- O meu senhor para onde vai?
- Não sei-respondi-,apenas daqui para fora...é a única maneira de atingir a minha meta.
- Então,conhece a sua meta?- pergunta ele.
- Sim-respondi-, acabei de lhe dizer. Daqui para fora, é essa a minha meta.
Tenho um animal curioso,meio gato,meio cordeiro. Herdei-o do meu pai. Mas somente se desenvolveu no meu tempo; antes,era muito mais cordeiro do que gatinho.Agora, é ambos em partes iguais.(...)Tem a inquietude de ambos os animais...sendo eles tão diferentes.(...)Talvez a faca do açougueiro fosse um alívio para este animal; mas como é uma herança tenho que lhe negar esse fim.Portanto, terá que esperar que a respiração deixe voluntariamente o seu corpo,apesar de me olhar com ar de compreensão humana,desafiando-me a fazer aquilo em que ambos estamos a pensar.
Os deuses são felizes. Vivem a vida calma das raízes. Seus desejos o Fado não oprime...
Desejos,lágrimas, chamas e corpos, Num referver (...) e misturado Numa esvaída confusão nocturna,Como tendo piedade de deixar-me Sinto passar em mim, como visões. Nem com esforço recordar-me posso Se são fantasmas ou vagas lembranças; Não me lembro de vida alguma minha E o necessário esforço desejado P'ra recordar-me não o posso ter...
A tua carne calma
Presente não tem ser,
Os meus desejos são cansaços.
Quem querem ter nos braços
É a ideia de te ter
Sigo às vezes em mim, imparcialmente, essas coisas deliciosas e absurdas que eu não posso poder ver, porque são ilógicas à vista — pontes sem donde nem para onde, estradas sem princípio nem fim, paisagens invertidas (...) — o absurdo, o ilógico, o contraditório, tudo quanto nos desliga e afasta do real e do seu séquito disforme de pensamentos práticos e sentimentos humanos e desejos de acção útil e profícua. O absurdo salva de chegar apesar do tédio àquele estado de alma em que começa por se sentir a doce fúria de sonhar.E eu chego a ter não sei que misterioso modo de visionar esses absurdos — não sei explicar, mas eu vejo essas coisas inconcebíveis à visão.
If I was young, I'd flee this town I'd bury my dreams underground...
There is no way out of here, when you come in your in for good...
Choram Em mim desejos lívidos resvés Do tédio de ser isto aqui, e ali Outro não-eu... Sigamos... Outras terras!
Quantas paisagens vivi! (...)O longe! O além! O outro! A rota! Ir! Ir absolutamente! ir entregadamente Ir sem mais consciência de sentir Que tem um suicida na corrente Que passa a dor da morte na água a rir. Sonho-desolação! Ó meu desejo e tédio das viagens, Cansado anseio do meu coração — Tudo isto cansa, só de imaginado Tenho em minha alma o tédio das viagens Que quero eu ser? Eu que desejo querer? (...) Meu corpo inerte, meu cérebro que nada deseja E já não quer saber o que é viver...
A Lua (dizem os Ingleses)
É feita de queijo verde.
Por mais que pense mil vezes
Sempre uma ideia se perde.
E era essa, era, era essa,
Que haveria de salvar
Minha alma da dor da pressa
De... não sei se é desejar.
Sim, todos os meus desejos
São de estar sentir pensando...
A Lua (dizem os Ingleses)
É azul de quando em quando.
Dormir! Não ter desejos nem esperanças
Flutua branca a única nuvem lenta
E na azul quiescência sonolenta
A deusa do não-ser tece ambas as tranças
Não se deseja aquilo que não se conhece.
Desejam as mulheres o que lhes foge e detestam o que está ao seu alcance. Se insistires com mais moderação, maior será a sua aceitação. Nem sempre transpareça em teus pedidos o ímpeto da paixão. Quantas vezes sob o nome de amizade num coração fechado entra o amor. Muitas mulheres esquivas vi cair na armadilha desta sedução: o que era apenas admirador volvera-se em amante.
Roubar um beijo e não roubar o resto é uma falta de jeito que merece perder os favores já concedidos. Depois do beijo, ó homem, por que esperas para outros desejos consumar? Não é pudico o teu comportamento; deste sim mostras de um tosco acanhamento...
Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!
O horrível dever é ir até o fim. E sem contar com ninguém. Viver a própria realidade. Descobrir a verdade. E para sofrer menos embotar-me um pouco... Vou impermeabilizar-meum pouco mais.
O ter deveres, que prolixa coisa! Agora tenho eu que estar à uma menos cinco na Estação do Rossio, tabuleiro superior — despedida do amigo que vai no "Sud Express" de toda a gente Para onde toda a gente vai, o Paris ... Tenho que lá estar e acreditem, o cansaço antecipado é tão grande que, se o "Sud Express" soubesse, descarrilava... Brincadeira de crianças? Não, descarrilava a valer... Que leve a minha vida dentro, arre, quando descarrile!... Tenho desejo forte, e o meu desejo, porque é forte, entra na substância do mundo.
Agora sou Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde, mas, como o aeronauta se vai livrando do lastro para poder subir, acabei por ficar Oscar Wilde. Para as futuras gerações serei o Wilde ou o Oscar.
Estudo sobre o dever...
Como são afortunados os atores...Podem escolher se querem participar numa comédia ou numa tragédia...rir ou chorar. Mas na vida real tudo é tão diferente. A maior parte dos homens e das mulheres é forçada a desempenhar papéis para os quais não tem qualificações...O mundo é um palco, mas os papéis são mal distribuídos.
Mais cedo ou mais tarde ,todos somos chamados para tomar a mesma decisão...A Lord Arthur isso acontecera muito cedo na vida - antes de a sua natureza ter sido corrompida pelo cinismo calculista da meia-idade... Não sentiu nenhuma hesitação em cumprir o seu dever.
Subitamente, Lord Arthur deteve-se. Uma ideia brilhante atravessou-lhe a mente. Aproximou-se furtivamente por trás, e, num abrir e piscar de olhos, já o Sr. Podgers tinha sido agarrado pelas pernas e atirado para o Tamisa...Finalmente, parecia ter cumprido o que o destino lhe ditara.
Brasil, um sonho intenso, um raio vívido de amor e de esperança à terra desce... Gigante pela própria natureza, és belo, és forte, impávido colosso, e o teu futuro espelha essa grandeza.
Um espírito corajoso e nobre é reconhecido principalmente devido a duas características: uma consiste no desprezo pelas coisas exteriores, na convicção de que o homem, independentemente do que é belo e conveniente, não deve admirar, decidir ou escolher coisa alguma nem deixar-se abater por homem algum, por qualquer questão espiritual ou simplesmente pela má fortuna. A outra consiste no facto - especialmente quando o espírito é disciplinado na maneira acima referida - de se dever realizar feitos, não só grandes e seguramente, bastante úteis, mas ainda em grande número, árduos e cheios de trabalhos e perigos, tanto para a vida como para as muitas coisas que à vida interessam. Todo o esplendor, toda a dimensão (devo acrescentar ainda a utilidade), pertencem à segunda destas duas características; porém, a causa e o princípio eficiente, que os tornam homens grandes, à primeira. Naquela está, com efeito, aquilo que torna os espíritos excelentes e desdenhosos das coisas humanas. Na verdade, pode isto ser reconhecido por duas condições: em primeiro lugar, se estimares alguma coisa como sendo boa unicamente porque é honesta, em segundo lugar, se te encontrares livre de toda a perturbação de espírito.
Tenho sido sempre um sonhador irónico, infiel às promessas interiores. Gozei sempre, como outro e estrangeiro, as derrotas dos meus devaneios, assistente casual ao que pensei ser. Nunca dei crença àquilo em que acreditei. Enchi as mãos de areia, chamei-lhe ouro, e abri as mãos dela toda, escorrente. (...) Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre, pois, não sendo mais, nem querendo ser mais, que um espectador de mim mesmo, tenho que ter o melhor espectáculo que posso. Assim me contruo a ouro e sedas, em salas supostas, palco falso, cenário antigo, sonho criado entre jogos de luzes brandas e músicas invisíveis. Guardo, íntima, como a memória de um beijo grato, a lembrança de infância de um teatro em que o cenário azulado e lunar representava o terraço de um palácio impossível (...) Depois veio a vida...
Abandonar todos os deveres, ainda os que nos não exigem, repudiar todos os lares, ainda os que não foram nossos, viver do impreciso e do vestígio, entre grandes púrpuras de loucura, e rendas falsas de majestades sonhadas... Ser qualquer coisa que não sinta o pesar de chuva externa, nem a mágoa da vacuidade íntima... Errar sem alma nem pensamento, sensação sem si-mesma, por estrada contornando montanhas, por vales sumidos entre encostas íngremes, longínquo, imerso e fatal... Perder-se entre paisagens como quadros. Não-ser a longe e cores...
Não ter deveres, nem horas certas, nem realidades...Ser uma ave humana Que passe haleyonica sobre a intransigência do mundo — Ganhando o pão da sua noite com o suor da fronte dos outros —E um pouco de sol, ao menos, para os sonhos onde não vivo.
O que é uma alma? É fácil defini-la pela negativa: é aquilo que se esconde quando falamos de séries algébricas . E pela positiva? Ao que parece, ela furta-se a todas as tentativas de definição por essa via.
Tu és do sexo das formas sonhadas, do sexo nulo das figuras (...)Mero perfil às vezes, mera atitude outras vezes, outras gesto lento apenas — és momentos, atitudes... Nenhum fascínio do sexo se subentende no meu sonhar-te, sob a tua veste vaga de madona dos silêncios interiores. Os teus seios não são dos que se pudesse pensar em beijar-se. O teu corpo é todo ele carne-alma, mas não é alma é corpo. A matéria da tua carne não é espiritual mas é espiritualidade (És a mulher anterior à Queda) O meu horror às mulheres reais que têm sexo é a estrada por onde eu fui ao teu encontro. (...) Como não te adorar se só tu és adorável? Como não te amar se só tu és digna do amor? Quem sabe se sonhando-te eu não te crio, real noutra realidade; se não serás minha ali, num outro e puro mundo onde sem corpo táctil nos amemos, com outro jeito de abraços e outras atitudes essenciais de posse(s)? Quem sabe mesmo se não existias já e não te criei nem te vi apenas, com outra visão, interior e pura, num outro e perfeito mundo? Quem sabe se o meu sonhar-te não foi o encontrar-te simplesmente, se o meu amar-te não foi o pensar-em-ti, se o meu desprezo pela carne e o meu nojo pelo amor não foram a obscura ânsia com que, ignorando-te, te esperava, e a vaga aspiração com que, desconhecendo-te, te queria? Não sei mesmo já [se] não te amei já, num vago onde cuja saudade este meu tédio perene talvez seja. Talvez sejas uma saudade minha, corpo de ausência, presença de Distância, fêmea talvez por outras razões que não as de sê-lo.(...)
Eu sou quem sou.
Só a beleza escapa de ser culpada.
A necessidade faz os homens impassíveis.
Quando as sociedades civilizadas se esgotam das suas normas,se invalidam das suas forças que são renúncia da pré-história,esta vem ocupar o seu lugar, vem como uma horda de fantasmas,como um grito de esperança nos seus direitos feitos dos primeiros valores: a cobiça e o medo, o prazer e a desordem que o desoprime. Por isso,digamos que os mundos do crime guardam consigo as exigências comuns da sobrevivência.
Compreendia que a culpa necessita de meios para ser refutada e que estes coincidem com a cultura.
Qualquer música, ah, qualquer, Logo que me tire da alma Esta incerteza que quer Qualquer impossível calma! Qualquer música — guitarra, Viola, harmónio, realejo...Um canto que se desgarra...Um sonho em que nada vejo...Qualquer coisa que não vida!Jota, fado, a confusão Da última dança vivida... Que eu não sinta o coração!
Escrevi teu nome no vento Convencido que o escrevia Na folha dum esquecimento Que no vento se perdia...
Mas cada vez há mais vento...
Como um vento na floresta,
Minha emoção não tem fim.
Nada sou, nada me resta.
Não sei quem sou para mim.
Cheguei hoje, de repente, a uma sensação absurda e justa. Reparei, num relâmpago íntimo, que não sou ninguém. Ninguém, absolutamente ninguém. Quando brilhou o relâmpago, aquilo onde supus uma cidade era um plaino deserto; e a luz sinistra que me mostrou a mim não revelou céu acima dele. Roubaram-me o poder ser antes que o mundo fosse. Se tive que reencarnar, reencarnei sem mim, sem ter eu reencarnado.
Sou os arredores de uma vila que não há, o comentário prolixo a um livro que se não escreveu. Não sou ninguém, ninguém. Não sei sentir, não sei pensar, não sei querer. Sou uma figura de romance por escrever, passando aérea, e desfeita sem ter sido, entre os sonhos de quem me não soube completar. Penso sempre, sinto sempre; mas o meu pensamento não contém raciocínios, a minha emoção não contém emoções. Estou caindo, depois do alçapão lá em cima, por todo o espaço infinito, numa queda sem direcção, infinitupla e vazia. Minha alma é um maelstrom negro, vasta vertigem à roda de vácuo, movimento de um oceano infinito em torno de um buraco em nada, e nas águas que são mais giro que águas bóiam todas as imagens do que vi e ouvi no mundo - vão casas, caras, livros, caixotes, rastros de música e sílabas de vozes, num rodopio sinistro e sem fundo. E eu, verdadeiramente eu, sou o centro que não há nisto senão por uma geometria do abismo; sou o nada em torno do qual este movimento gira, só para que gire, sem que esse centro exista senão porque todo o círculo o tem. Eu, verdadeiramente eu, sou o poço sem muros, mas com a viscosidade dos muros, o centro de tudo com o nada à roda.E é, em mim, como se o inferno ele-mesmo risse, sem ao menos a humanidade de diabos a rirem, a loucura grasnada do universo morto, o cadáver rodante do espaço físico, o fim de todos os mundos flutuando negro ao vento, disforme, anacrónico, sem Deus que o houvesse criado, sem ele mesmo que está rodando nas trevas das trevas, impossível, único, tudo.
Poder saber pensar! Poder saber sentir!
A espantosa realidade das coisas É a minha descoberta de todos os dias. Cada coisa é o que é, E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, E quanto isso me basta. Basta existir para se ser completo. Tenho escrito bastantes poemas. Hei-de escrever muitos mais, naturalmente.
Cada poema meu diz isto, E todos os meus poemas são diferentes, Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto. Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra. Não me ponho a pensar se ela sente. Não me perco a chamar-lhe minha irmã. Mas gosto dela por ela ser uma pedra, Gosto dela porque ela não sente nada, Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo. Outras vezes oiço passar o vento, E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Não tenho quem ame, ou vida que queira, ou morte que roube. Por mim, como pelas ervas um vento que só as dobra Para as deixar voltar àquilo que foram, passa. Também por mim um desejo inutilmente bafeja As hastes das intenções, as flores do que imagino, E tudo volta ao que era sem nada que acontecesse.
Cai sobre mim, apagamento meu!
Querer querer, inútil pedra ao mar!
Saco p'ra colher vento, cesto de água,
Caçador só do uivar dos lobos longe...
Azuis os montes que estão longe param. De eles a mim o vário campo ao vento, à brisa, Ou verde ou amarelo ou variegado, Ondula incertamente. Débil como uma haste de papoila Me suporta o momento. Nada quero. Que pesa o escrúpulo do pensamento Na balança da vida? Como os campos, e vário, e como eles, Exterior a mim, me entrego, filho Ignorado do Caos e da Noite Às férias em que existo.
Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo.
A chuva, na poesia de um deus de vários rostos...
"A água da chuva desce a ladeira. / É uma água ansiosa. / Faz lagos e rios pequenos, e cheira / A terra a ditosa." Fernando Pessoa
"Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. / Ambos existem; cada um como é." Alberto Caeiro
"Meu balde exponho à chuva, por ter água. / Minha vontade, assim, ao mundo exponho. / Recebo o que me é dado,/ E o que falta não quero." Ricardo Reis
"Dá-nos a Tua paz,/ Deus Cristão falso, mas consolador […] / Deus anticientífico mas que a nossa mãe ensina; […] / Dá-nos a Tua paz, ainda que não existisses nunca, […] Dá-nos a paz como uma brisa saindo/ Ou a chuva para a qual há preces nas províncias,/ E chove por leis naturais tranquilizadoramente." Álvaro de Campos
"Chove muito, mais, sempre mais […] Todo o amontoado irregular e montanhoso da cidade parece-me hoje uma planície, uma planície de chuva. .[…] Numa névoa de intuição sinto-me matéria morta, caído na chuva, gemido pelo vento. E o frio do que não sentirei morde o coração atual." Bernardo Soares
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