Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

domingo, 10 de julho de 2016

Dia de bola e de parábolas..

Se eu conseguisse sentir qualquer coisa, além desta apatia que me isola de tudo e de todos... Deixei de tentar que acreditem em mim... É-me absolutamente indiferente o resultado: portugal ser ou não campeão da europa não significa nada, nada...Consigo experimentar um simulacro de emoção num benfica-porto, mas, nestas competições que põem à prova o nacionalismo, tudo me incomoda: as bandeirinhas; as máscaras de um colorido patrioteiro; os gritos alarves de seres que exibem horríveis dentições, típicas do subdesenvolvimento lusitano; a garra com que gritam " Viva portugal!!!" ...

O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas. - disse saramago.

Alguma vez lhe passaria pela cabeça escrever contos sobre futebol?
Não… Não. E a razão é simples: trata-se de um mundo que não conheço. Em princípio, quem escreve deve ter muito cuidado e se não meter por assuntos que não domina. Da mesma maneira que não seria capaz de escrever um romance ou um conto em que a personagem principal fosse um presidente do conselho de administração de uma empresa multinacional, também não seria capaz de me meter na pele de um dirigente de um clube de futebol ou de um jogador de futebol.

O distanciamento entre si e o desporto é assim tão grande?
Bom, eu joguei ténis durante muitos anos, vivia na Parede e tinha acesso fácil . Nado, como qualquer pessoa nada, pratiquei um desporto menos que amadorístico, as mudanças da minha vida afastaram-me da prática desportiva. Mas distanciamento não posso dizer que haja. Sou dos que assistem aos espetáculos confortavelmente sentados frente à televisão. Gosto de ver umas modalidades bem menos que outras. O salto em comprimento, por exemplo, aborrece-me porque é excessivamente repetitivo. Mas aprecio as corridas. As corridas que não são de longa distância, porque essas são excessivamente táticas, deixando a resolução para as últimas voltas, dando vontade de perguntar para que é que se correram todas as voltas anteriores. O futebol tem o velho problema: ou é bem ou mal jogado.
Tal como os livros. Ou são bem ou mal escritos… E, da mesma maneira que um livro mal escrito se torna entediante, também me sucede estar a ver um jogo de futebol e deixá-lo a meio. Além disso, o futebol de hoje tem uma coisa que não suporto e que é o jogo violento. Não o jogo violento no sentido… razoável. Não é preciso embrulhar os jogadores em algodão-em-rama. Mas existe uma violência, assente na crueldade, que não aceito. Que me incomoda.


O futebol deixou de exercer em si qualquer atração. Qual foi o porquê da desilusão? Houve alguma razão especial para isso?
Não. Eu fui sócio do Benfica com os meus oito ou nove anos. Por influência do meu pai, claro, ele era um benfiquista ferrenho, no tempo do Estádio das Amoreiras. Mas depois as mudanças de vida levaram-me por outros caminhos. Não me apetecia estar a sair de casa para ver um jogo. Nunca fui suficientemente entusiasta para andar de bandeira e cachecol e toda essa parafernália que fez com que o espetáculo se tenha deslocado do campo para as arquibancadas. O que, aliás, está de acordo com os atuais costumes do mundo. Além do mais desagradei-me…
Também não quero estar aqui com a conversa saudosista do “antigamente é que era bom”. Mas a verdade é que, nessa época, o jogador tinha o seu clube, e clube e jogador estavam pegados um ao outro. A camisa era uma coisa respeitável. Quase como uma outra bandeira. E o Benfica viveu o orgulho de só ter jogadores portugueses… Num tempo não muito distante. E agora o que é que acontece? Caiu-se num exagero. Onde estão hoje o Benfica, o Sporting, o Porto? O futebol não passa de um negócio. Desapareceu uma certa solidariedade de grupo. Isso fez-me desinteressar pelo futebol, mas também é certo que nunca fui um grande aficionado.


Por quem torce?
(...)prefiro sempre aqueles que fazem o seu trabalho bem feito. E se uma boa equipa alemã joga com uma boa equipa portuguesa, vejo por vezes a minha preferência cair para aquele que está a jogar melhor, independentemente do patriotismo. Com uma exceção, em todo o caso: quando um pequeno joga com um muito grande, mesmo que jogue mal, estou a favor do pequeno.

O poeta T. S. Eliot, por acaso também ele Nobel lá pelos idos de 48, dizia que “o futebol é um elemento fundamental da cultura contemporânea”. Que comentário lhe merece esta frase?
O comentário que essa frase me merece é o de que nem sempre os poetas têm razão. Essas coisas são sempre muito pessoais. E nada pior do que as citações dos escritores. Primeiro, porque correspondem a uma ideia pessoal; depois, porque as formulam como se fossem ideias universais. O futebol converteu-se num espetáculo e já nada tem praticamente de desporto. Apenas isso.

Para os outros, este domingo é um dia de praia, haverá jantarada com os amigos para ver o joguinho. Para mim ,sendo dia de nada, dedico-me a conhecer um(a) escritor(a) que ninguém sabe quem é : Elena Ferrante. Não me arrependo de meu anonimato. Descobrir a personalidade do escritor através das histórias que propõe, das suas personagens, dos objetos e paisagens que descreve, do tom da sua escrita, não é mais nem menos que um bom modo de ler.


A minha mãe afogou‑se na noite de 23 de Maio, dia do meu aniversário, no braço de mar em frente da localidade que chamam Spaccavento, a poucos quilómetros de Minturno. Exactamente naquela zona, no fim dos anos 50, quando o meu pai ainda vivia connosco, alugávamos no Verão um quarto numa casa rural e passávamos o mês de Julho a dormir os cinco dentro de escassos noventa metros quadrados. Todas as manhãs nós, crianças, bebíamos o ovo fresco, cortávamos para o mar pelo meio de canas altas por caminhos de terra e de areia e íamos tomar banho. Na noite em que a minha mãe morreu, a proprietária daquela casa, que se chamava Rosa e tinha então mais de setenta anos, ouviu bater à porta mas não abriu com medo dos ladrões e dos assassinos.

Sentia‑me cansada de tudo. Desde que tinha chegado à cidade nunca mais parara. Durante alguns dias acompanhara o meu tio Filippo, o irmão da minha mãe, nas voltas pelo caos das repartições, entre pequenos mediadores capazes de apressar os trâmites burocráticos dos processos ou experimentando nós mesmos, depois de longas filas nos balcões, a disponibilidade dos empregados para ultrapassar obstáculos intransponíveis em troca de avultadas gorjetas. Por vezes o meu tio tinha conseguido obter alguns resultados ostentando a manga vazia do casaco. Perdera o braço direito já em idade avançada, aos cinquenta e seis anos, trabalhando no torno de uma oficina da periferia, e desde então usava aquela sua invalidez ora para pedir favores, ora para augurar a quem lhos negava a mesma desgraça. Mas conseguira os melhores resultados desembolsando muito dinheiro que não era devido.Assim, tínhamos obtido rapidamente os documentos necessários, as autorizações nulas de não sei quantas autoridades competentes, verdadeiras ou inventadas, um funeral de primeira classe e, o mais difícil,um lugar no cemitério.

Para os outros, este domingo será para assistir a uma derrota ou a uma vitória... Para mim, será um domingo para pensar em quantos césares não fui...

Tenho sonhado muito. Estou cansado de ter sonhado, porém não cansado de sonhar. De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos. Em sonhos consegui tudo. Também tenho despertado, mas que importa? (...) Quantos Césares fui, aqui mesmo, na Rua dos Douradores. E os Césares que fui vivem ainda na minha imaginação; mas os Césares que foram estão mortos, e a Rua dos Douradores, isto é, a Realidade, não os pode conhecer. Atiro com a caixa de fósforos, que está vazia, para o abismo que a rua é para além do parapeito da minha janela alta sem sacada. Ergo-me na cadeira e escuto. Nitidamente, como se significasse qualquer coisa, a caixa de fósforos vazia soa na rua que [se] me declara deserta. Não há mais som nenhum, salvo os da cidade inteira. Sim, os da cidade dum domingo inteiro — tantos, sem se entenderem, e todos certos. Quão pouco, no mundo real, forma o suporte das melhores meditações. O ter chegado tarde para almoçar, o terem-se acabado os fósforos, o ter eu atirado, individualmente, a caixa para a rua, mal-disposto por ter comido fora de horas, ser domingo a promessa aérea de um poente mau, o não ser ninguém no mundo, e toda a metafísica. Mas quantos Césares fui!

Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?

Quantos Césares fui!

Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão —
Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!


Para os outros, haverá um quaresma, a correr atrás de uma bola...Eu prefiro o dr. quaresma, o de fernando pessoa, "a estoirar-me a alma como uma bola de sabão" :

O Dr. Quaresma desligou as mãos detrás das costas, olhou sem expressão e rapidamente para mim, e, estendendo a mão direita de repente, tocou-me no ombro. Depois tomou à posição em que estava, as mãos outra vez atrás das costas, atadas, e os olhos perdidos sobre o Tejo. Como uma bola de sabão, estoirou-me a alma, sem ruído, dentro de mim. Fiquei suspenso de um vácuo interior, sem razão, sem fala, sem gesto. Se o Dr. Quaresma tivesse dito qualquer coisa, eu teria respondido qualquer coisa, teria tido a que adaptar a minha razão e a minha voz. Ao silêncio não pude responder nada. O seu gesto era guilhotinante. No longo espaço de curtos segundos tentei desesperadamente formar uma atitude, uma palavra, um gesto, qualquer coisa... Não pude... e então compreendi violentamente quanto pode em nós, se sabem excitá-la, a consciência da culpabilidade. Fosse eu inocente, e alguma coisa diria, alguma coisa sucederia. Com cada fracção de segundo do meu silêncio a minha culpabilidade enchia o espaço. Com cada fracção da minha consciência desse silêncio aumentava a minha incapacidade de falar, de agir, de me defender. A minha derrota era completa. No fim do que deviam ser poucos segundos reconheci-o inteiramente.(...) O Dr. Quaresma olhou então em cheio para mim, e disse-me com grande simplicidade: «Eu não tenho nada a dizer. Como já compreendeu, decifrei — posso dizer-lhe que decifrei com muita facilidade — o seu caso. O resto é consigo».

Para os outros, o jogo está prestes a começar. Eu vou caminhar pelas ruas praticamente desertas , a ouvir o silêncio...

Há um cansaço da inteligência abstracta e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço do corpo nem inquieta como o cansaço pela emoção. É um peso da consciência o mundo, um não poder respirar com a alma.(...) O mistério da vida dói-nos e apavora-nos de muitos modos. Umas vezes vem sobre nós como um fantasma sem forma, e a alma treme com o pior dos medos — a da incarnação disforme do Não-ser. Outras vezes está atrás de nós, visível só quando nos não voltamos para ver, e é a verdade toda no seu horror profundíssimo de a desconhecermos. Mas este horror que hoje me anula é menos nobre e mais roedor. É uma vontade de não querer ter pensamento, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente de todas as células do corpo e da alma. E o sentimento súbito de se estar enclausurado numa cela infinita. Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo?

Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim —
Um bocado de ti e de mim!...


Hoje foi dia de bola e portugal é campeão...Há muita gente eufórica: a minha rua está em festa. Vou à varanda ver a alegria passar...

Ah, sempre me contentou que a plebe se divertisse.
Sou-lhe alheio à alegria, mas não alheio a que a tenha
Quero que sejam alegres à maneira deles.
Se o fossem à minha seriam tristes.
Não pretendo ser como eles, nem que eles sejam como eu.
Cada um no seu lugar e com a alegria dele
Cada um no seu ponto de espírito e faltando a língua dele.
Ouço a sua alegria, amo-a, não participo não a posso ter.


Precisa-se de um novo camões: heróis e matéria épica já temos!!!

A mais curta parábola de kafka:Tu és o problema a resolver. Para onde quer que olhes, nem um estudante à vista.

A preferida: Acontece que as sereias têm uma arma ainda mais terrível que o canto - o seu silêncio. Na verdade nunca aconteceu, mas é perfeitamente plausível imaginar que alguém se pudesse salvar do seu canto. Do seu silêncio, certamente que não. Nada de terreno pode resistir à sensação de as ter vencido com as próprias forças, à arrogância que, na sequência disso, tudo derrubaria. E, de facto, quando Ulisses passou, estas portentosas cantoras não cantaram. Ou porque pensaram que a este adversário só lhe chegava o silêncio, ou, porque, à vista da felicidade estampada na cara de Ulisses, que só pensava em ceras e correntes, esqueceram de vez a cantoria.


No mundo de Kafka, um mundo em que uma grande diversidade de figuras — humanas, híbridas, animais, sobre-humanas, míticas — se movem no espaço deixado vazio por todas as instâncias de recurso ou de validação universal da acção individual, um vazio que se espelha na própria linguagem — pobre, da omissão, do gesto e do silêncio —, ninguém pensa que pode dar um passo no sentido da verdade, porque ele seria um passo de um inferno para outro. Nesse mundo em que, afinal, ninguém está só, o de uma obra que, como escreveu Barthes, 'se ajusta a toda gente, mas não serve a ninguém' , joga-se um jogo que ninguém pode ganhar. […] A maior parte dos comentadores de Kafka vê as personagens desta grande comédia na situação da espera sem esperança, livres no meio desse palco, e por isso perdidas. Gostaria de poder acreditar que Kafka está a contrariar todos os seus intérpretes futuros, quando escreve num fragmento: "Nada disso — atravessando as palavras há restos de luz."

Queria ir para a cidade lá no sul,da qual na nossa aldeia se dizia: " É uma gente que nem vos digo! Imaginem que eles não dormem! E por que é que não dormem? Porque não ficam cansados. E por que é que não ficam cansados? Porque são doidos. E os doidos não ficam cansados? Como é que um doido ia ficar cansado?"

Todas essas parábola querem dizer, no fundo, que o inexplicável é inexplicável, e isso já nós sabíamos.

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