O seu destino pertence-lhe. O seu rochedo é a sua coisa. Da mesma maneira, quando o homem absurdo contempla o seu tormento, faz calar todos os ídolos. No universo subitamente entregue ao seu silêncio, erguem-se as mil vozinhas maravilhadas da terra. Chamamentos inconscientes e secretos, convites de todos os rostos, são o reverso necessário e o preço da vitória. Não há sol sem sombras e é preciso conhecer a noite. O homem absurdo diz sim e o seu esforço nunca mais cessará. Se há um destino pessoal, não há destino superior ou, pelo menos, só há um que ele julga fatal e desprezível.
Every part of me says go ahead I got my hopes up again, oh no... not again Feels like we only go backwards...
And when it happens, when it happens (I won't be holding on) So let it happen, let it happen...
A emergência demasiado fácil das personalidades secundárias; a excessiva estimulação da revelação, por cada indivíduo, da sua individualidade específica, que, salvo quando é grande, nada interessa a ninguém que se revele; a adopção de um código de sociabilidade pelo qual o que vale em cada indivíduo é o que tem de diferente dos outros, e não o que tem de comum com eles — fenómenos são estes que caracterizam bem a doença extrema da época.(...) Conseguimos esse desiderato de alienado — a normalização da anormalidade.(...) Nós realizamos, modernamente, o sentido preciso daquela frase de Voltaire, onde diz que, se os mundos são habitados, a terra é o manicómio do Universo Somos, com efeito, um manicómio, quer sejam ou não habitados os outros planetas. Vivemos uma vida que já perdeu de todo a noção da normalidade, e onde a rigidez vive por uma concessão da doença.Vivemos em doença crónica, em anemia febricitante O nosso destino é o de não morrer por nos termos adaptado ao estado de (perpétuos) moribundos.
Não nos adaptamos, porque os sãos se não adaptam a meio mórbido. Não nos adaptando, somos mórbidos. Neste paradoxo, nós, os pagãos, vivemos. Não temos outra esperança, nem outro remédio. Aceito como tal esta atitude nossa, mas não aceito o modo como a aceita Ricardo Reis. Quero que sejamos indiferentes para com uma época que nada pode querer de nós, e sobre a qual em nada podemos agir. Mas não quero que se cante essa indiferença como coisa boa de per si. É isso que faz Ricardo Reis. Por esse ponto, longe de tornar-se indiferente às correntes da época, integra-se em uma delas, que é a decadente. Essa indiferença, é já uma adaptação ao meio. É já uma concessão.
we’re half-awake in a fake empire we’re half-awake in a fake empire...
You're the only thing I want And I said I wouldn't cry about Ahhahhahhahh This is the last time.
O meu orgulho lapidado por cegos e a minha desilusão pisada por mendigos.
Não é mais a vaidade que a confiança no efeito do valor próprio. A confiança só no valor próprio, que não no efeito d'ele, é outra coisa, e chama-se orgulho. Podem coexistir, podem não coexistir. Tão contraditória é a aparência da condição humana, que, podemos confiar no efeito de nosso valor, sem confiar nesse valor mesmo. É que na vida do espírito a acção precede sempre a consciência; movemo-nos antes que o queiramos.(...) Há por isso um sinal distintivo, pelo qual se diferençam os orgulhosos dos vaidosos: os orgulhosos são tímidos, os vaidosos são audazes. Há quem seja cumulativamente orgulhoso e vaidoso; quem o é será tímido e audaz ou intermitentemente, ou em manifestações diferentes do espírito.Se a vaidade é mais ridícula que o orgulho, é que é por natureza activa, e se revela sempre; o orgulho, como se esconde, mal pode aparecer onde o escarneçam. Por isto, e ordinariamente, tem-se a vaidade por baixa, e por nobre o orgulho. Nem um, nem outro, é nobre ou deixa de sê-lo. Pela razão já exposta — a essência activa da vida —, a vaidade é mais vulgar, o orgulho — sobretudo o orgulho sem, ou com pouca, vaidade — raro. Da sua raridade se deriva — (assim) como de seu menor ridículo e de sua pouca incidência, por inerte, sobre outrem — o mito da sua nobreza.É a vaidade a mestra do esforço, o sal da acção, o alimento da vida. Todo homem quer ser mais que os outros, dentro da esfera de ambição que a sua fantasia lhe determina. Ser mais rico que outro, mandar mais que outro, ser mais bonito, mais elegante, mais bem vestido — tais são as aspirações normais do último animal da evolução das espécies. D'elas nasce tudo que é social — o bom como o mau, assim o nobre como o mesquinho. O fato melhor do caixeiro, os gestos da condessa, a conquista da Gália por César, a Divina Comédia têm esta comum origem. Não há mister inventar, como Nietzsche, uma «vontade de poder» para disfarce opulento d'esta nudez do egoísmo humano. O pitecantropo vestido é menos dionisíaco do que isso.Como o orgulho vive para dentro, pensando e sentindo, e a vaidade para fora, operando, resulta que, ante o conseguimento alheio, o primeiro movimento de um é o desconsolo e o tédio, da outra o despeito e a inveja. A inveja é a qualidade primária da comparação social: gera as intrigas e as malícias de que se compõe a quotidianidade da vida; estimula rancorosamente o esforço que se vai cansando; é a matriz de quase todas as censuras e de todas as revoluções.Tal é a realidade da vida humana: a vaidade como base, a inveja como meio, o progresso como fim. Certos há, porém, que escapam à inveja do comum dos homens. Ao sentimento, que despertam, e pelo qual fogem a essa inveja, chama-se ordinariamente prestígio. O prestígio é, pois, aquela imposição da nossa personalidade aos outros, que não lhes desperta a inveja.
Parece que a primeira condição do prestígio deve ser a superioridade — a superioridade por nós reconhecida. Não é assim. A só superioridade não evita a inveja; há mister que essa superioridade se baseie em uma diferença de qualidade, que não, ou que não só, de grau.A quem não temos por superior, e nos supera nos benefícios da vida, invejamos, invejamos simplesmente. A quem temos por nosso superior, porém como da mesma espécie que nós e nosso superior só em grau, invejamos ainda, porém de diverso modo: invejamos que a Natureza, que não já a Sorte ou o Destino, lhe concedesse as qualidades, por meio das quais nos supera. A quem, porém, sentimos não só superior, senão também diferente, dificilmente invejaremos, salvo se a inveja for uma disposição habitual nossa. Não há contraste sem semelhança. Não podemos comparar-nos com quem nos não parecemos. O nosso superior semelhante faz o que fazemos, porém melhor; o nosso superior diferente faz o que não poderíamos fazer nunca. Por isso um escritor português dificilmente invejará a celebridade de um escritor estrangeiro. Por isso Byron invejava Shakespeare, e só admirava Milton: o intuitivo menor doía-se do intuitivo maior; o grande racional não o ofendia. A primeira condição do prestígio é, pois, necessariamente a diferença — a diferença, porém, desacompanhada de inferioridade. Todos sentimos diferente um louco ou um imbecil; a nenhum damos prestígio. Não falemos ainda de superioridade; falemos só de diferença. A primeira condição do prestígio é a diferença que não é inferior. É que todo o raro, desde que não seja baixo, atrai e preocupa.Como, porém, a diferença tanto mais nos preocupará quanto menos pudermos definir em que consiste, segue que a segunda condição do prestígio é o mistério. Todos os grandes fascinadores se destacam por diferentes, e se insinuam por não se revelarem. Quando ouvirdes dizer que certo homem é «interessante» — é o primeiro adjectivo do prestígio — vereis que se deve entender que de certo modo se não compreende bem o que pensa, o que sente, que carácter tem. Os grandes sedutores usam conscientemente este processo de insinuação; muitas vezes não têm mais mistério que o saber o que o mistério vale.A terceira — mas só a terceira — condição do prestígio é, então, a superioridade. Quando é enorme e sensível envolve já a diferença, e por aí, que não por si, se prestigia. Quando é súbita, deslumbrante envolve já o mistério, e por ele, que não por si, adquire prestígio. De per si — isto é, como superioridade explicável, racional — não é nem o primeiro nem o segundo elemento da sujeição do espírito alheio.
São estas as três condições do prestígio. Quem queira analisar o conteúdo d'ele não encontrará mais que isto. O prestígio do homem de génio é d'esta ordem, porque o génio é diferente e misterioso.
Síntese por tópicos:
A vaidade é a confiança no efeito do valor próprio. O orgulho é só confiança no valor próprio, não no seu efeito.
A vaidade é a mestra do esforço, o sal da ação, o alimento da vida: todo homem quer ser mais que os outros, dentro da esfera de ambição que a sua fantasia lhe determina. Ser mais rico que outro, mandar mais que outro, ser mais bonito, mais elegante, mais bem vestido — tais são as aspirações normais do último animal da evolução das espécies.
A inveja é a qualidade primária da comparação social: não nos podemos comparar com quem nos não parecemos. Um escritor português dificilmente invejará a celebridade de um escritor estrangeiro.
Três condições do prestígio: a diferença; o mistério; a superioridade.
Como me delicio com a elaboração de listas inúteis, a não ser para mim, vou começar a organizar os meus conhecidos com prestígio, de acordo com o critério de fernando pessoa: diferentes, misteriosos e superiores...
Meu orgulho, porém, nunca sofreu que eu me permitisse menos que o que a minha inteligência poderia fazer. Nunca pude conceder a mim mesmo a autorização para o meio termo, para qualquer coisa menos na obra que a minha personalidade inteira e o meu desejo todo (e a minha ambição toda). Se eu houvesse reconhecido na minha inteligência uma incapacidade para a obra sintética, teria sofreado o meu orgulho, reconhecendo-o por loucura. Mas a deficiência não esteve nunca na minha inteligência capaz sempre de grandes sínteses e de poderosas sistematizações. O meu mal estava na tibieza da vontade ante o esforço medonho que essas inteirezas envolviam.
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