A dúvida de um dia: ir ou não ir...
Uma dúvida metódica: vale a pena viver? Valer não vale, mas é preferível a estar morto.
Uma dúvida eterna: estas cartas deviam ter sido publicadas?
Bebezinho querido:
Sobressaltou-me a tua carta, e apoquentou-me imenso. O que é que tu tens? Andas agora sempre doente, sempre triste, sempre misteriosa. Nem posso simplesmente apoquentar-me a teu respeito; tenho por força que juntar a essa apoquentação dúvidas, receios vários, coisas por vezes horríveis...
Muitos beijos do teu, muito teu
Fernando
Serão as cartas de amor, inevitavelmente, ridículas?
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas).
O seu destrambelhamento sexual dava-lhe não só uma acuidade estranha para analisar até chegar às bases sexuais dos actos, aparentemente deles remotas, dos indivíduos - o que era horrorosamente desidealizante -, mas dava-lhe também a tendência para orientar sempre para um ponto sexual a sua análise dos indivíduos. A sua sexualidade enchia todo o cérebro - cobria tudo com a sua intenção. Misturava-se estranhamente com a sua ânsia de verdade e de certeza e, n'este ponto, poucas eram as dúvidas que ele tinha sobre se esses elementos sexuais, que ele tendia a achar basilares em quase todas as acções, o seriam ou não.
Onde está Deus, mesmo que não exista? Quero rezar e chorar, arrepender-me de crimes que não cometi, gozar ser perdoado como uma carícia não propriamente materna. Um regaço para chorar, mas um regaço enorme, sem forma, espaçoso como uma noite de Verão, e contudo próximo, quente, feminino, ao pé de uma lareira qualquer... Poder ali chorar coisas impensáveis, falências que nem sei quais são, ternuras de coisas inexistentes, e grandes dúvidas arrepiadas de não sei que futuro...
Toda a vida da alma humana é um movimento na penumbra. Vivemos, num lusco-fusco de consciência, nunca certos com o que somos ou com o que nos supomos ser. Nos melhores de nós vive a vaidade de qualquer coisa, e há um erro cujo ângulo não sabemos. Somos qualquer coisa que se passa no intervalo de um espectáculo; por vezes, por certas portas, entrevemos o que talvez não seja senão cenário. Todo o mundo é confuso, como vozes na noite. Estas páginas, em que registo com uma clareza que dura para elas, agora mesmo as reli e me interrogo. Que é isto, e para que é isto? Quem sou quando sinto? Que coisa morro quando sou? (...) Cada um tem a sua vaidade, e a vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros com alma igual. A minha vaidade são algumas páginas, uns trechos, certas dúvidas...
( Salaz- Não conhecia a palavra. Gostei, pois não é frequente um texto suscitar-me dúvidas que me obriguem a recorrer ao dicionário // Mesmerismo - Gosto do nome e do conceito, mas tenho dúvidas sobre as implicações , consequências...)
Eduardo Muriel e Beatriz Noguera tinham três filhos, duas raparigas e um rapaz... a partir do momento em que me passou pela cabeça a ideia de uma possível falsa paternidade, comecei a prestar atenção aos rostos deles, aos seus gestos e ao seu porte...Mas a verdade é que os três eram tão parecidos com a mãe que era como se esta os tivesse concebido sozinha, sem intervenção varonil.
Muriel era alguém que conhecia a renúncia, ou que estava ciente de que o amor chega sempre atrasado ao encontro com as pessoas, como me disse, com melancolia, que lera uma vez num livro, não sei qual.
Era como se toda a existência de Beatriz ou a sua passagem pelo mundo se houvessem tingido de timidez ou de contenção; quem podia dizer se desde o início, se a partir de um determinado momento. Quando alguém é repudiado pelo principal objeto do seu amor, é fácil que se instale em si a sensação geral de estar a mais; de que a manifestação do seu afeto pode ser enjoativa ou indesejada, de que nunca se deve impor sem convite prévio.(...) Às vezes parecia-me que Beatriz andava pela casa para que a vissem, por assim dizer, esperando que alguém a chamasse ou se aproximasse dela e solicitasse a sua companhia, ou pedindo autorização com os seus olhos cautos para dar beijos e abraços.
Há assuntos acerca dos quais é preferível manter uma dúvida não premente, suportável, do que perseguir uma certeza decepcionante ou ingrata...
Foi há 5 anos que reli este livro: uma eternidade...
Mas ainda tinha outras dores no corpo para resolver, e sabia que uma, pelo menos, era irresolúvel. Uma palavra, aliás, era importante; os médicos, vários, à frente dela haviam-na utilizado: isto não tem solução. Só um milagre. O primeiro choque: apresentava um problema aos médicos: uma dor, estava doente; eis um problema, uma charada orgânica. E os médicos respondiamlhe encolhendo os ombros, com certa tristeza mais ou menos profissional, mas sem acções, sem propostas: isto é irresolúvel. A sua doença não se pode tratar. Apresentara um problema aos médicos e estes devolviam-no, no mesmo estado, sem interferir: a questão intacta. Por que tenho de morrer? (...) Mylia, de facto, sentia-se segura, estranhamente: aquela dor de fome era uma garantia, uma garantia de imortalidade, pelo menos momentânea. Não posso morrer, assim, de repente, da outra dor, se esta dor agora está tão forte! E sentindo-se segura tentava distrair-se da vontade de comer. Se comer esta dor passa, e depois vem a outra e, dessa sim, posso morrer
Estava ali, não apenas um problema terapêutico, dirigido a loucos, mas um problema moral, básico, que dizia respeito a todos os homens. Um homem moral em que assuntos deve pensar? E em que assuntos não deve pensar? Claro que a Igreja já tentara responder a esta pergunta e muito antes dos médicos que vigiam os loucos, já os padres dirigiam a sua vigilância e o seu juízo aos pensamentos, e não apenas às acções humanas. Não bastava responder moralmente à pergunta: que actos devo fazer? Faltava responder com a mesma consistência: que pensamentos devo ter? O doutor Gomperz possuía, assim, da loucura – embora não se atravesse a expressá-lo – uma imagem associada à imoralidade: louco é o que age imoralmente e louco ainda é o que agindo moralmente pensa de modo imoral. A loucura seria, assim, uma pura falta de ética, momentânea, porventura, e portanto curável, ou definitiva, eterna, e portanto: incurável.
Quantas coisas, que temos por certas ou justas, não são mais que os vestígios dos nossos sonhos, o sonambulismo da nossa incompreensão! Sabe acaso alguém o que é certo ou justo? Quantas coisas, que temos por belas, não são mais que o uso da época, a ficção do lugar e da hora? Quantas coisas, que temos por nossas, não são mais que aquilo de que somos perfeitos espelhos, ou envólucros transparentes, alheios no sangue à raça da sua natureza! Quanto mais medito na capacidade, que temos, de nos enganar mais se me esvai entre os dedos lassos a areia fina das certezas desfeitas. E todo o mundo me surge, em momentos em que a meditação se me torna um sentimento, e com isso a mente se me obnubila, como uma névoa feita de sombra, um crepúsculo dos ângulos e das arestas, uma ficção do interlúdio, uma demora da antemanhã. Tudo se me transforma em um absoluto morto de ele mesmo, numa estagnação de pormenores. E os mesmos sentidos, com que transfiro a meditação para esquecê-la, são uma espécie de sono, qualquer coisa de remoto e de sequaz, interstício, diferença, acaso das sombras e da confusão. Nesses momentos, em que compreenderia os ascetas e os retirados, se houvesse em mim poder de compreender os que se empenham em qualquer esforço com fins absolutos, ou em qualquer crença capaz de produzir um esforço, eu criaria, se pudesse, toda uma estética da desconsolação, uma rítmica íntima de balada de berço, coada pelas ternuras da noite em grandes afastamentos de outros lares. Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de porque se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via uma coisa e o outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exactamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão.
Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.
Quanto mais medito na capacidade que temos de nos enganar, mais se me esvai entre os dedos lassos a areia fina das certezas desfeitas. E todo o mundo me surge, em momentos em que a meditação se me torna um sofrimento, e com isso a mente se me obnubila, como uma névoa feita de sombra, um crepúsculo dos ângulos e das arestas, uma ficção do interlúdio, uma demora da antemanhã. Tudo se me transforma em um absoluto morto de ele mesmo, numa estagnação de pormenores. E os mesmos sentidos, com que transfiro a meditação para esquecê-la, são uma espécie de sono, qualquer coisa de remoto e de sequaz, interstício, diferença, acaso das sombras e da confusão.
A certeza — isto é, a confiança no carácter objectivo das nossas percepções, e na conformidade das nossas ideias com a «realidade» ou a «verdade» — é um sintoma de ignorância ou de loucura. O homem mentalmente são não está certo de nada, isto é, vive numa incerteza mental constante; quer dizer, numa instabilidade mental permanente; e, como a instabilidade mental permanente é um sintoma mórbido, o homem são é um homem doente. Distinguirei, no fenómeno chamado certeza, a parte subjectiva e a objectiva — a certeza em si, e aquilo de que há certeza. Considerada em si, a certeza nada vale. Nenhum de nós tem mais certeza de ter diante de si esta página que tem um perseguido de estar sendo perseguido por numerosos «inimigos», ou um megalómano de ser Jesus Cristo, ou Deus, ou Imperador do Mundo. O lugar das certezas absolutas, inteiras, que não sentem dúvida nem hesitação, é o manicómio.
Será que fernando pessoa tem razão?
Quando eu morrer, serei considerada uma mulher do século XX ou do XXI? Pode parecer irrelevante, mas invejo os seres que nascem e morrem no mesmo século...
O seu destrambelhamento sexual dava-lhe não só uma acuidade estranha para analisar até chegar às bases sexuais dos actos, aparentemente deles remotas, dos indivíduos - o que era horrorosamente desidealizante -, mas dava-lhe também a tendência para orientar sempre para um ponto sexual a sua análise dos indivíduos. A sua sexualidade enchia todo o cérebro - cobria tudo com a sua intenção. Misturava-se estranhamente com a sua ânsia de verdade e de certeza e, n'este ponto, poucas eram as dúvidas que ele tinha sobre se esses elementos sexuais, que ele tendia a achar basilares em quase todas as acções, o seriam ou não.
Levas a mão ao cabelo
Num gesto de quem não crê.
Mas eu não te disse nada.
Duvidas de mim? Porquê?
Todos os dias a Matéria me maltrata. A minha sensibilidade é uma chama ao vento.
Passo por uma rua e estou vendo na face dos transeuntes, não a expressão que eles realmente têm, mas a expressão que teriam para comigo se soubessem a minha vida, e como eu sou, se eu trouxesse transparente nos meus gestos e no meu rosto a ridícula e tímida anormalidade da minha alma. Em olhos que não me olham, suspeito troças que acho naturais, dirigidas contra a excepção deselegante que sou entre um mundo de gente que age e goza; e no fundo suposto de fisionomias que passam gargalha da acanhada gesticulação da minha vida uma consciência dela que sobreponho e interponho. Debalde, depois de pensar isto, procuro convencer-me de que de mim, e só de mim, a ideia da troça e do opróbio leve parte e esguicha. Não posso já chamar a mim a imagem do ver-me ridículo, uma vez objectivado nos outros. Sinto-me, de repente, abafar e hesitar numa estufa de mofas e inimizades. Todos me apontam a dedo do fundo das suas almas. Lapidam-me de alegres e desdenhosas troças todos que passam por mim. Caminho entre fantasmas inimigos que a minha imaginação doente imaginou e localizou em pessoas reais. Tudo me esbofeteia e me escarnece. E às vezes, em pleno meio da rua — inobservado, afinal — paro, hesito, procuro como que uma súbita nova dimensão, uma porta para o interior do espaço, para o outro lado do espaço, onde sem demora fuja da minha consciência dos outros, da minha intuição demasiado objectivada da realidade das vivas almas alheias. Será que o meu hábito de me colocar na alma dos outros, me leva a ver-me como os outros me vêem, ou me veriam se em mim reparassem? Sim. E uma vez eu perceba como eles sentiriam o meu respeito se me conhecessem, é como se eles o sentissem na verdade, o estivessem sentindo, e sentindo-o, exprimindo-o naquele momento. Conviver com os outros é uma tortura para mim. E eu tenho os outros em mim. Mesmo longe deles sou forçado ao seu convívio. Sozinho, multidões me cercam. Não tenho para onde fugir a não ser que fuja de mim.
There's a bottom to the top of a moment You won't always be around Catch a nigga coming quickly behind you People want you underground Do you misbehave? Haunt you to your grave I'm going to eat you alive Please don't find me rude But I don't eat fast food So don't run too fast
O homem recusa o mundo tal como ele é, sem aceitar o eximir-se a esse mesmo mundo. Efetivamente os homens gostam do mundo e, na sua imensa maioria, não querem abandoná-lo. Longe de quererem esquecê-lo, sofrem, sempre, pelo contrário, por não poderem possuí-lo suficientemente, estranhos cidadãos do mundo que são, exilados na sua própria pátria. Excepto nos momentos fulgurantes da plenitude, toda a realidade é para eles imperfeita. Os seus actos escapam-lhes noutros actos; voltam a julgá-los assumindo feições inesperadas; fogem, como a água de Tântalo, para um estuário ainda desconhecido. Conhecer o estuário, dominar o curso do rio, possuir enfim a vida como destino, eis a sua verdadeira nostalgia, no ponto mais fechado da sua pátria. Mas essa visão que, ao menos no conhecimento, finalmente os reconciliaria consigo próprios, não pode surgir; se tal acontecer, será nesse momento fugitivo que é a morte; tudo nela termina. Para se ser uma vez no mundo, é preciso deixar de ser para sempre.
Neste ponto nasce essa desgraçada inveja que tantos homens sentem da vida dos outros. Apercebendo-se exteriormente dessas existências, emprestam-lhes uma coerência e uma unidade que elas não podem ter, na verdade, mas que ao observador parecem evidentes. Este não vê mais que a linha mais elevada dessas vidas, sem adquirir consciência do pormenor que as vai minando. Então fazemos arte sobre essas existências. Romanceamo-las de maneira elementar. Cada um, nesse sentido, procura fazer da sua vida uma obra de arte. Desejamos que o amor perdure e sabemos que tal não acontece; e ainda que, por milagre, ele pudesse durar uma vida inteira, seria ainda assim um amor imperfeito. Talvez que, nesta insaciável necessidade de subsistir, nós compreendêssemos melhor o sofrimento terrestre, se o soubéssemos eterno. Parece que, por vezes, as grandes almas se sentem menos apavoradas pelo sofrimento do que pelo facto de este não durar. À falta de uma felicidade incansável, um longo sofrimento ao menos constituiria um destino. Mas não; as nossas piores torturas terão um dia de acabar. Certa manhã, após tantos desesperos, uma irreprimível vontade de viver virá anunciar-nos que tudo acabou e que o sofrimento não possui mais sentido do que a felicidade.
Daylight
I wake up feeling like you won't play right
I used to know, but now that shit don't feel right
It made me put away my pride
So long
You made a nigga wait for some, so long
You make it hard for a boy like that to go wrong
I'm wishing I could make this mine, oh
Há um grande cansaço na alma do meu coração. Entristece-me quem eu nunca fui, e não sei que espécie de saudades é a lembrança que tenho dele. Caí entre as esperanças e as certezas, com os poentes todos.
Se um dia alguém, perguntar por mim Diz que vivi para te amar Antes de ti, só existi Cansado e sem nada para dar(...) Se o teu coração não quiser ceder Não sentir paixão, não quiser sofrer Sem fazer planos do que virá depois O meu coração, pode amar pelos dois...
Sem comentários:
Enviar um comentário