Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Realidades e ilusões...

"Há momentos em que és realidade; noutros, uma mera ilusão , não de ótica, mas de perspetiva: uma ilusão que teve como ponto de partida uma outra ilusão, uma espécie de realidade virtual, uma memória futura de um passado inexistente; nunca foste nem serás um sonho..."

Just a song we shared I'll hear Brings memories back when you were here...

Cause the sweetest kiss I ever got is the one I've never tasted...

A realidade nem sempre se toca fisicamente. As imagens que tens na cabeça não são frases sequer. A realidade está inscrita numa coisa mais ampla e esponjosa. Nem sempre tocas no que existe, há coisas que existem com força e não são elementos com volume. Percebe os pressentimentos assim. A realidade desaparece no momento em que um pressentimento avança.

Não é frequente um livro, que não considere superior, aparecer mais do que uma vez, nestas Leituras. As paixões de rosa montero são uma exceção porque temo ter sido pretensiosamente precipitada no meu julgamento inicial. Apesar de construído a partir da realidade, o que lhe retira, só por si, o estatuto de grande obra, tem qualquer coisa que, entretanto, me fez ser mais indulgente na crítica. Qual o motivo? Apaixonei-me pelo retrato dos amores de wilde... Quase me senti aceder à sua alma perfeita... Sempre tive uma enorme fascínio pela vida do criador de dorian gray, mas nunca contactara com uma narrativa, simultaneamente lúcida e emotiva e, presumivelmente, verdadeira, do que foi a esplendorosa existência de um ser destruído, de forma ignominiosa e cruel, por essa outra gente que ele tanto desprezou...
Acabei de ler este capítulo e chorei...sei lá se por ele, se por mim... Chorei, afinal, por todos os génios, destroçados só porque o foram... Como sou inconstante, mudo de opinião apenas porque a narradora me consegue emocionar...

Então fazemos arte sobre essas existências. Romanceamo-las de maneira elementar. Cada um, nesse sentido, procura fazer da sua vida uma obra de arte. Desejamos que o amor perdure e sabemos que tal não acontece; e ainda que, por milagre, ele pudesse durar uma vida inteira, seria ainda assim um amor imperfeito. Talvez que, nesta insaciável necessidade de subsistir, nós compreendêssemos melhor o sofrimento terrestre, se o soubéssemos eterno. Parece que, por vezes, as grandes almas se sentem menos apavoradas pelo sofrimento do que pelo facto de este não durar. À falta de uma felicidade incansável, um longo sofrimento ao menos constituiria um destino. Mas não; as nossas piores torturas terão um dia de acabar. Certa manhã, após tantos desesperos, uma irreprimível vontade de viver virá anunciar-nos que tudo acabou e que o sofrimento não possui mais sentido do que a felicidade.

Tudo será fácil porque é tudo para mim sonho. Mando-me sonhá-lo e sonho-o. Às vezes crio em mim um filósofo, que me traça cuidadosamente as filosofias enquanto eu, pagão, namoro a filha dele, cuja alma sou, à janela da sua casa. Limitam-me, é claro, os meus conhecimentos. Não posso criar um matemático... Mas contento-me com o que tenho, que dá para combinações infinitas e sonhos sem número. Quem sabe, de resto, se à força de sonhar, eu não conseguirei ainda mais... Mas não vale a pena. Basto-me assim. Pulverização da personalidade: não sei quais são as minhas ideias, nem os meus sentimentos, nem o meu carácter... Se sinto uma coisa, vagamente a sinto na pessoa visualizada de uma qualquer criatura que aparece em mim. Substituí os meus sonhos a mim prório. Cada pessoa é apenas o seu sonho de si próprio. Eu nem isso sou. Não soube nunca o que sentia. Quando me falavam de tal ou tal emoção e a descreviam, sempre senti que descreviam qualquer coisa da minha alma, mas, depois, pensando, duvidei sempre. O que me sinto ser, nunca sei se o sou realmente, ou se julgo que o sou apenas. Sou bocados de personagens de dramas meus.
A melhor maneira de começar a sonhar é mediante livros. Os romances servem de muito para o principiante. Aprender a entregar-se totalmente à leitura, a viver absolutamente com as personagens de um romance, eis o primeiro passo. Que a nossa família e as suas mágoas nos pareçam chilras e nojentas ao lado dessas, eis o sinal do progresso. É preciso evitar o ler romances literários onde a atenção seja desviada para a forma do romance. Não tenho vergonha em confessar que assim comecei.
Quando a sensação física chega, pode dizer-se que o sonhador passou além do primeiro grau do sonho. Isto é, quando um romance sobre combates, fugas, batalhas, nos deixa o corpo realmente moído, as pernas cansadas... o primeiro grau está assegurado. No caso do sensual, deverá ele — sem nenhuma masturbação mais que mental — ter uma ejaculação quando um momento desses chegar no romance. Depois procurará trazer tudo isso para mental. A ejaculação, no caso do sensual (que escolho para exemplo, porque é o mais violento e frisante) deverá ser sentida sem se ter dado. O cansaço será muito maior, mas o prazer é completamente mais intenso.
O mais alto grau do sonho é quando, criado um quadro com personagens, vivemos todas elas ao mesmo tempo — somos todas essas almas conjunta e interactivamente. É incrível o grau de despersonalização e de encinzamento do espírito a que isto leva, e é difícil, confesso-o, fugir a um cansaço geral de todo o ser ao fazê-lo... Mas o triunfo é tal. Este é o único ascetismo possível. Não há nele fé, nem um Deus. Deus sou eu.


Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo. Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

Ninguém alguma vez escreveu, pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno.O inferno é a realidade real..Se um homem misturar absinto com a realidade obtém uma realidade melhor -mas também é certo que o absinto fica pior: nunca misturei o absinto com a realidade para não piorar a qualidade do absinto...

O álcool elimina as ilusões. Depois de alguns golos de conhaque, já não penso em ti.

Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos. Atingirás assim o ponto supremo da abstenção sonhadora, onde os sentimentos se mesclam, os sentimentos se extravasam, as ideias se interpenetram. Assim como as cores e os sons sabem uns a outros, os ódios sabem a amores, e as coisas concretas a abstractas, e as abstractas a concretas. Quebram-se os laços que, ao mesmo tempo que ligavam tudo, separavam tudo, isolando cada elemento. Tudo se funde e confunde.

Eu inventava para mim aventuras e fantasiava a minha vida para quê? Para ter uma vida. Tantas vezes me aconteceu ofender-me - por nada, propositadamente...fomentava a ofensa por dentro, mas levava a coisa a um ponto tal que, por fim, sentia-me de facto ofendido... Aconteceu-me sentir vontade de me apaixonar... O que eu sofri... No fundo da alma, eu não acreditava que sofria, agitava-se dentro de mim um sarcasmo, e , mesmo assim, sofria, ainda por cima a sério, e muito; tinha ciúmes, perdia as estribeiras...

Nunca consegui decidir se uma coisa me aconteceu ou se a imaginei.Pouca diferença fazia ter encontrado um homem ou que ele só tivesse existido num livro...Cada vez que a minha mente fornecia uma recordação há muito suprimida,era apenas outra peça,e havia tão poucas peças e o quebra-cabeças era tão grande!

O tempo passa e eu espero junto à porta...os cegos guiam os cegos e os surdos gritam avisos uns aos outros até que as suas vozes se percam

Na minha cabeça,telefonava a alguém, e essa pessoa convidava-me para sua casa,mas,a partir do momento em que lá entrava,compreendia que tinha sido um erro. A conversa esmorecia,eu gaguejava,morria por me ir embora. E assim,pensando nas pessoas que conhecia,eliminava-as,uma a uma, convencido,ao considerá-las isoladamente, de que não tinham interesse...

Não desejara verdadeiramente Lanine: deixara-me levar....Infelizmente, as nossas decisões são sempre mais plásticas do que desejaríamos e,assim, ao acordar, compreendi que a minha noite com Lanine perdera o que existia já de si sem qualquer atracção.

Escrevi outra vez durante toda a noite e...decidi não me deitar. Durante todo este tempo mal pensei nas pessoas da pensão..no meu trabalho e.Tudo o que estivera disperso parecia resolver-se por si mesmo no meu trabalho e, durante aqueles dois dias, não fui infeliz.

As relações sociais, como as relações económicas,ainda não dependiam da vontade dos homens. Excepto para mim.Eu vivia,e era eu só, em relação a quê? O mundo rodaria, e eu que só podia exercer uma vontade durante o tempo que o dinheiro durasse, não exercia coisa alguma e passava horas a sonhar em cima da cama.

Desde sempre, o homem tem organizado as sociedades com base em privilégios : a liberdade é uma ilusão, a igualdade uma utopia...

Por qualquer motivo,não queria abandonar no quarto a minha máquina de escrever...libertei-me dela numa casa de penhores. Arrastado or um estranho impulso,que me obrigava a levar tudo aos seus extremos,empenhei-a num nome que não me pertencia,falsa identidade de alguém que morava numa rua inexistente.Mas havia ainda a minha novela. Enfiando-a num envelope,enderecei-a à minha nova identidade...Iria buscá-la sim.

Testamento de Mcleod: Para Michel Lovett, a quem, pela primeira vez na minha vida que agora chega ao fim,me julgo capaz de oferecer um pouco de amizade desinteressada, lego em herança o remanescente da minha cultura socialista. Possa ele viver o suficiente para assistir ao renascimento da Fénix.

O tempo passa. Eu trabalho e estudo, olhos fixos na porta, atentos ao menor alarme. Entretanto ...o mundo continua a girar...a marcha da guerra acelera sem obstáculos à sua progressão....os cegos serão conduzidos por cegos, os surdos gritarão avisos a outros surdos até que as suas vozes se percam totalmente.

A realidade assedia constantemente o artista visando impedir a sua evasão. Que astúcia não supor a fuga genial! Terá de ser a de um Ulisses às avessas, que se liberta da sua Penélope quotidiana e navega, entre escolhos, rumo ao feitiço de Circe.
Gostei da ideia de um Ulisses que navega rumo ao feitiço de Circe...

1. A Ilusão do mundo
2. A Ilusão do Amor.
a) o sentimento.
o s[entimento] não existe
b) a posse.
a posse não existe
c) o gozo.
o gozo não existe.
3. A Ilusão da Força
A Ilusão da Realidade
A. As Ilusões dos Instintos
B. As Ilusões do Pensamento.
C. As Ilusões do Ideal (a) a Il[usão] da Liberdade (b) a Il[usão] da Felicidade (c) a Il[usão] da Força

O cansaço de todas as ilusões e de tudo o que há nas ilusões — a perda delas, a inutilidade de as ter, o antecansaço de ter que as ter para perdê-las, a mágoa de as ter tido, a vergonha intelectual de as ter tido sabendo que teriam tal fim.
A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência. Há inteligências inconscientes, brilhos do espírito, correntes do entendimento, mistérios e filosofias que têm o mesmo automatismo que os reflexos corpóreos, que a gestão que o fígado e os rins fazem de suas secreções.


Não desenhamos uma imagem ilusória de nós próprios, mas inúmeras imagens, das quais muitas são apenas esboços, e que o espírito repele com embaraço, mesmo quando porventura haja colaborado, ele próprio, na sua formação. Qualquer livro, qualquer conversa podem fazê-las surgir; renovadas por cada paixão nova, mudam com os nossos mais recentes prazeres e os nossos últimos desgostos. São, contudo, bastante fortes para deixarem, em nós, lembranças secretas que crescem até formarem um dos elementos mais importantes da nossa vida: a consciência que temos de nós mesmos tão velada, tão oposta a toda a razão, que o próprio esforço do espírito para a captar a faz anular-se.

As ilusões», dizia-me o meu amigo, «talvez sejam em tão grande número quanto as relações dos homens entre si ou entre os homens e as coisas. E, quando a ilusão desaparece, ou seja, quando vemos o ser ou o facto tal como existe fora de nós, experimentamos um sentimento bizarro, metade dele complicada pela lástima da fantasia desaparecida, metade pela surpresa agradável diante da novidade, diante do facto real.

Sei que despertei e que ainda durmo. O meu corpo antigo, moído de eu viver, diz-me que é muito cedo ainda... Sinto-me febril de longe. Peso-me, não sei porquê... Num torpor lúcido, pesadamente incorpóreo, estagno, entre o sono e a vigília, num sonho que é uma sombra de sonhar. Minha atenção bóia entre dois mundos e vê cegamente a profundeza de um mar e a profundeza de um céu; e estas profundezas interpenetram-se, misturam-se, e eu não sei onde estou nem o que sonho. Um vento de sombras sopra cinzas de propósitos morno sobre o que eu sou de desperto. Cai de um firmamento desconhecido um orvalho morno de tédio. Uma grande angústia inerte manuseia-me a alma por dentro e, incerta, altera-me, como a brisa aos perfis das copas. Na alcova mórbida e morna a antemanhã de lá fora é apenas um hálito de penumbra. Sou todo confusão quieta... Para quê há-de um dia raiar?... Custa-me o saber que ele ralará, como se fosse um esforço meu que houvesse de o fazer aparecer. Com uma lentidão confusa acalmo. Entorpeço-me. Bóio no ar entre velar e dormir, e uma outra espécie de realidade surge, e eu em meio dela, não sei de que onde que não é este... Surge mas não apaga esta, esta da alcova tépida, essa de uma floresta estranha. Coexistem na minha atenção algemada as duas realidades, como dois fumos que se misturam.


A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade insconciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os próprios gestos já não são seus, mas de um outro que lhos apresenta. Eis porque o espectador não se sente em casa em nenhum lado, porque o espetáculo está em toda a parte.

O espectáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens.


Toda a vida das sociedades em que dominam as condições modernas de produção anuncia-se como uma imensa acumulação de espectáculos.

No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso.

Ele é o sol que não tem poente, no império da passividade moderna. Recobre toda a superfície do mundo e banha-se indefinidamente na sua própria glória.

À medida que a necessidade se encontra socialmente sonhada, o sonho torna-se necessário. O espectáculo é o mau sonho da sociedade acorrentada, que finalmente não exprime senão o seu desejo de dormir. O espectáculo é o guardião deste sonho.

A existir, neste século, um escritor a quem Debord aceitaria comparar-se, esse escritor é Karl Kraus.Tanto em Debord, como em Kraus, a língua é a imagem é o lugar da justiça.

Demagogia- Palavra de origem grega que significa "arte ou poder de conduzir o povo".Etimologicamente, não tem qualquer conotação pejorativa, só existindo uma evolução semântica após a morte de Péricles. Aristóteles, em A Política, considera a demagogia como a corrupção da democracia, assim como a tirania corresponde à corrupção da monarquia. Num sentido figurado, demagogia é a prática dos que aparentam honestidade com o intuito de obter favores pouco claros,designadamente atrair o reconhecimento ou admiração dos outros.
Será que tenho de acrescentar mais uma característica ao meu perfil? Yo soy yo y mis circunstancias...

O segredo do demagogo é tentar parecer tão estúpido como o seu auditório, para que este imagine ser tão esperto como ele.

O autêntico dizer não só diz algo, como diz alguém a alguém. Em todo o dizer há um emissor e um receptor, os quais não são indiferentes ao significado das palavras. Este varia quando aquelas variam. Duo si idem dicunt non est idem. Todo o vocábulo é ocasional. A linguagem é por essência diálogo, e todas as outras formas do falar destituem a sua eficácia. Por isso eu creio que um livro só é bom na medida em que nos traz um diálogo latente, em que sentimos que o autor sabe imaginar concretamente o seu leitor e este percebe como se de entre as linhas saísse uma mão ectoplástica que tacteia a sua pessoa, que quer acariciá-la – ou bem, mui delicadamente, dar-lhe um murro.(...)
Abusou-se da palavra e por isso ela caiu em desgraça. Como em tantas outras coisas, o abuso aqui consistiu no uso sem preocupação, sem consciência da limitação do instrumento. Há quase dois séculos que se acredita que falar era falar urbi et orbi, isto é, a todos e a ninguém. Eu detesto essa maneira de falar e sofro quando não sei concretamente a quem falo.
Esse costume de falar para a Humanidade, a forma mais sublime e, portanto, a mais desprezível da demagogia, foi adotado até 1750 por intelectuais desajustados, ignorantes dos seus próprios limites e que sendo, por seu ofício, os homens do dizer, do logos, usaram dele sem respeito e precauções, sem perceberem que a palavra é um sacramento de mui delicada administração.




Sem comentários: