So today I wrote this song for you 'Cause a day can get so long And I know its hard to make it through When you say there's something wrong...
Durmo. Regresso ou espero?
Não sei. Um outro flui
Entre o que sou e o que quero
Entre o que sou e o que fui.
Eu não queria,nunca quereria,ver-me envolvido nesse fracasso.O meu desejo de aventura com Ivette era um desejo de subir às nuvens, de viver nas nuvens, de me afastar da vida que levava - do tédio, da tensão sem sentido, da situação do país. Não era um desejo de mera fácil fugir. E não me e envolver com pessoas que, como eu, estavam num beco sem saída.
Mas era isto que eu tinha agora. E não me era fácil fugir...O prazer nada resolvia; apenas desencadeava um novo vazio, uma nova carência, um novo desejo.
Júlio Dinis é uma vítima da troça nacional, num país que despreza, literariamente, os retratistas, sobretudo se oriundos do norte do país. O rótulo de eça , "Júlio Dinis viveu de leve, escreveu de leve, morreu de leve", serviu de fundamento , durante um século, ao menosprezo pela obra do autor de As pupilas do senhor reitor, A morgadinha dos canaviais e de Os fidalgos da casa mourisca, condenando-a a um severo ostracismo. Na verdade, Júlio Dinis é um dos melhores retratistas de Portugal no século XIX, como o comprova Uma família inglesa, romance que pinta o Porto como uma cidade dividida, romântica e em conflito,embora o narrador não resista aos finais felizes, à conciliação de classes, a um ideal de justiça e de pacificação, idealizado mas genuíno. Autor adorado pela burguesia elegante do Porto é totalmente incompreendido pelo século XX e inteiramente ignorado no século XXI.
Vale a pena redescobrir Uma família inglesa,quanto mais não seja para perceber o motivo do seu fracasso...
Entre os súbditos da rainha Vitória, residentes no Porto, ao principiar a segunda metade do século dezanove, nenhum havia mais benquisto e mais obsequiado, e poucos se apontavam como mais fleumáticos e genuinamente ingleses, do que Mr. Richard Whitestone. Por tal nome era em toda a cidade conhecido um abastado negociante de fino tacto comercial e génio empreendedor, cujo crédito nas primeiras praças da Europa e da América, e com especialidade nos vastos empórios da Grã-Bretanha, se firmava em bases de uma solidez superabundantemente provada.
Nos livros de registo do Bank of England, bem como nos de alguns Joint-Stock banks e dos banqueiros particulares da City ou de West-End, podia-se procurar com êxito documentos justificativos deste crédito florescente. Não era Mr. Richard homem para seguir somente caminhos batidos, nem para empalidecer ao abalançar-se em veredas não arroteadas, onde se achava a sós com os seus esforços e tenacidade. Por vezes arriscara capitais a inaugurar companhias, a plantar novos ramos de comércio, a auxiliar indústrias nascentes, aventurando assim proveitosos exemplos, para serem seguidos depois, já com melhores garantias de lucro, por seus colegas, caracteres em geral cautelosos e positivos e sempre desconfiados a respeito de inovações. Apesar disso, as crises, essas derruidoras tempestades tão frequentes na vida do comércio, tinham passado por cima da casa Whitestone, respeitando-a. Através das nuvens negras, que tantas vezes assombram o mundo monetário, vira-se sempre brilhar a firma do honrado Mr. Richard, com o esplendor tradicional; enquanto que não sorriam fados tão propícios às de muitos meticulosos e precatados, não obstante egoístas abstenções.Era o caso de mais uma vez repetir o "Audaces fortuna... "de já estafada memória. Esta imunidade, em parte devida à lúcida inteligência, com a qual Mr. Richard sabia superintender nos variados negócios do seu trato, em parte a não sei que benigno espírito, ou acaso feliz, a que muitas vezes parece andar subordinada a fortuna, valera-lhe uma ilimitada confiança entre todos, com quem o negócio o ligava, confiança da qual, nem em circunstâncias frívolas, se mostrou nunca indigno depositário. O quotidiano aparecimento do negociante estrangeiro na Praça – nome que entre nós se dá ainda à Rua dos Ingleses, principal centro de transacções do alto comércio portuense – festejavam-no benevolentes sorrisos, rasgadas e pressurosas reverências, frases de insinuantes amabilidades e afectuosos shake-hands, segundo o mais ou menos adiantado grau de familiaridade, que cada qual mantinha com ele. Ninguém se dispensava de qualquer destas demonstrações de estima, ou as impusesse o prestígio dos avultados capitais e da social liberalidade do comerciante britânico, ou como de preferência opinarão os que melhor conceito formam dos homens – um longo passado sem mancha, uma rectidão e cavalheirismo, aquilatados todos os dias. Mr. Whitestone não se deixava porém desvanecer com estas homenagens dos seus confrades, aliás merecidas. Decididamente não era a vaidade o seu defeito dominante. Aspirando essa espécie de incenso moral, que tão bem formadas cabeças atordoa, não sentia, no íntimo, turbar-se a limpidez, verdadeiramente cristalina, da razão, nele pouco sujeira a esvaimentos. Os gelos daquele coração, formado e desenvolvido a 51 graus de latitude setentrional, não se fundiam com tão pouco. Loas, hinos encomiásticos, capazes, ainda que em prosa, de atemorizar as modéstias menos esquivas, protestos hiperbólicos de veneração a todo o transe, tudo isso escutava friamente e sem nem sequer experimentar certa agradável e voluptuosa titilação da alma – se me admitem a frase – que em quase todos os filhos de Eva – primeira e mal estreada vítima da lisonja – produzem sempre os panegíricos do merecimento próprio, entoados por bocas alheias. A mesma indiferença, a mesma, senão absoluta impassibilidade, estabilidade de razão pelo menos, com que, uns após outros, esvaziava copos de cerveja e cálices do Porto e Madeira, de rum, de conhaque, de kummel, de gingerbeer, e até de absinto, libações que a qualquer pessoa menos inglesmente organizada ameaçariam, em pouco tempo, com as mais pavorosas consquências de um completo alcoolismo; essa mesma indiferença e impassibilidade opunha ao efeito, não menos inebriante, das lisonjas de que lhe enchiam os ouvidos. A eloquência cortesã dos seus muitos entusiastas mais do que uma vez a recebia assobiando distraidamente, mas sem a menor afectação, o nacional God save the queen, ao qual marcava o compasso com a cabeça ou com a bengala.Não se dava ao trabalho de retribuir um cumprimento com outro cumprimento. Aqueles que têm por costume semear lisonjas, para depois as colherem, em proveito próprio, encontravam em Mr. Richard Whitestone terreno ingrato para tal género de cultura; não vingavam lá. A chamar-se delicadeza a certos requebros de linguagem, a certas subtilezas de galanteios, a certos meneios, ares e olhares convencionais, muito à moda nas salas e que variam com as épocas, hesitar-se-ia em conceder a Mr. Richard o nome de delicado. A delicadeza que ele praticava não era de facto essa. Fazia-a consistir toda, a sua, nos sentimentos e nas acções inspiradas pelos eternos e invariáveis ditames da consciência e da razão, superiores portanto às flutuações caprichosas da moda. Era uma delicadeza natural. Verdadeiro inglês da velha Inglaterra, sincero, franco, às vezes rude, mas nunca mesquinho e vil, podia tomar-se por uma vigorosa personificação do típico John Bull.
Alheio e pouco propenso à metafísica, não o namoravam as transcendentes questões de filosofia, que preocupavam doentiamente as inteligências da época; todo votado à contemplação da face positiva da vida, se não se arroubava, como os exaltados optimistas, a considerar nos destinos futuros da humanidade, evitava também o estorcer-se nas garras do demónio da hipocondria, como se estorcem tantos, a quem prolongadas meditações sobre os males que perseguem o homem acabam por envenenar o pensamento.Possuía em compensação Mr. Richard, e em alto grau, para lutar contra as ocorrentes resistências da vida efectiva, aquela qualidade de espírito, que, segundo Sterne, se diz obstinação nas más aplicações e perseverança nas boas.Outra apreciável disposição de ânimo caracterizava ainda o nosso comerciante: – era a de não ser sujeito a longas mortificações, ou pelo menos – e com mais rigor talvez – a de as não manifestar nos gestos ou por quaisquer sinais exteriores.Dir-se-ia, a julgá-lo pelas aparências, que espessa camada de estoicismo lhe encrostara o coração, libertando-o da influência dos estímulos, que mais dolorosamente costumam comover essa víscera de tão numerosas simpatias.Neste mundo, ao qual os Heraclitos dos séculos cristãos granjearam o título lutuoso e elegíaco de vale de lágrimas, não havia sucesso possível, catástrofe realizável, com força de alterar por muito tempo a costumada expressão fisionómica de Mr. Richard, de lhe desbotar sequer o colorido vigoroso, ou – como julgo se lhe chama em linhagem técnica – o colorido quente, do qual vinha ao gesto certo ar de satisfação, despertador das mais justificadas invejas.
Nos tipos ingleses, que as ondas do oceano anojam todos os dias às nossas praias, é este fenómeno mais vulgar do que porventura se pensa. Cada uma dessas figuras britânicas vale por um protesto mudo, mas eloquente, contra os velhos preconceitos de poetas e de escritores meridionais. Teimam de facto estes em que são indispensáveis os vívidos raios do nosso desanuviado Sol, ou a face desassombrada da Lua no firmamento peninsular, onde não tem, como a de Londres – a romper a custo um plúmbeo céu – para verterem alegrias na alma e mandarem aos semblantes o reflexo delas; imaginam fatalmente perseguidos de spleen, irremediavelmente lúgubres e soturnos, como se a cada momento saíssem das galerias subterrâneas de uma mina de pit-coal, os nossos aliados ingleses.
Como se enganam ou como pretendem enganar-nos!
É esta uma ilusão ou má-fé, contra a qual há muito reclama debalde a indelével e acentuada expressão de beatitude, que transluz no rosto iluminado dos homens de além da Mancha, os quais parece caminharem entre nós, envolvidos em densa atmosfera de perene contentamento, satisfeitos do mundo, satisfeitos dos homens e, muito especialmente, satisfeitos de si. Nem é para admirar que o romancista inglês James ousasse abrir o primeiro capítulo de um romance seu com a seguinte exclamação' «Merry England! Oh, merry England!» alegre Inglaterra! oh! alegre Inglaterra! E porque se não há-de chamar alegre à Inglaterra? Como se generalizou a infundada crença de que o Inglês é por força melancólico? É uma destas abusões, para lhe não dar nome pior, contra as quais ninguém se precavê com suficiente critério filosófico.
Repare o leitor imparcial para qualquer dos membros da colónia inglesa, à qual Mr. Richard Whitestone pertencia, e verá que nem só nos tempos em que a civilização e a indústria não tinham ainda arroteado as densas florestas britânicas, seria cabido o jovial estribilho da canção que o supracitado romancista pôs na boca do legendário Robin Hood, seu herói: – «Oh, merry England, merry England, ho»; pode ainda cantar, através dos nevoeiros e do fumo das fábricas, o inglês moderno, fiel depositário daquele folgado carácter nacional. Eu tenho há muito como ponto de fé, que ainda que o spleen seja doença indígena da Grã-Bretanha; não domina tão fatalmente sob o céu londrino, como muitos parece imaginarem. Dryden afirma que as comédias inglesas possuem sobre as de todo o mundo incontestável superioridade. E querem saber a que atribuem alguns esta superioridade da comédia inglesa? Ao clima, a esse mesmo clima, que, em contrário, tantos acusam de fomentador de hipocondrias e suicídios. O clima inconstante da Inglaterra, aplicam aqueles, é próprio para favorecer o desenvolvimento desses caracteres excepcionais e extravagantes, precioso e inesgotável pábulo do espírito cómico da Grã-Bretanha. A jovialidade dá-se muito bem naquele poderoso império. Tom Jones e o próprio Falstaff são tipos mais ingleses talvez do que uns sombrios caracteres, que Byron pôs à moda.
Ora Mr. Richard, o corajoso leitor do Times, o inimigo declarado da França, apesar de certa severidade de convenção, era metal inglês, livre de toda a liga.Nos maiores empertigamentos, a que o respeito pela pragmática inglesa o constrangia, lá lhe estava o gesto a denunciar que era artificial tudo aquilo.Enquanto ao físico..., enquanto ao físico era Mr. Whitestone caracterizadamente inglês. Não suprirão estas palavras mais circunstanciada descrição? Não há entre nós quem, ao ver por aí, nos maiores e mais mesclados ajuntamentos, certa ordem de tipos masculinos, hesite em atribuir-lhes por pátria a velha Albion, a filha dos nevoeiros, a rainha dos mares, a terra dos meeting, dos puddings e de muitas coisas mais? Pois bem, todos esses caracteres, todos esses sinais distintivos dos mais perfeitos exemplares da classe, achavam-se reunidos na pessoa de Mr. Richard Whitestone, como certidão de naturalidade, limpa da menor viciação.Era aquela conhecida tez, quase cor de tijolo; aqueles olhos azuis, à flor do rosto, a resplandecerem como safiras; aqueles cabelos e suíças ruivas, que, sem grande violência de imagem, poder-se-ia talvez comparar às labaredas do fogo, que lhe inflamava constantemente as faces injectadas; os dentes regulares, como enfiaduras de pérolas, e alvos, como os caramelos das montanhas; a postura erecta; os movimentos prontos, e no rosto o tal continuado ar de satisfação.
Do vestuário podia dizer-se quase o mesmo. Não falseava o tipo. Era ainda inglês de lei.(...)
Richard Whitestone dois importantes resultados: – a adopção dos hábitos de vida peninsular, contra os quais antes regia sempre com a inteira inflexibilidade de suas fibras britânicas, e o respeito à gramática portuguesa, que, em todas as quatro partes, maltratava com uma irreverência, com um desplante de bradar aos céus e de desafiar os rigores da férula mais indulgente. Não desmentia Mr. Richard a asserção do autor das Lendas e Narrativas, quando afirma que sempre que um inglês, em casos desesperados, recorre a algum idioma estranho, nunca o faz, sem o torcer, estafar, e mutilar com toda a barbaridade de um verdadeiro Kimbri. De facto, as cinzas de Lobato e de Madureira deviam agitar-se na sepultura sempre que Mr. Whitestone falava, porque as regras mais triviais de regência e de concordância eram por ele atropeladas com uma frieza de ânimo, com uma fleuma, com uma impassibilidade, somente comparáveis às de um membro do jockey-Club, ao passar com um cavalo por cima do corpo de algum transeunte inofensivo ou competidor derrubado na arena.
Não era mais feliz a prosódia, a alatinada prosódia deste recanto peninsular. As combinações gramaticais de Mr. Richard, ao falar a nossa língua, saíam marcadas com um verdadeiro cunho britânico. Vénus, a própria Vénus, perderia aquelas ilusões que nos refere o cantor d'Os Lusíadas, se porventura ouvisse o português que ele pronunciava. Transparecia de alguma sorte nas orações do seu discurso o crédito liberal de um verdadeiro cidadão de Londres. O espírito conciliador e ordeiro, o constitucionalismo arreigado naquele ânimo inglês, e a adesão aos princípios interventores adoptados no seu pais, parecia haverem-se estendido, extravagantemente, ao campo da sintaxe portuguesa, levando Mr. Richard, num excesso de tendência harmonizadora, a tentar nela concordâncias de substantivos e adjectivos contra a absoluta e insuperável repugnância de géneros e de números; e a modificar a constituição gramatical de um país aliado, como a Inglaterra gosta de modificar a sua constituição política. O efeito reunido daquela prosódia e sintaxe era às vezes de uma resultante cómica que não actuava impunemente sobre os ouvidos, aliás não muito pechosos, dos colegas comerciais, em cujos lábios sorrisos de malícia mal disfarçada vinham por instantes afugentar a sisudez da profissão. Mr. Whitestone percebia-os e bem lhes suspeitava o sentido, mas era completamente indiferente ao que percebia e suspeitava. Se o contradissessem na pronúncia de uma palavra inglesa, embora das mais controvertidas, se descobrisse um sorriso nos circunstantes, na ocasião em que ele estivesse falando a pátria língua, então sim, então era possível que chegasse a exaltar-se a ponto de quase ameaçar o imprudente com uma irrepreensível aplicação da nobre ciência dos boxers, quase divina arte do soco, que, desde Jack Brougton, tem sido cultivada em Londres «com fanatismo e ensinada com talento» – textuais palavras de escritor ex-professo. Mas os sorrisos que lhe valiam as autrocidades praticadas por ele nas gramáticas estrangeiras, esses, sofria-os com impassível indiferença e não sei até se com certos vislumbres de orgulho e regozijo.
Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,
Dobrado em dois sobre o meu próprio poço...
Ah, que terrível face e que arcabouço
Este meu corpo lânguido escondia!
Assim me desejei nestas imagens.
Meus poemas requintados e selvagens,
O meu Desejo os sulca de vermelho:
Que eu vivo à espera dessa noite estranha,
Noite de amor em que me goze e tenha,
...Lá no fundo do poço em que me espelho!
O cair da noite era lento, pacífico, como que adormecido . O doente sentiu a depressão da derrota, a agoniada tristeza da consciência de não ter feito nada, das suas intenções terem sido inutilidades, reais apenas para ele, sepultas ainda em vida no âmago do seu coração. Quis poder chorar mas tinha - e sentiu-o - a alma como que mirrada, seca, imaleável ao sentimento da dor. Suspirou apenas, mais mental do que fisicamente...
Pensando que cada passo na minha vida era um contacto com o horror do Novo, e que cada nova pessoa que eu conhecia era um novo fragmento vivo do desconhecido que eu punha em cima da minha mesa para quotidiana meditação apavorada — decidi abster-me de tudo, não avançar para nada, reduzir a acção ao mínimo, furtar-me o mais possível a que eu fosse encontrado quer pelos homens quer pelos acontecimentos, requintar sobre a abstinência e pôr a abdicação a bizantino. Tanto (o) viver me apavora e me tortura,(...) Se mostram interesse por mim, fujo. Se me olham, estremeço. (...) Tenho frio da vida. Tudo é caves húmidas e catacumbas sem luz na minha existência. Sou a grande derrota do último exército que sustinha o último império. Saibo-me a fim de uma civilização antiga e dominadora. Estou só e abandonado, eu que como que costumei mandar outros. Estou sem amigo, sem guia, eu a quem sempre outros guiaram...
Nem me ocorreu nunca que o plano, embora imperfeito, poderia ser mais perfeito que o do inimigo.
Agi sempre para dentro... Nunca toquei na vida... Sempre que esboçava um gesto, acabava-o em sonho, heroicamente... Uma espada pesa mais que a ideia de uma espada... Comandei grandes exércitos — venci grandes batalhas, gozei grandes derrotas — tudo dentro de mim...
Cada vez que o meu propósito se ergueu, por influência de meus sonhos, acima do nível quotidiano da minha vida, e um momento me senti alto, como a criança num balouço, cada vez dessas tive que descer como ela ao jardim municipal, e conhecer a minha derrota sem bandeiras levadas para a guerra nem espada que houvesse força para desembainhar.(...)
Meus pobres companheiros que sonham alto como os invejo e desprezo! Comigo estão os outros — os mais pobres, os que não têm senão a si mesmos a quem contar os sonhos e fazer o que seriam versos se eles os escrevessem —, os pobres diabos sem mais literatura que a própria alma, que morrem asfixiados pelo facto de existirem sem terem feito aquele desconhecido […] transcendente que habilita a viver.Uns são heróis e prostram cinco homens a uma esquina de ontem. Outros são sedutores e até as mulheres inexistentes lhes não ousaram resistir. Crêem isto quando o dizem, talvez o digam porque o creiam. Outros (...) E todos como enguias num alguidar, se enrolam entre eles e se cruzam uns acima dos outros e nem saem do alguidar. Às vezes falam deles os jornais. Os jornais falam d'alguns mais do que algumas vezes mas a fama nunca. Esses são os felizes porque lhes é dado o sonho mentido da estupidez.
Mas este horror que hoje me anula é menos nobre e mais roedor. É uma vontade de não querer ter pensamento, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente de todas as células do corpo e da alma. E o sentimento súbito de se estar enclausurado numa cela infinita. Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo?
Um telefonema, uma consulta e uma vitória - pequena, efémera, à minha medida: origem da palavra moinho.O termo moinho relaciona-se etimologicamente com a expressão latina molinum saxum, "mó", e com o verbo molere, "moer ou triturar cereais". O latinismo molino, que origina o vocábulo moinho, com o sentido atual, só surge na Idade Média, encontrando-se documentado no ano ano de 906.
“Niké” , Vitória, - representação de uma das figurações do templo de Athena Nikê, junto ao Partenon de Atenas. Esta construção do século IV aC é uma das formas mais perfeitas do ideal grego de harmonia.
Athena nikê - para a Maria Helena, um destaque justíssimo do jornal das letras, uma bonita homenagem de hélia correia, pese embora através de um poema não muito inspirado:
Partiu minha Senhora. Há muito já
que os sinais da cerimónia se alinhavam,
visíveis, sim, porém indecifráveis
pelos mortais.
Por exemplo, as magnólias recobriram
de púrpura os passeios. E na noite
passava às vezes a lição do júbilo
que há num solene adeus. Alguém talhava
novamente aquele mármore. A beleza
de um grande pensamento emchia as ruas.
Minha Senhora ainda se encontrava
na sua plena qualidade azul.
O seu olhar coincidia em tudo
com o olhar dos Aqueus.
Contrariamente àquilo que se pensou,
não deviam ao mar o tom das íris
mas ao fulgor precioso da palavra,
ao duro tracejado da palavra
através da montanha.
Esse relâmpago,
a escama da serpente reluzindo
sob o luar da Hélade.
Minha Senhora tinha esse segredo
preso dentro das mãos, um longo texto
que era um animal vivo, era um poema
com respiração.
Minha Senhora já esqueceu o número
das fontes que brotaram nas aldeias
por onda ela passou. Voava baixo
e achava tudo muito natural.
Falava-me, por vezes, dos abismos
fascinantes de Delfos. E eu temia
que ela não regressasse. Que perdesse,
como acontece frequentemente
aos muito sábios, a noção de casa.
Estava, porém o tempo predisposto
para um grande final. E aportou
a Barca carregada de flores brancas,
tão cuidadosa quanto triunfal.
Houve uma alteração no nevoeiro
do rio, uma leveza da matéria,
um véu que proibia as aproximações
decerto não por arrogância. Tudo
devia concentrar-se na tarefa.
Partiu minha Senhora. Nem deixou
que eu, como de costume, ajoelhasse
e lhe atasse as sandálias. Ela própria,
inclinando-se, o fez. E ajeitou,
ao levantar-se, as pregas do vestido
a que o mimoso linho do Egipto
dava uma ondulação inimitável.
Partiu minha Senhora como Athena
Nikê, Athena Vitoriosa.
Ninguém ouviu sequer fechar-se a porta.
As descidas para o Hades, como as derrotas neste mundo, devem sempre ser efetuadas silenciosamente: tudo o que verdadeiramente magoa exige silêncio.
O facebook é o império dos felizes e bem sucedidos: sinto-me insignificante, perante o brilho dos "meus amigos": tudo gente realizada, que acumula vitórias, mesmo que, pontualmente, haja uma derrota para lhes provar que deus é grande e os protege. Todos exibem sorrisos exemplares, cara lindas, amizades firmes e eternas, filhos perfeitos, maridos excecionais, pais e mães maravilhosos, irmãos excelentes, a família ideal, enfim, há algo que me fez pensar nos romances de júlio Dinis: tudo corre pelo melhor nos melhores dos mundos. Tal como Eça escreveria: vivem de leve, escrevem de leve, esperemos que a morte também lhes seja leve...
"Poema em linha reta", de álvaro de campos, transformado, por mim, em " Prosa cursiva":
Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;(...) Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que tenho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Uma vitória: conhecer a distinção entre lezíria, bairro e charneca...
A Lezíria corresponde às margens do rio Tejo, onde se situam as planícies inundáveis, de solos de ótima qualidade e elevada produtividade. Nesses terrenos, considerados dos melhores solos agrícolas do país, predomina a cultura de hortícolas, frutícolas, da vinha, de cereais, do girassol, e excelentes pastagens para criação de gado bovino e equino.
O Bairro corresponde ao território localizado na margem direita do Tejo, depois dos solos adjacentes ao rio, entre o vale do Tejo e a serra. Ocupa grande parte da área concelhia, sendo a região que maior área do concelho abrange. Apresenta um relevo pouco acentuado, ondulado entre os montes e as planícies, entrecortado por diferentes linhas de água, com solos mais pobres, argiloarenosos e argilocalcários, propícios para as culturas de sequeiro. Aí predominam culturas, tais como: o olival,a vinha, os cereais e culturas arbustivas e arbóreas. (Zambujeiro, Pinheiro-manso, Pinheiro-bravo, Carvalho e o Sobreiro).
A Charneca estende-se na margem esquerda do rio Tejo, dos terrenos inundáveis até ao Sul do Ribatejo (Alentejo). Aí, os solos arenosos são pouco produtivos e explora-se culturas que necessitam de pouca água. Nela encontra-se uma vasta área de montado de sobro, assim como, pinhal e eucaliptal. Em locais mais favoráveis é possível o cultivo de cereais e vinha, e arroz nas zonas mais irrigadas. Por ser uma zona muito seca e apresentar as mais altas temperaturas do Ribatejo, as uvas têm melhores condições para a maturação do que em outras áreas da região.
Há espaços em que todos os fracasso se superam; em que todas as derrotas se esquecem ; em que só se idealizam vitórias...
Não basta abrir a janela / Para ver os campos ..../ Não é bastante não ser cego / Para ver as árvores e as flores./ É preciso também não ter filosofia nenhuma./ Com filosofia não há árvores: há ideias apenas./ Há só cada um de nós, como uma cave./ Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,/Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
Aquilo que a gente lembra
É a música que a alma tem,
É o perfume que vem,
Vago, inútil, trazido
Por uma brisa de agrado,
Do fundo do que é esquecido,
Dos jardins do passado
Aquilo que a gente sonha
Sem saber de sonhar...
Aquela boca risonha
Que nunca nos quis beijar,
Aquela vaga ironia
Que uns olhos tiveram um dia...
Mas tudo é música se há
Alma onde a alma está,
E há um vago, suave, sono,
Um sonho morno de agrado,
Quando regresso, dono,
Aos jardins do passado.
Todo eu sou qualquer força que me abandona./ Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.
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