Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Casos...Deambulações e divagações...

Casos difíceis...

Mas quando via que nem isso produzia o efeito desejado, não era raro assumir uma solene pose teatral e declarar-se" anarquista teórico", que os sociais democratas salvariam a qualquer momento se ele se decidisse a aceitar favores desses malvados judeus exploradores do povo trabalhador ignorante. E com isso mostrava que também ele tinha uma "disciplina científica", um terreno em que a arrogância erudita dos seus juízes não podia acompanhã-lo. Em geral, isso valia-lhe, por parte dos juízes, a classificação de " inteligência notável", uma atenção respeitosa às suas palavras durante a audiência e sentenças mais pesadas; mas, lá no fundo, a sua vaidade lisonjeada via esses julgamentos como momentos altos da sua vida. Por isso não odiava mais ninguém do que os psiquiatras, que achavam que resolviam toda a complexidade da sua difícil personalidade com uns termos estrangeiros, como se aquilo fosse para eles matéria quotidiana... Moosbrugger não deixava passar em claro nenhuma destas oportunidades de mostrar na sala de audiências a sua superioridade em relação aos psiquiatras, desmacarando-os comoidiotas e charlatães emproados que tinham de o mandar para o manicómio quando ele fazia uma simulação, em vez de o mandarem para a prisão que era o seu lugar.

El adulterio lleva mucho trabajo ...
Para o conseguir só tinha de praticar com ela o exercício intelectual que propicia o adultério: ajudá-la a inventar histórias sem falhas para Edward Bayes e levá-la a preocupar-se em não incorrer em contradições , ao relatá-las , embora ela achasse tal exercício desnecessário e fastidioso( a sua expressão ensombrada sempre a dizer adeus por causa da minha insistência.) Ela era negligente e ligeira e risonha e esquecida, e se eu fosse Edward Bayes - pensava -o eu - não me precisaria de muita urdidura nem esforço para averiguar cada um dos seus pensamentos e cada um dos passos que ela dava.(...) Clare Bayes simplesmente não tinha escrúpulos, mas quem a conhecesse não podia exigir-lhos, pois em boa parte a sua graciosidade residia precisamente na sua falta de consideração pelos outros como por si mesma. Clare Bayes fazia-me rir com frequência , que é o que mais aprecio, mas sei que nunca tive por ela - nem tão pouco ela por mim - uma debiidade suficientemente prolongada ou sólida para estar em qualquer forma de perigo( tão pouco estive em risco de suplantar Edward Bayes).



Casos atmosféricos...

29.7.39
As eleições gerais em França vão ser adiadas por decreto durante dois anos...
29.7.46
Choveu um pouco,mas chuva mais miúda...Colhi algumas batatas. Colheita muito má,apesar de os caules serem bons.Diria que havia uma média de 5 ou 6 batatas por planta.Razão dada,a terra não foi estrumada.
29.7.47
Dia bonito e com sol,com algum vento de oeste.Mar calmo.Fiz uma caixa para as lagostas...Receio que as sementes de relva do caminho tenham sido arrastadas pela chuva,mas é difícil ter a certeza.3 ovos(216)
31.7.39
Na maior parte do dia esteve tempo nublado,com chuvadas fortes e trovoada cerca do meio-dia. Mondei as cebolas. Repiquei 35 cravos...11 ovos ( três frangas? É evidente que pelo menos uma franga já está a pôr).
31.7.46
Dia lindo,bom tempo e bastante calor...Pintei o barco de verde e branco. Lancei o lagosteiro,já que não tenho isco para o outro. Tirei 6 litros de gasolina. ( Ao todo 44-8 litros.)
31.7.48
Estou a reabrir este diário ao fim de sete meses de ausência. O tempo está quente e seco...A aveia ainda vai pouco alta...O feno já foi quase todo cortado...As rosas,as papoilas,os cravos-de-poeta e os malmequeres...os tremoceiros...o ibério...as clárquias.Os arbustos...As árvores...Os morangos...A primeira leva de ervilhas...As alfaces...os nabos,o feijão rasteiro...cebolas.Temos duas ninhadas de pintos a chegar...O porco que nasceu...Ambas as vacas...A erva está bastante boa,e os cardos...Durante algum tempo ainda,não vou poder fazer nada no quintal...A pesca tem sido boa...Os candeeiros estão meio avariados...Encomendar candeeiros Tilly e vaporizadores:
« martelo
«veda-juntas( para as torneiras)
« válvula para o lavatório
« chaminé para os candeeiros.

4.8.39
Choveu a maior parte do dia,com intervalos de sol,e tempo ventoso...Hoje de manhã vi outra vez a galinha perdida...13 ovos( 3 pequenos).
Amanhã parte para a missão militar franco-britânica num paquete de baixa velocidade,que levará uma semana a chegar a Leninegrado...Dizem que a Alemanha está a pensar transferir a Eslováquia da Polónia,de forma a separar a últimae Radnor da Polónia...
O Partido Trabalhista ganhou em Brecon e Radnor por uma maioria de 2500 votos...
A imprensa Albatrross , que está a tratar da publicação do meu último livro, exige a supressão de certas referências hostis a Hitler. Dizem que são obrigados a fazer isso, visto os seus livros circularem largamente na Alemanha.

4.8.46
Grande tempestade de manhã,a clarear à tarde, mas com vento ainda forte. Abri uma avelã. Lá dentro só havia medula. Pelos vistos vai haver uma grande colheita de avelãs.
4.8.48
A maior parte do dia sem vento nenhum, com neblina,razoavelmente quente...Algumas das ervilhas-de-cheiro estão a florir,mas não são de boa qualidade. Esqueci-me de dizer que ontem vi 3 águias a voar por cima do campo em frente ( acho que eram 3,embora só tenha visto 2 de cada vez)...Emitem uma espécie de grito,que eu pensava ser exclusivo dos abutres.

Leio, com prazer, estas pouco mais do que listagens, talvez por sentir a alma e a beleza de quem as escreveu...Não sei, mas há uma cadência suave e pacificadora nesta quase plenitude existencial, similar à do guardador de rebanhos...
Só um grande homem pode realizar-se com coisas tão pequenas...(Ao reler , fiquei receosa sobre a banalidade da minha afirmação, mas também não almejo fazer concorrência ao wilde...)

Casos recorrentes...
Tenho uma grande tristeza Acrescentada à que sinto. Quero dizer-ma mas pesa O quanto comigo minto. Porque verdadeiramente Não sei se estou triste ou não. E a chuva cai levemente(Porque Verlaine consente)Dentro do meu coração.

Em cada pingo de chuva a minha vida falhada chora na natureza. Há qualquer coisa do meu desassossego no gota a gota, na bátega a bátega com que a tristeza do dia se destorna inutilmente por sobre a terra. Chove...A minha alma é húmida de ouvi-lo...
Um frio desassossegado põe mãos gélidas em torno ao meu pobre coração. As horas cinzentas (...) alongam-se, emplaniciam-se no tempo; os momentos arrastam-se.Como chove!
As biqueiras golfam torrentes mínimas de águas sempre súbitas. Desce pelo meu saber que há canos, um barulho perturbador de descida de água. Bate contra a vidraça, indolente, gemedoramente a chuva...


Bem sei, a penumbra da chuva é elegante. Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante. Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante? Dêem-me o céu azul e o sol visível. Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim. Hoje quero só sossego.

Chove muito, chove excessivamente... Chove e de vez em quando faz um vento frio... Estou triste, muito triste, como se o dia fosse eu(...)

Não exageremos! Tenho efetivamente sono, sem explicação. O dia deu em chuvoso.

cai chuva do céu cinzento Que não tem razão de ser. Até o meu pensamento Tem chuva nele a escorrer.

Les sanglots longs des violons de l'automne blessent mon coeur d'une langueur monotone. Tout suffocant et blême, quand sonne l'heure, Je me souviens des jours anciens tt je pleure Et je m'en vais au vent mauvais qui m'emporte Deçà, delà, pareil à la feuille morte.

Casos amorosos...


Conheci, mal que te vi entre aquelas árvores, à luz das estrelas, conheci que era a ti só que eu tinha amado sempre, que para ti nascera, que teu só devia ser, se eu ainda tivera coração para te dar, se a minha alma fosse capaz...
Achei-me só, não sei o que pensei nem se pensei. Sentia-me atur­dido da cabeça, exausto do coração — numa depressão de espírito que tocava na estupidez. Se me apontassem uma pistola ao peito, não levantava o braço para a arredar... Já não sentia pena nem desejo. Parecia-me que começava a morrer; e não achava que morrer custasse muito...
Creio que me vou fazer homem político, falar muito na pátria com que me não importa, ralhar dos ministros que não sei quem são, palrar dos meus serviços que nunca fiz por vontade; e quem sabe?... talvez darei por fim em agiota, que é a única vida de emoções para quem já não pode ter outras...
Adeus, minha Joana, minha adorada Joana, pela última vez, adeus.


Mas se os cinco capítulos por que se estende esta carta lhe conferem um lugar importante na história da nossa literatura, dos nossos costumes, da nossa mentalidade, é porque na sua aparente ligeireza e insignificância o que repetidamente se manifesta é a torturada e engenhosa tomada de consciência das nossas bem modernas contradições. Essa carta é importante porque nela se descobre e denuncia a complexidade pouco lógica dos afectos, dos desejos, das vaidades, isto é, daquilo a que chamamos amor; e é importante também porque nela, na sua estratégia tortuosa, nessa impossibilidade de destrinçar o que é sincero do que pode ser simplesmente talento verbal de sedutor barato, se anuncia já também a problemática do fingimento e da sinceridade, da verdade e da ficção, que para Pessoa será uma preocupação constante e fundamental. Justifica-se plenamente, portanto, que consideremos Garrett um lúcido precursor de Júlio Dinis, Camilo, Eça, Cesário Verde e outros, por um lado, do modernismo português do Orpheu, por outro.

(João Camilo dos Santos - Professor catedrático de Literatura Portuguesa e Brasileira na Universidade da Califórnia.)

Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? - Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas que é preciso vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis.

Casos de polícia...

A morta seguinte apareceu em Agosto de 1994...Esta não era uma desconhecida, mas, coisa curiosa, ninguém soube dizer como se chamava. Em casa, onde vivia sozinha há três anos, não foram encontrados papéis pessoais nem nada que pudesse levar a um esclarecimento rápido da sua identidade. Algumas pessoas, não muitas, sabiam que se chamava Isabel, mas quase toda a gente a conhecia como a Vaca... A Vaca estava deitada no chão. Só quando tentaram puxá-la é que se deram conta de que estava morta. O caso foi arquivado.

Em Agosto de 1995 foram encontrados os corpos de sete mulheres...Os polícias percorreram a cidade , visitaram bares e discotecas...encontraram-se com os inspectores ...falaram com dois médicos-legistas...examinaram alguns dossiês e visitaram o bordel Asuntos Internos, onde foram para a cama cada um com a sua puta. Depois, tal como tinham chegado, assim partiram.

Quando Agosto chegava ao fim, foi encontrado na estrada...o corpo de Jacqueline Rios, de vinte e cinco anos, empregada numa loja de perfumaria... Morrera devido a disparos de arma de fogo no tórax e no abdómen. Partilhava a casa com uma amiga...e as duas tinham o sonho de ir viver na Califórnia...O caso ficou por esclarecer.

As enumerações exaustivas,mas nunca entediantes, que recordam os trabalhos e dias de hesíodo,são uma peculiaridade de 2666. A formação clássica do autor é óbvia, embora talvez inesperada. Este pendor enumerativo, no caso das fobias, é uma sátira mordaz às pseudojustificações científicas que,por vezes, os psiquiatras arquitetam para explicar comportamentos desviantes e criminosos...Se eu matar um padre porque padeço de sacrofofia, sou inimputável...

Sacrofobia, gefirofobia,claustrofobia, agorafobia, necrofofia, hematofofia, pecatofobia, clinofofia, tricofobia, vestiofobia...Verbofobia é o medo das palavras... É um pouco mais do que ficar calado,porque as palavras estão em toda a parte,inclusivamente no silêncio,que nunca é um silêncio total, não é verdade?... Um relativamente comum: a iatrofofia, que é o medo dos médicos.Ou a ginofobia, que é o medo da mulher...Difundidíssimo no México, embora disfarçado com as mais diversas roupagens... Depois há dois medos que no fundo são muito românticos: o ombrofobia e a talassofobia...a antofobia...e a dendrofobia...E o senhor o que acha que é a optofobia?... Medo de abrir os olhos...Depois temos,claro está, a pedifofia...e a balistofobia...E outra fobia,que está a aumentar,´é a tropofobia...Que se pode agravar se derivar de agirofofia,que é o medo das ruas ou de atravessar uma rua.Sem esquecermos a cromofofia...ou a noctofobia...ou a ergofofia,que é o medo do trabalho. Um medo muito difundido é a decidofobia,que é o medo de tomar decisões.E um medo que começa agora a difundir-se que é a antropofobia,que é o medo das pessoas. Alguns índios sofrem de forma muito acentuada de astrofobia...Mas as piores fobias,no meu entender,são a pantofobia,que é ter medo de tudo, e a fobofobia ,que é o medo dos próprios medos. Se você tivesse de ter um destes dois últimos,qual escolheria? A fobofobia,disse Juan Dios Martinez.Tem os seus inconvenientes,pense bem,disse a directora... Se eu tivesse medo de tudo , não podia trabalhar,não se esqueça que sou polícia.Mas se tiver medo dos seus medos a sua vida pode transformar-se numa observação constante do medo,e se estes se activarem, o que se produz é um sistema que se alimenta a si mesmo, um enredo do qual lhe será difícil escapar, sublinhou a directora.

Páginas com datas, congressos, temas de apresentações, artigos de revista, que se leem com uma ansiedade e um prazer enorme. Hesíodo , um autor grego muito importante, mas menos conhecido do que Homero, tem uma obra em que, ao longo de páginas e páginas , elabora um célebre catálogo das naus… Sempre me intrigou o motivo pelo qual a professora helena rocha pereira tanto se emocionava com aquela enumeração… Pois, hoje, entendi-a … A ansiedade de saber como é que 4 jovens , um francês, um italiano, um espanhol e uma inglesa, que têm em comum a idade e a paixão por um autor alemão, se encontram, onde estão, como se vai chamar o artigo , transforma o que poderia ser um relato fastidioso…
Não li nada sobre o livro, mas julgo que ele será uma metáfora da cultura europeia na segunda metade do século XX- A nacionalidade das personagens principais não pode ser inocente, num livro que foi tão bem pensado que o seu autor, com medo de ser surpreendido pela morte, como veio a acontecer, deixou todas as indicações para a sua publicação… Um D. Quixote do século XX.

Casos preocupantes...

Não há nenhum lugar na terra onde haja mais tontas por metro quadrado que numa universidade da Califórnia.

Universidade estatal, constituída por diferentes instituições semiautónomas: Angeles (UCLA), Berkeley (UC Berkeley), San Diego (UCSD), Davis, Irvine, Merced, Riverside, São Francisco, Santa Cruz e Santa Bárbara.
יְהִי אוֹר, Fiat lux, γενηθήτω φῶς...
O lema da universidade,uma tradução discutível que retira a dignidade ao original hebraico, latino ou grego, andará a causar confusão aos jovens universitários californianos,tendo em conta as imagens degradantes que nos chegam dos seus comportamentos académicos...

Light - luz,lâmpada,lume;fraqueza,leveza, futilidade...

Paradoxalmente, este be light das light universitárias californianas está a ser decisivo para os mexicanos melhorarem a raça, Vejamos: Um Presidente do México costumava chegar , no melhor dos casos, ao ombro de um Presidente da América. Às vezes a cabeça de um Presidente do México estava apenas a uns centímetros acima do umbigo de um Presidente americano. Como mesmo a classe alta mexicana era baixa, um anão mexicano manda o seu filho anão estudar para uma universidade da Califórnia. O menino tem dinheiro, faz o que quer e isso impressiona as estudantes...Resultado: o menino obtém um título e consegue uma esposa...Desta forma ,os netos do anão mexicano deixam de ser anões e, de passagem, ficam mais claros. Esses netos,chegado o momento,realizam o mesmo périplo iniciático do pai.



O bolaño nunca visitou outras universidades...Talvez a sua ratio de tontas, por metro quadrado,seja injusta...
Esta foto foi tirada, de facto, na UC, mas o C não é abreviatura de califórina...

E eu pergunto aos economistas políticos...se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?


Personagens reais: encantadoras e monstruosas
Um bom trabalho de investigação
Uma técnica narrativa ...mediana

If you want a picture of the future, imagine a boot stamping on a human face—for ever.

The picture of my present: Nada é mais humilhante do que ver os tolos vencer naquilo em que fracassámos.

A opressão da bota desapareceu ,subitamente, porque pensei em alguém que perdeu as palavras ( não metáforas em sentido metafórico) e sofre uma asfixia terrivelmente dolorosa. O que se diz? Só consigo consolar e compreender adolescentes, é a minha especialidade( talvez porque serei sempre adolescente, não cresço, não me permito crescer ...) Não posso adiar o momento, mas o que se diz? Recuso-me ao blá esteriotipado,comiserativo "tem paciência, estas coisas levam tempo, vais ver que recuperas...".Para isso, há mulheres,namoradas,amigos, filhos, cunhadas, cunhados, sogras, sogros, fora enfermeiros, médicos e colegas de trabalho. De mim não é isso que se espera e sufoca-me uma impotência enorme, um quase pavor de desiludir. "Ó meu amigo, tu perdeste as palavras, mas eu nunca, num certo sentido, as tive: vivem estéreis dentro da minha cabeça, incapazes de se exteriorizar."
Não posso continuar com esta cobardia, hoje, chova ou faça sol ,vou ter de quebrar o meu silêncio...Mas, o que se diz? Como se responde??

…… ainda não sei o que falta, mas sei que pode acabar assim… (13:00 - A gata miou 3 vezes. Ela sabe o que lhe falta : uma lata de "peixe do oceano"...) Mesmo que acabe assim...
Será que tudo o que sentimos tem de ter nome? Será que tudo o que pensamos tem de ser dito? Para quê? Porquê? São tão poucos os que nos sabem ler / escutar... Mesmo sem verbalizar através de palavras,os seres ,que o são de facto, continuam a ser...Mesmo que todas as palavras dos outros nos escapem, não corramos atrás delas, somos e continuaremos a ser no silêncio... Se aprendermos a ouvir o silêncio que há em nós, talvez consigamos imaginar sísifo feliz... Está um belo dia de sol.

Será que poderemos sufocar com o silêncio? Será o silêncio antinatural?


There's a silence surroundiing me I can't seem to think straight I'll sit in the corner Where no one can bother me
I think I should speak now (why won't you talk to me) But I can't seem to speak now (you never talk to me)
My words won't come out right (what are you thinking) I feel like I'm drowning (what are you feeling) I'm feeling weak now (why won't you talk to me) But I can't show my weakness (you never talk to me I sometimes wonder (what are you thinking) Where do we go from here (what are you feeling) It doesn't have to be like this All we need to do is make sure we keep talking...


Um caso clínico...
As pessoas têm formas de preocupação estranhas e inexplicáveis. Dizem os que presumo que gostam de mim, pelo lugar que ocupam na minha vida, mesmo que involuntariamente, que ando há demasiado tempo com uma " tosse muito seca". Sou acusada, perseguida, como se a minha indiferença perante a dita tosse fosse uma espécie de tendência suicida ... Como se eu pudesse fazer algo, além do que já fiz: exames para...
Relembrei, com nostalgia, as minhas doenças invisíveis do passado e de como, na época, eu teria ficado contente com um " cafum", cafum" sequinho e irritante, perfeitamente audível ...A outra gente , sempre muito perspicaz, pergunta-me : " Andas com tosse?"
Começo a ficar exasperada com o ruído que involuntariamente produzo. Sinto bem que, quanto mais me enervo, mais " cafum, cafum, cafum"... Eu que detesto tornar a minha presença demasiado visível, particularmente desde que o meu volume aumentou, vejo-me assim observada por tudo o que é ser ouvinte....( como é sabido cada um tem dois ouvidos, o que agrava o meu problema...)
Ninguém se preocupa com o deserto de recusas em que arrasto a minha existência, mas uma tossezita provoca um desassossego maior que o de Bernardo Soares. Tenho de abdicar de mostar indiferença e ter a atitude considerada normal: lacrimejar, com ar condoído, " Ai, ando tão preocupada com esta tosse".

Casos perdidos...
I can't see the end of me My whole expanse I cannot see I formulate infinity And store it deep inside me I formulate infinity And store it deep inside me...

Nosso caso é uma porta entreaberta... é o amor agitando o meu coração Há um lado carente dizendo que sim E essa vida da gente gritando que não...

Deambulações e divagações..

Percorri interminavelmente a cidade de Oxoford e conheço quase todos os seus recantos e também a sua infinidade de limites esdrúxulos... A maioria das vezes caminhava sem objetivo e sem rumo determinado, embora me recorde bem que, durante dez dias, do meu segundo período letivo... caminhei com um propósito pouco adulto e então - enquanto durou- nem sequer a mim mesmo o confessei.

Em Inglaterra os desconhecidos não costumam conversar , nem sequer nos comboios nem durante longas esperas, e o silêncio noturno da estação de Didcot é um dos mais profundos que eu conheci. O silêncio é tanto mais profundo quando é quebrado por vozes ou ruídos isolados e sem continuidade

A partir de então e durante uns dez dias caminhei pela cidade de Oxford com o propósito ou a esperança insconsciente de a voltar a encontrar, o que não seria demasiado improvável se ela não tivesse ido de visita e ali vivesse. Andei pelas ruas mais tempo do que o habitual, e cada dia que passava o seu rosto ia-se esfumando ou confundindo-se com outros, como costuma acontecer com as coisas que se querem recordar ou nos empenhamos em recordar , com todas aquelas imagens perante as quais a memória não se mostra respeituosa ( quer dizer, passiva)...Eu saía da livraria Blackweel's com o tempo contado para chegar a uma das minhas turmas de tradução com o exigente Dewar. Apressei o passo olhando em frente no meio de um vendaval que entretanto se havia levantado ... Havia dado quatro ou cinco passos a reconheci e voltei-me. O que mais me surpreendeu foi que também ela e a sua amiga..haviam parado e se tinham virado. Ela sorriu e gritou, mais para se dar a reconhecer que reconhecendo-me: "No comboio! Em Didcot!" ... Não a voltei a ver no resto do ano nem no seguinte, no fim do qual deixei Oxford... O que mais lamento é não ter podido atentar ...nos seus sapatos ingleses nem nos seus tornozelos, que sem dúvida me teriam parecido fragilizados pelo vento. Estava demasiado atento ao cauteloso voo da sua saia.

As divaçaçoes de Clare Bayes, um tipo mulher que considero insuportável: Tudo nela era expansivo, excessivo, um ser nervoso, uma dessas pessoas para quem não foi feita a noção de tempo, para as quais a própria noção de tempo e de espaço é uma ofensa, necessitadas como estão de fragmentos da eternidade de qualquer coisa ou, dito de outra maneira, de conteúdos etrnos para encher e inundar o tempo...Era eu que tinha de interromper as intermináveis divagações de Clare Bayes, o seu conteúdo eternizável de qualquer tempo, os seus comentários ou verborreia infinita enquanto permanecia deitada na cama, fumando , fazendo ademanes, pontificando, cruzando as pernas, abrindo-as, encolhendo-as, exaltando ou teorizando sobre o seu passado ou o seu presente, saltando de um assunto para outro para o seu futuro mais imediato, sem que nenhum tema fosse levado até ao fim.

Uma divagação do narrador, um homem interessante, que, como todos os homens inteligentes e discretos, adora mulheres extravagantes: A visão de uns sapatos vazios faz-me imaginar sobre eles a pessoa que os usou ou que poderia tê-los calçado, e vê-la de facto ao meu lado - fora dos sapatos - ou não a ver em absoluto irrita-me terrivelmente ( por isso , para mim, contemplar a montra de uma sapataria tradicional pressupõe a figuração automática de multidões firmes, incómodas e estreitas).

Qual é a idade da alma do homem? Gosto de acreditar que a alma não envelhece...Gosto da deambulação de leopold, através da sua existência: apeteceu-me reler joyce...

If Socrates leaves his house today he will find the sage seated on his doorstep. If Judas go forth tonight it is to Judas his steps will tend. Every life is in many days, day after day. We walk through ourselves, meeting robbers, ghosts, giants, old men, young men, wives, widows, brothers-in-love, but always meeting ourselves.

Não mais é Leopold, ali sentado, a ruminar a matutar em reminiscências, o tranquilo agente de publicidade e proprietário de uma modesta maquia em títulos. É o jovem Leopold. Ali, como se fosse um arranjo retrospetivo, um espelho dentro de um espelho ( eia! " presto"), a si próprio se contempla.V~e-se a jovem figura de então, precocemente viril, caminhando numa fria manhã da velha casa, em ..., em direção à escola, a pasta dos livros à tiracolo e dentro dela um bom pedaço de pão de trigo, ideia de sua mãe. Ou é a mesma figura, decorrido coisa de um ano, com o primeiro chapéu( ah! esse é que foi um dia!) já no seu caminho , um viajante a sério da firma familiar , equipado com um livro de requisições, um lenço perfumado( não apenas para exibir) , a maleta de brilhante quinquilharia( ah, coisa já do passado!) e um cascás repleto de sorrisos complacentes, para esta ou para aquela dona de casa, meio convencida, a fazer contas pelos dedos ou para uma virgem em florescência que timidamente aceita ( mas o coração, diz-me?) os seus estudados beija-mãos. O perfume , o sorriso mas, mais do que estes, os olhos escuros e os modos untuosos ajudavam-no a trazer para casa, ao cair da noite, mais uma comissão para o chefe da firma, sentado com o cachimbo de jacob , depois de semelhantes trabalheiras, ao canto da lareira paterna ( um prato de macarrão, bem podeis rstar certos, está a ser aquecido), lendo através de redondos óculos de aros de tartaruga algum jornal da Europa de um mês atrás. Mas, ela, "presto" , o espelho embacia-se e o jovem cavaleiro andante retira-se, murcha, reduz-se a um pontinho na névoa. Agora, por sua vez, é ele paternal e os que estão à volta dele podiam ser seus filhos. Quem pode dizer?

Deambulando...he llegado hoy hasta aquí, sin pena ni gloria
con mis sentidos alertas y preparados para gozar y penar ,
perdonar y ser perdonado , cantar y llorar , vivir y gozar...

Deambulando...supe ver la entrega del cuerpo deseado
y me enseñaron a amar sin retaceos ni miradas en el vacío
que trasmiten el hartazgo que solo da la pasíon fingida...

Deambulando...he llegado hasta aquí , hasta estas palabras
que son el premio de saber que todo es por algo mágico,
que solo lo puedes ver si escuchas a tu ángel en la mente...!


O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...



Take me out tonight Oh take me anywhere I don't care, I don't care, I don't care...


Às vezes, em sonho triste
Nos meus desejos existe
Longinquamente um país
Onde ser feliz consiste
Apenas em ser feliz.

O sentir e o desejar
São banidos dessa terra.
O amor não é amor
Nesse país por onde erra
Meu longínquo divagar.


Damos commumente às nossas ideias do desconhecido a cor das nossas noções do conhecido: se chamamos à morte um sono é porque parece um sono por fora; se chamamos à morte uma nova vida é porque parece uma coisa diferente da vida. Com pequenos mal-entendidos com a realidade construímos as crenças e as esperanças, e vivemos das côdeas a que chamamos bolos, como as crianças pobres que brincam a ser felizes.
Mas assim é toda a vida; assim, pelo menos, é aquele sistema de vida particular a que no geral se chama civilização. A civilização consiste em dar a qualquer coisa um nome que não lhe compete, e depois sonhar sobre o resultado. E realmente o nome falso e o sonho verdadeiro criam uma nova realidade. O objecto torna-se realmente outro, porque o tornámos outro. Manufacturamos realidades. A matéria-prima continua sendo a mesma, mas a forma, que a arte lhe deu, afasta-a efectivamente de continuar sendo a mesma. Uma mesa de pinho é pinho mas também é mesa. Sentamo-nos à mesa e não ao pinho. Um amor é um instinto sexual, porém, não amamos com o instinto sexual, mas com a pressuposição de outro sentimento. E essa pressuposição é, com efeito, já outro sentimento.
Não sei que efeito subtil de luz, ou ruído vago, ou memória de perfume ou música, ou tangida por não sei que influência externa, me trouxe de repente, em pleno ir pela rua, estas divagações que registo sem pressa, ao sentar-me no café, distraidamente. Não sei onde ia conduzir os pensamentos, ou onde preferiria conduzi-los. O dia é de um leve nevoeiro húmido e quente, triste sem ameaças, monótono sem razão. Dói-me qualquer sentimento que desconheço; falta-me qualquer argumento não sei sobre quê; não tenho vontade nos nervos. Estou triste abaixo da consciência. E escrevo estas linhas, realmente mal-notadas, não para dizer isto, nem para dizer qualquer coisa, mas para dar um trabalho à minha desatenção. Vou enchendo lentamente, a traços moles de lápis rombo — que não tenho sentimentalidade para aparar —, o papel branco de embrulho de sanduíches, que me forneceram no café, porque eu não precisava de melhor e qualquer servia, desde que fosse branco. E dou-me por satisfeito. Reclino-me. A tarde cai monótona e sem chuva, num tom de luz desalentado e incerto... E deixo de escrever porque deixo de escrever.


Meus irmãos, não vos aconselho o amor ao próximo, aconselho-vos o amor ao longínquo.
Assim falava Zaratustra

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