e de grande glória...

E vendo eu quão pouco me fundiam tanto os trabalhos e serviços passados como o requerimento presente, determinei de me recolher com essa miséria que trouxera comigo, adquirida por meio de muitos trabalhos e infortúnios, e que era o resto do que tinha gasto em serviço deste reino, e deixar o feito à justiça divina, o que logo pus em obra, pesando-me ainda por que o não fizera mais cedo, porque se assim o fizesse, quiçá me pouparia nisso um bom pedaço de fazenda.

Lembra-me um sonho lindo, quase acabado Lembra-me um céu aberto, outro fechado Estala-me a veia em sangue, estrangulada Estoira no peito um grito, à desfilada...



Namban significa, em japonês, "bárbaros do sul", termo com que os nipónicos apelidaram os europeus, devido aos seus hábitos pouco requintados: Comem com os seus dedos, em vez de usarem os pauzinhos... Manifestam os seus sentimentos, sem qualquer autocontrole. São incapazes de entender a nossa escrita.

Esta capa de um ebook da Peregrinação é retirada de um biombo japonês, que, à semelhança das tiras de banda desenhada, conta uma história, através de imagens...Com a chegada dos portugueses, em 1543, iniciam-se os contactos com o japão, ficando este encontro de civilizações e de trocas culturais registado em biombos namban.



Os biombos Namban contam A história alegre das navegações Pasmo de povos de repente Frente a frente Alvoroço de quem vê O tão longe tão de pé Laca e leque Kimono camélia Perfeição esmero E o sabor de tempero Cerimónias mesuras Nipónicas finuras Malícia perante Narigudas figuras Inchados calções Enquanto no alto Das mastreações Fazem pinos dão saltos Os ágeis acrobatas das navegações Dançam de alegria Porque o mundo encontrado É muito mais belo Do que o imaginado



Peregrinatio Egeriae - A ida de Egéria à Terra Santa, nos anos 381 a 384, é o segundo documento escrito de uma peregrinação ao Oriente e o primeiro que se conhece redigido por uma mulher. É o texto latino mais antigo que se pode atribuir a território ocidental, um testemunho essencial da evolução do latim para as línguas românicas.

Outra peregrinação ao passado, mas esta de má memória, apesar de adorar o texto e de não ter embirrado com a santidade de egéria...

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