I'm afraid of day and night I'm breaking into thousand pieces Hands are touching me, again and again And I can't defeat myself Is this only a dream? Please tell me why...
Ela canta, pobre ceifeira... É, afinal, uma ceifeira que nem cantar consegue...
Ah, sempre me contentou que a plebe se divertisse.
Sou-lhe alheio à alegria, mas não alheio a que a tenha
Quero que sejam alegres à maneira deles.
Se o fossem à minha seriam tristes.
Não pretendo ser como eles, nem que eles sejam como eu.
Cada um no seu lugar e com a alegria dele
Cada um no seu ponto de espírito e faltando a língua dele.
Ouço a sua alegria, amo-a, não participo não a posso ter.
Põe-me o braço no ombro Eu preciso de alguém Dou-me com toda a gente E não me dou a ninguém Frágil Sinto-me frágil Faz-me um sinal qualquer Se me vires falar de mais Eu às vezes embarco Em conversas banais Frágil Eu sinto-me frágil...
A dureza, a fragilidade, a maleabilidade são os mesmos fenómenos, são factos justapostos a factos, e ficamos encerrados num círculo vicioso: quebra-se porque é frágil, é frágil porque se quebra. Nada explicamos...
Tu não estás só - não me sentes, real amiga imaginária? Distribui a dor que te deixei pelos famintos de dor, meu querido, pelos que não experimentaram ainda a mobilização do sofrimento. Faz-me existir nesse trabalho de conferir beleza aos dias póstumos. Havia uma criança abandonada chorando por detrás da porta, no centro da nossa cidade. Havia uma criança que acabou por morrer de fome, arranhando a porta, sem que os vizinhos, ouvindo esse choro incessante, se movessem. E se nessa criança habitasse o segredo derradeito da teoria quântica? Há tão poucas pessoas cujo talento possa salvar-nos - e nem sequer sabemos descobri-las e salvá-las. Consolamo-nos na beleza imediata das coincidências, escapa-nos a beleza catastrófica dos acasos.
Ninguém mais vai estar à minha espera, não terei de me disfarçar de desculpas, não voltarei a iludir ou desiludir ninguém. Como sabes, eu vivo por relâmpagos, contigo partilhei uma trovoada um pouco mais longa do que o habitual. Foi apenas isso. Há tantas coisas que nunca te disse – e dizias tu que eu falava demais. Flutuo por este noante em busca dessas palavras a menos, atravessadas entre nós como um longo corredor de prisão. (...) não te perdoo o que não soubeste saber de mim. (...) não me perdoo o que não soube verter-te de mim. Tanto que eu queria agora dar-te o amor total e infantil que tinha para te dar. Racionei-o a vida inteira como um chocolate de leite – por que vivemos como se o tempo nos pertencesse infinitamente, como se pudéssemos repetir tudo de novo, como se pudéssemos alguma coisa?.
Consolamo-nos na beleza imediata das coincidências, escapa-nos a beleza catastrófica dos acasos. Ainda terei tempo para te esquecer? O teu riso em carrossel, é esquecível? Demasiado tarde. São estas as palavras mais tristes de qualquer língua. Tão efémeras, as cumplicidades radiosas. Terei saudades de ti, ou da inocência que tinhas quando te conheci? Só vivendo sobre a mudança se podia evitar a dor, só contornando a monstruosa perfeição do tempo se podia vencê-lo. Assim pensava, e enganei-me, porque o tempo não é pensável.Os seres que criáramos precisavam de nos matar para sobreviver. E nós deixámo-nos matar, porque está na natureza do amor estilhaçar-se sem ruído, desfazer-se em vidros e pesar-nos. Tudo o que tocamos se desfaz. Depois fica-nos o vício da decomposição, o perfume intoxicante das coisas mortas.
Encontrámo-nos demasiado cedo numa civilização descrente de encontros definitivos. Entendíamo-nos inteiramente.
Sentia uma vontade violenta de me desmoronar em ti. Não, não era fazer amor. Fazer amor não existe, o amor não se faz. O amor desaba sobre nós já feito, não o controlamos. Durante muitos meses apenas nos víamos. Não nos olhávamos. Até que veio ter connosco aquele momento. Sabes que começo a esquecer o som do teu riso? Sei tão pouco de ti. Foi sem querer. Se deixei de te comover, de te divertir, de te inspirar, (...) Foi sem querer que te copiei, para não te perder, para não perceberes que eu se calhar não era capaz.
Tive Prazer a durar Mais do que o nada, a perda, antes de eu o ir Gozar.
Acontece-me às vezes, e sempre que acontece e quase de repente, surgir-me no meio das sensações um cansaço tão terrível da vida que não há sequer hipótese de acto com que dominá-lo. Para o remediar o suicídio parece incerto, a morte, mesmo suposta a inconsciência, ainda pouco. É um cansaço que ambiciona, não o deixar de existir — o que pode ser ou pode não ser possível —, mas uma coisa muito mais horrorosa e profunda, o deixar de sequer ter existido, o que não há maneira de poder ser.
Creio entrever, por vezes, nas especulações, em geral confusas, dos índios qualquer coisa desta ambição mais negativa do que o nada. Mas ou lhes falta a agudeza de sensação para relatar assim o que pensam ou lhes falta a acuidade de pensamento para sentir assim o que sentem. O facto é que o que neles entrevejo não vejo. O facto é que me creio o primeiro a entregar a palavras o absurdo sinistro desta sensação sem remédio.(...) Os males da inteligência, infelizmente, doem menos que os do sentimento, e os do sentimento, infelizmente, menos que os do corpo. Digo «infelizmente» porque a dignidade humana exigiria o avesso. Não há sensação angustiada do mistério que possa doer como o amor, o ciúme, a saudade, que possa sufocar como o medo físico intenso, que possa transformar como a cólera ou a ambição. Mas também nenhuma dor das que esfacelam a alma consegue ser tão realmente dor como a dor de dentes, ou a das cólicas, ou (suponho) a dor de parto. De tal modo somos constituídos que a inteligência que enobrece certas emoções ou sensações, e as eleva acima das outras, as deprime também se estende a sua análise à comparação entre todas.
Escrevo como quem dorme, e toda a minha vida é um recibo por assinar.
Existir é tão fácil:só há meia dúzia de problemas...
1- Desaparecimento do tempo...
Necessidade do tempo em que muito tempo era um, dois,três dias... O tempo deixou de ser medido em segundos, minutos, horas e dias. Estas unidades mínimas deixaram de signficar, o tempo só é mensurável em meses: um, dois,três... arrastando-se lenta e dolorosamente. Os meses tornar-se-ão anos: um, dois,três...e tudo começará a esvair-se, a perder sIgnificado, transformando-se numa memória difusa. O presente e o futuro tornam-se passado, convergindo numa amálgama opaca, e o tempo deixará de existir...
...eu não tenho problemas tenho só mistérios.
2- Insolubilidade...
(...) esta melancolia sombria, acumulada em mim por um pensamento constante, um pensamento muito acima do meu alcance: que tudo na vida não tem importância. Sim, este pensamento ocupa-me há já muito tempo, mas a convicção completa só apareceu em mim, no ano passado. Tudo é sem importância, eis a verdade. Existirá o mundo? Ou não haverá nada em nenhuma parte? E tive a revelação de que não há nada à minha volta. Parecia-me, no entanto, que até essa altura estive rodeado por seres estranhos a mim, mas compreendi que eram aparências infrutíferas. Nada existiu, nada existe, nada existirá. Deixei logo de me irritar com os outros e de me ocupar deles. Palavra! Até chocava com os transeuntes, de tão alheado que estava. Contudo, alheado por quê? Tinha deixado de pensar. Tudo me era indiferente. Ainda se eu procurasse resolver os grandes problemas! Eu não resolvia nada, os problemas bloqueavam-me em vão; tudo se tornou para mim sem importância, e todos os problemas se dissiparam.
Todos os problemas são insolúveis. A essência de haver um problema é não haver uma solução. Procurar um facto significa não haver um facto. Pensar é não saber existir.
Nenhum problema tem solução. Nenhum de nós desata o nó górdio; todos nós ou desistimos ou o cortamos. Resolvemos bruscamente, com o sentimento, os problemas da inteligência, e fazêmo-lo ou por cansaço de pensar, ou por timidez de tirar conclusões, ou pela necessidade absurda de encontrar um apoio, ou pelo impulso gregário de regressar aos outros e à vida. Como nunca podemos conhecer todos os elementos de uma questão, nunca a podemos resolver.Para atingir a verdade faltam-nos dados que bastem, e processos intelectuais que esgotem a interpretação desses dados.
O pasmo que me causa a minha capacidade para a angústia. Não sendo, de natureza, um metafísico, tenho passado dias da angústia aguda física mesmo, com a indecisão dos problemas metafísicos e religiosos... Vi depressa que o que eu tinha por a solução do problema religioso era resolver um problema emotivo em termos da razão.
Às vezes passam Em mim relâmpagos do pensamento Intuitivo e aprofundador Que angustiadamente me revelam Momentos dum mistério que apavora;(...) E eu talvez à ternura outrora afeito (Se o pensamento me não dominasse) Sinto — como não sei — a alma mirrada E pálida no ser. Não é apenas, (...), o pensamento Que assim me traz; é o pensamento fundo, A consciência funda e absoluta De todos os problemas minuciosos Do mundo, transsentidos no meu ser.
FAUSTO: (só) Em todo os raciocínios em que vivo Aquele (...) nunca fizera. Como aquelas palavras me feriram! Sim, por que ter orgulho — para quê? Mas — ah, quantos problemas e mistérios Essas palavras dum inconsciente Me abrem no pensamento. Que intenso Atropelar de (?) e teorias De raciocínios, conclusões d'espírito Mal geradas dentro em mim, Não poder apagar este tormento; Não poder despegar-me deste ser; Não poder esquecer-me desta vida...
3- Ser...
Sou daquelas almas que as mulheres dizem que amam, e nunca reconhecem quando encontram; daquelas que, se elas as reconhecessem, mesmo assim não as reconheceriam. Sofro a delicadeza dos meus sentimentos com uma atenção desdenhosa. Tenho todas as qualidades, pelas quais são admirados os poetas românticos, mesmo aquela falta dessas qualidades, pela qual se é realmente poeta romântico. Encontro-me descrito (em parte), em vários romances como protagonista de vários enredos; mas o essencial da minha vida, como da minha alma, é não ser nunca protagonista. Não tenho uma ideia de mim próprio; nem aquela que consiste em uma falta de ideia de mim próprio. Sou um nómada da consciência de mim. Tresmalharam-se à primeira guarda os rebanhos da minha riqueza íntima. A única tragédia é não nos podermos conceber trágicos. Vi sempre nitidamente a minha coexistência com o mundo. Nunca senti nitidamente a minha falta de coexistir com ele; por isso nunca fui um normal.
Cumpre-me agora dizer que espécie de homem sou.(...) Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Para mim, nada é nem pode ser positivo; todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, incerto para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mutação. Tudo é mistério, e tudo é prenhe de significado.(...) Pelas minhas tendências naturais, pelas circunstâncias que rodearam o alvor da minha vida, pela influência dos estudos feitos sob o seu impulso (estas mesmas tendências) — por tudo isto o meu carácter é do género interior, autocêntrico, mudo, não auto-suficiente mas perdido em si próprio. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror da e na incapacidade que impregna tudo aquilo que sou, física e mentalmente, para actos decisivos, para pensamentos definidos. Jamais tive uma decisão nascida do auto-domínio, jamais traí externamente uma vontade consciente. Os meus escritos, todos eles ficaram por acabar; sempre se interpunham novos pensamentos, extraordinárias, inexpulsáveis associações de ideias cujo termo era o infinito. Não posso evitar o ódio que os meus pensamentos têm a acabar seja o que for; uma coisa simples suscita dez mil pensamentos, e destes dez mil pensamentos brotam dez mil inter-associacões, e não tenho força de vontade para os eliminar ou deter, nem para os reunir num só pensamento central em que se percam os pormenores sem importância mas a eles associados. Perpassam dentro de mim; não são pensamentos meus, mas sim pensamentos que passam através de mim. Não pondero, sonho; não estou inspirado, deliro.(...) O meu carácter é tal que detesto o começo e o fim das coisas, pois são pontos definidos. Aflige-me a ideia de se encontrar uma solução para os mais altos, mais nobres, problemas da ciência, da filosofia; a ideia que algo possa ser determinado por Deus ou pelo mundo enche-me de horror. Que as coisas mais momentosas se concretizem, que um dia os homens venham todos a ser felizes, que se encontre uma solução para os males da sociedade, mesmo na sua concepção — enfurece-me. E, contudo, não sou mau nem cruel; sou louco, e isso duma forma difícil de conceber.
Embora tenha sido leitor voraz e ardente, não me lembro de qualquer livro que haja lido, em tal grau eram as minhas leituras estados do meu próprio espírito, sonhos meus — mais, provocações de sonhos. A minha própria recordação de acontecimentos, de coisas externas, é vaga, mais do que incoerente. Estremeço ao pensar quão pouco resta no meu espírito do que foi a minha vida passada. Eu, um homem convicto de que hoje é um sonho, sou menos do que uma coisa de hoje.
4- Sermos...
O problema que nos confronta é três problemas: como transformar o indivíduo português? como transformar o estado português? como transformar a nação portuguesa?
Estes problemas têm que ser aceites na base da sua realidade. Quando se trata de transformar o indivíduo português, trata-se de transformar o indivíduo português actual, e não um indivíduo português abstracto, que se chama, em português, Ninguém. Quando se trata de transformar o estado português trata-se de extrair um estado português da situação de ditadura militar, que é a que existe, e não de outra qualquer coisa que não exista, e de onde, portanto, se não pode extrair coisa alguma. Quando se trata de transformar a nação portuguesa, trata-se de construir a mentalidade nacional sobre os alicerces que há e não sobre os alicerces que já aqui não estão, ou sobre os que hão-de vir, que é a maneira estúpida de dizer os que naturalmente nunca vêm.
Temos pois que estudar a maneira de transformar o português presente em ente humano; de transformar o estado português, na sua presente forma transitória, em estado constituído e certo; de dar à nação portuguesa uma orientação definida, partindo de onde estamos, e não de outra parte qualquer.Este problema complexo torna-se simples se nos lembrarmos de olhar para ele, e não para outro lado do espaço social.É no interregno que nascem os Reis. Não se trata, infelizmente, de reis gente, mas de reis metáfora.
5-Ler / Traduzir ...
O leitor da obra de Nietzsche é ele mesmo constrangido a abordar os textos deste pensador de maneira tateante: se num primeiro momento a leitura parece impossível de dominar, a segunda parte da contribuição lembra que uma leitura metódica pode ser considerada, leitura que não pode, todavia, pretender absorver totalmente as dificuldades colocadas pelo pensamento de Nietzsche. O Versuch nietzschiano conduz, por conseguinte, a construir um Versuch do leitor em um caminho que, de forma mais ampla, convida a considerar a obra de Nietzsche como problema ("als Problem").
De maneira radical e inovadora, Nietzsche faz do pensamento um Versuch, isto é, uma filosofia concebida como "ensaio", "tentativa", ou "experimentação", ao contrário de toda a pretensão dogmática. A verdade imutável e, então, fixa, é substituída por Nietzsche por um estudo constantemente renovado, diferenciando -se sempre de um estado precedente da pesquisa, daí a emergência de uma obra abundante. É verdade que o nome "Versuch" poderia ser interpretado como uma dívida de pensadores tão diversos como Montaigne e Emerson, dois autores de "ensaios" famosos, porém, mais largamente, Nietzsche considera a própria vida como Versuch.(...)
Nestas condições, o Versuch seria o pensar enquanto processo por meio do qual uma proliferação recorrente de ideias se traduz em ato, até mesmo uma contingência residual, em que a manifestação constante do niilismo sobre a cena histórica impede esta concretização, ou seria o ponderar enquanto uma multiplicação de interpretações em potência, à maneira do funcionamento de um tipo de "laboratório" em que a razão de ser residiria definitivamente na produção de hipóteses múltiplas, estimulantes, verdadeiramente fecundas no que diz respeito ao plano intelectual, no sentido de um impulso incessante do questionamento, nem sempre plenamente aplicável? Parece, assim, que o alcance efetivo do método filosófico de Nietzsche é o próprio pensar como problema, manifestação da vida como Versuch, porém, o filosofar nietzschiano conduz necessariamente a um Versuch do leitor a ser esclarecido.
Opinião de Raquel Costa, "a gaja":
"Não se trata efectivamente de uma leitura fácil – quer no que diz respeito à forma, quer ao tom, quer ao conteúdo. Exige algum espírito de sacrifício, alguma luta interior, resistência para sobreviver-lhe. Essencialmente, exige paciência e dedicação para lhe captar todas as nuances, já que a grande riqueza do texto reside também no estilo, e na sua construção complexa como uma sinfonia.
Trata-se sem dúvida de uma obra-prima da literatura do século XX, mas acima de tudo também da grande obra da vida de Malcolm Lowry, ora subtil ora descaradamente autobiográfica; aquela na qual não só o autor se recriou e sublimou enquanto personagem, mas em que também exibiu a sua mestria, inigualável, no domínio da narrativa através da própria forma da linguagem. Obra sucessivamente reconstruída e burilada durante quase 10 anos, Debaixo do Vulcão resulta naturalmente num portento que desafia os nervos de qualquer um. Para mais, conheço poucos autores com tão afirmada auto-consciência do processo criativo e tão justo juízo crítico sobre os elementos de estilo que ganham forma num romance escrito por si. Aquilo que, em suma, caracteriza o estilo de Debaixo do Vulcão é a marca de uma espécie de discurso desordenado, sobrepondo camadas sobre camadas sobre camadas, tornando muito difícil ao leitor a apreensão em pleno de toda a intrincada arquitectura da narrativa: aquilo que o próprio Lowry reconhece como sendo a marca de quem, querendo dizer seis coisas em simultâneo, se recusa à solução de dizê-las em sequência, pelo que abre parêntesis dentro de parêntesis dentro de parêntesis, como se o texto se abrisse e revelasse ao leitor não segundo uma estrutura linear simples, mas antes como um conjunto de bonecas russas encontradas sucessivamente umas dentro das outras.Além disso, encontramos ainda outro pormenor de estilo muito interessante: esse discurso desordenado, elaborado por meio síncopes, interrupções, mudanças de direcção, avanços e recuos, acaba por imprimir na forma do texto a marca ilustrativa das deambulações mentais desordenadas e voláteis de um alcoólico irrecuperável, que é em simultâneo o autor/narrador e a figura da personagem do Cônsul, na qual este se projecta. Por esse motivo, a leitura empenhada de Debaixo do Vulcão induz um certo espírito de desequilíbrio no leitor – acabamos por sentir-nos também vagamente embriagados. Agora percebo então que a leitura não deveria arrastar-se durante três meses, mas antes é tarefa para ser repetida até à coragem de o devorar de um fôlego só.Lowry projecta-se na figura do Cônsul, o alcoólico irrecuperável, que encontra na bebida uma forma muito particular de lucidez; o único estado em que se acha capaz de raciocinar com clareza (ainda que muito mais lentamente) e enfrentar a desordem natural das coisas. A mulher do Cônsul, Yvonne, surge como uma mistura das duas esposas de Lowry, Jan Gabrial – que evoca o lado sombrio do casamento, o fracasso, a depressão, e em última instância o abandono e o refúgio violento no álcool – e Margerie Bonner – aquela através da qual nos deixa entrever uma porta para a felicidade, um sonho vago de uma casa à beira-mar, um vislumbre da salvação, a redenção. As relações entre as personagens, as várias dimensões do enredo, o próprio fio condutor da narrativa, nunca chegam a ser revelados de forma clara e directa – o que encontramos são fragmentos de uma história que nos chegam, frequentemente desconexos e desencontrados de um sentido aparente, segundo a perspectiva, em reflexão, das várias personagens. Ainda assim, esta espécie de mosaico que forma o quadro incompleto do que é o romance que Lowry quis escrever, permite construir uma rede subtil de deduções, através das quais é possível preencher alguns dos espaços em branco da história.
A narrativa desenrola-se ao longo de 12 capítulos, que correspondem (ainda que não linearmente) às 12 horas em que decorre o tempo real da acção. Ainda assim, o autor logo nos confunde: o diálogo de Jacques Laruelle com o Dr. Vigil no Dia dos Mortos de 1938 corresponde ao final da história, os acontecimentos de que falam são ainda absolutamente obscuros para nós; o capítulo seguinte procede à analepse e reencaminha-nos para o Dia dos Mortos de 1937, 12 meses antes – uma vez mais, a simbologia do número de capítulos não surge ao acaso. Poucos são os factos inequivocamente enunciados. Sabemos efectivamente que a mulher do Cônsul o abandonou, mas desconhecemos a ordem de eventos que conduziram a esse desfecho; podemos, por exemplo, intuir as traições da esposa do Cônsul, que terão induzido este ao alcoolismo desenfreado, ou teria sido antes o alcoolismo desenfreado do Cônsul, que terá conduzido a mulher a procurar outros homens…
A ambiguidade é quase sempre dominante. Aquilo que é claro, nesta espiral decadente em que embarcam, de um modo ou de outro, todas as personagens, é a impossibilidade de determinar com precisão o que terá originado o impulso destrutivo. A figura do Cônsul é arquetipal, o homem que se considera perdido e, por conseguinte, sem remédio: o abandono da mulher fá-lo sofrer, ama-a e deseja tê-la de volta; por outro lado, já se encontra demasiado distante da possibilidade de uma reconciliação, já não tem esperança, o amor não se basta sequer a si mesmo. Assim, incapaz de viver sem Yvonne, mas também já incapaz de saber como aceitá-la de volta, o Cônsul encontra-se perdido num limbo, um oceano turbulento, em que apenas a bebida parece impedi-lo de se afogar. Temos enfim o retrato de uma descida aos infernos, implacável e sem recurso. A simbologia é permanente: o barranco, ou precipício, evocado logo nas primeiras páginas do livro tem na região precisamente o nome de “Buraco do Inferno”; e é também do inferno que nos fala o autor no já referido
prefácio, quando descreve a simbologia mística implícita em Debaixo do Vulcão...
Parece-me arriscado dizer-se se o livro vai vender bem ou não. Mas existe qualquer coisa de intrínseco no destino da sua criação que parece indicar que vai vender-se durante muito tempo.
A edição portuguesa, da Relógio d’Água, é inequivocamente a mais bonita e mais cuidada do mundo. Já a opção de aproveitar a tradução já existente, da Livros do Brasil, a meu ver, é discutível. Nem me vou alongar a apontar a infinidade de gralhas resultantes de uma revisão gráfica nitidamente deficiente. Mas à revisão da tradução no mínimo falta-lhe brio. E se é mais ou menos aceitável que uma gralha possa não perturbar a natureza do conteúdo lido, já não é tão aceitável que no texto se deturpe, modifique e até suprima parcialmente aspectos do texto original. Dois exemplos:
1) A tradutora não percebe a referência a “The Fall of the House of Usher” de Edgar Allan Poe e traduz «darkness had fallen, like the house of Usher» para «Como na casa de Usher, a escuridão acabara por se apossar de tudo». Já estamos a perder o sentido. Numa obra tão intimamente comprometida com as possibilidades de riqueza simbólica da língua, isto mortifica o espírito da coisa.
2) Na página 42 podemos ler, em português: «Embora as luzes houvessem voltado ao teatro e à cantina, nem por isso o espectáculo recomeçara. Laruelle encontrou-se sozinho, a uma mesa de canto que vagara na Cervecería XX, diante de mais um cálice de anis. Mantinha-se muito direito, com o livro das peças isabelinas fechado em cima da mesa a olhar para a raqueta encostada às costas da cadeira, que tinha em frente e que reservara para o Dr. Vigil.»
Já na página correspondente em inglês, lemos: «The lights had dimly come on again both in the theatre and the cantina, though the show had not recommenced, and M. Laruelle sat alone at a vacated corner table of the Cervecería XX with another anis before him. His stomach would suffer for it: it was only during the last year he had been drinking so heavily. He sat rigidly, the book of Elizabethan plays closed on the table, staring at the tennis racket propped against the back of the seat opposite he was keeping for Dr. Vigil.» Não sei o que terá acontecido ao estômago do pobre Laruelle durante a tradução, mas é certo que se perdeu. Eu só perguntaria por que carga de água… "
Gosto de prefácios. Por vezes não continuo a ler e é possível que neste caso os meus leitores não continuem. Se assim for, este prefácio não terá atingido o seu objectivo,que é de tornar muito mais fácil a compreensão de Debaixo do vulcão. De qualquer modo , leitor, não consideres estas páginas com uma afronta à tua intelgência,pois elas mostram,pelo contrário,que em certas ocasiões o autor põe em causa a sua. Este romance tem como tema as forças que habitam o interior do homem,e que o levam a assustar-se consigo próprio. O tema é também o da queda do homem,o dos seus remorsos,e do seu incessante combate para alcançar a luz,sob o peso do passado,ou do seu destino. A alegoria é a do jardim do Éden, e o jardim representa este mundo, de que corremos o risco de ser expulsos,talvez mais agora do que na altura em que escrevi o livro.Num desses muitos planos de significação,a bebedeira do Cônsul deve simbolizar a bebedeira universl durante a guerra,ou durante o período que a antecedeu,ou em qualquer altura. Ao logo dos doze capítulos o destino do meu herói pode ser considerado em relação com o destino da humanidade.(...)
6- Viver ...
Desde Shakespeare e Schopenhauer, até Marx, Sartre e Becket, de modo muito mordaz e bem humorado, Eagleton explica até que ponto se tornou especialmente problemático, na era contemporânea, encontrar um sentido para a existência. Em vez de de sermos honestos e confessarmos que a desorientação domina as nossas vidas, refugiamo-nos num sem fim de atividades, cada qual a mais disparatada...
Uma perpetiva engenhosa e estimulante sobre a mais pertinente das interrogações: qual é sentido da vida?
The philosophy of language can be applied to questions of any kind, how meaning can be understood and applied, and where the limits of questioning lie ...
Made a meal and threw it up on sunday, I've Gotta lot of things to learn Said I would and I'll be leaving one day Before my heart starts to burn So what's the matter with you? Sing me something new Don't you know? The cold and wind and rain don't know They only seem to come and go away...
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