Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Embustes, simulações, fingimentos e ficções...

So, tell me how long Before the last one? And tell me how long Before the right one?



Se é para fingir, que se faça com irreverência e estilo.Não há paciência para fingimentos institucionalizados e emoções patéticas, perante a "canalização" da ignorância ou o " ministério"de Fátima.

"Fia-te na Virgem e não corras, e verás o trambolhão que levas."

A sociedade é um sistema de egoísmos maleáveis, de concorrências intermitentes. Cada homem é, ao mesmo tempo, um ente individual e um ente social. Como indivíduo, distingue-se de todos os outros homens; e, porque se distingue, opõe-se-lhes. Como sociável, parece-se com todos os outros homens; e, porque se parece, agrega-se-lhes. A vida social do homem divide-se, pois, em duas partes: uma parte individual, em que é concorrente dos outros, e tem que estar na defensiva e na ofensiva perante eles; e uma parte social, em que é semelhante dos outros, e tem tão-somente que ser-lhe útil e agradável. Para estar na defensiva ou na ofensiva, tem ele que ver claramente o que os outros realmente são o que realmente fazem, e não o que deveriam ser ou o que seria bom que fizessem. Para lhes ser útil ou agradável, tem que consultar simplesmente a sua mera natureza de homens. A exacerbação, em qualquer homem, de um ou outro destes elementos leva à ruína integral desse homem, e portanto à própria frustração do intuito do elemento predominante, que, como é parte do homem, cai com a queda dele. Um indivíduo que conduza a sua vida em linhas de uma moral altíssima e pura acabará por ser intrujado por toda a gente — até pelos indivíduos que, sendo também morais,o são com menos altura e pureza. E o despeito, a amargura, a desilusão, que corroem a natureza moral, serão os resultados da sua experiência. Mas também um indivíduo, que conduza a sua vida em linhas de um embuste constante, acabará, ou na cadeia, onde há pouco que intrujar, ou por se tomar suspeito a todos e por isso já não poder intrujar ninguém.

Contra o que é hábito, não sei se concordo com fernando pessoa. De qualquer modo, enquanto o embuste fatimista estiver ao rubro, a única coisa possível é tornar-me avestruz, antes que fique com instintos de taxi driver...



Continua a ser um documento importante, este livro, publicado em 1971.
É fácil avaliar a profunda deformação mental que a intensa catequese, a que foi submetida, devia ter produzido no cérebro débil duma criança de seis anos, que desconhece as mais elementares noções das realidades – criança tão ignorante e tão inconsciente que, quatro anos depois, a acreditarmos no que se lê em “Jacinta”, não compreende o que sejam meses e anos e não sabe distinguir uns dos outros os dias das semanas. A mãe, que lia alguma coisa, à noite entretinha os filhos falando-lhes das aparições de Lourdes e de La Salete e lendo-lhes fabulosas histórias nas páginas do “Velho Testamento” e de “A Missão Abreviada”. Para Lúcia, por esta razão, o trato directo entre divindade e os homens era facto corrente,uma verdade absoluta. Aproveitando esta inocência de Lúcia, alguém teria, assim, proporcionado a sua “reclusão” num convento, para que toda a suposta revelação da Virgem aos Pastorinhos fosse sendo rebuscadamente elaborada por mentes mais astutas: Se a vidente é um transmissor e propagador de mensagens divinas, era racional e lógico que a deixassem permanecer em contacto com toda a gente, como testemunho vivo dos desejos de Deus. Usando da maior prudência, as autoridades eclesiásticas obstam a que tal aconteça. Quando realizadas fora dos conventos, as aparições, na maioria dos casos, têm por únicas testemunhas crianças ignorantes, inconscientes e crendeiras, a quem é facílimo mistificar. Uma vez que a aparição é declarada digna de crédito, a vidente é rigorosamente sequestrada do mundo e enclausurada num convento. Onde num mágico e poderoso cadinho será transformada em “coisa morta que os outros conduzirão”. Os que aprovam o milagre farão da vidente uma criatura totalmente passiva, que deixará de pensar por si.

Da nova história, no decurso dos vinte anos que se seguiram a 1917, nunca ninguém soube nada de nada: nem os pais dos videntes, nem os irmãos, nem os vizinhos. E Lúcia, anteriormente a 1938, também não conhecia dela uma palavra.

Ora se Lúcia é possuidora duma instrução intelectual reduzidíssima, não podem ser da sua autoria as revelações que lhe são atribuídas, visto que muitos dos trechos, que as constituem, chegam a alcançar certo brilho literário. E como os autores fatimidas sabem que o texto das revelações lhe não pertencem, cada um lhe dá a forma que mais lhe agrada, como é fácil verificar. Um sinal desta manobra dos autores fatimidas constatar-se-ia na tentativa de justificação, colocada no punho de Lúcia, da memória que ainda guardaria dos factos, não obstante o tempo decorrido depois dos mesmos: Os redactores dos discursos empenham-se em fazer crer que Lúcia possui uma memória prodigiosa, chegando a atribuir a Lúcia esta ingénua e modesta explicação:
- “Como é, não sei. O nosso bom Deus, que reparte os dons que lhe apraz, repartiu comigo este bocadinho de memória e por isso só ele sabe como é”.
Ora a memória prodigiosa de Lúcia é made in Fátima e saída da mesma retorta de que surgiu a nova história.

As nossas perpétuas mentiras, as nossas hipocrisias, toda a estrutura do fingimento, própria de uma raça que não conhece a nudez, que é uma raça vestida.
- Mas a mentalidade artística deles era uma mentalidade de pederastas.
- E a nossa? - de onanistas.


Maybe I listen more than you think I can tell that somebody sold you We said we've never let anyone in We said we'd only die of lonely secrets The system only dreams in total darkness Why are you hiding from me?



Dá um trabalho infinito silenciar aquilo que é certo ou contar embustes, mantê-los é tarefa titânica e mais ainda recordar quais são.
Há aqueles que se deleitam com o engano e a astúcia e a simulação, e têm uma paciência enorme para tecer as suas redes. São capazes de viver o longo presente com um olho posto no futuro impreciso que não se sabe quando vai chegar, ou quando eles vão decidir que se cumpra e por fim se torne presente e, portanto, passado ao fim de muito pouco tempo. Às vezes prolongam ou adiam o momento da vingança, se é vingança o que procuram, ou da concretização, se o seu empenho é conseguir um objectivo, ou do absoluto amadurecimento do seu plano, se é um plano aquilo que arquitectam; e às vezes esperam tanto que nada chega a realizar-se e tudo se lhes apodrece na imaginação. Há aqueles que actuam continuamente no segredo e na ocultação, e também têm paciência para nunca desmontarem a rede. Estranhamente, não se cansam disso nem dão pela falta daquilo que é diáfano , simples e límpido, das cartas sobre a mesa, do olhar de frente e de poderem dizer:" Quero isto e é a isto que vou. Já não quero confundir-te nem enganar-te mais. Menti-te e fingi e há muito que o faço, quase desde que te conheci.Foi necessário ou vi-me obrigado, obedecia a ordens ou disso dependeu a minha felicidade, ou foi nisso que acreditei.Queria-te demasiado ou eras-me completamente indiferente, enganei-te para meu pesar e contra a minha consciência ou não me custou mesmo nada, para mim eras tudo ou não eras nada, tanto faz, agora tanto faz. Sinto-me mal e estou exausto. Dá um trabalho infinito silenciar aquilo que é certo ou contar embustes, mantê-los é tarefa titânica e mais ainda recordar quais são. O medo de me contradizer sem disso dar conta, de ser apanhado numa contradição, de me desdizer sem querer, obriga-me a nunca baixar a guarda e esgota-me.

São demasiadas as vidas configuradas sobre o engano ou o erro, a maior parte com certeza desde que o mundo existe, porque iria eu livrar-me disso, porque não a minha também? De vez em quando, este pensamento serve-me de consolo, para me convencer de que não sou o único mas antes, pelo contrário, mais um da lista sem fim, dos que tentaram cingir-se ao prometido...

Assim começa o mal e o pior fica para depois.



And I'm tired, and I'm tired Is that the truth, he says The pain is easy Too many words, too many words

Desde que tenho consciência, apercebi-me de uma tendência inata em mim para a mistificação, a mentira artística. Tenho sido ator sempre, e a valer. Sempre que amei, fingi que amei, e para mim mesmo o finjo...

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente...

Estou num dia em que me pesa, como uma entrada no cárcere, a monotonia de tudo. A monotonia de tudo não é, porém, senão a monotonia de mim. Cada rosto, ainda que seja o de quem vimos ontem, é outro hoje, pois que hoje não é ontem. Cada dia é o dia que é, e nunca houve outro igual no mundo. Só em nossa alma está a identidade - a identidade sentida, embora falsa, consigo mesma - pela qual tudo se assemelha e se simplifica. O mundo é coisas destacadas e arestas diferentes; mas, se somos míopes, é uma névoa insuficiente e contínua. O meu desejo é fugir. Fugir ao que conheço, fugir ao que é meu, fugir ao que amo. Desejo partir - não para as índias impossíveis, ou para as grandes ilhas ao Sul de tudo, mas para o lugar qualquer - aldeia ou ermo - que tenha em si o não ser este lugar. Quero não ver mais estes rostos, estes hábitos e estes dias. Quero repousar, alheio, do meu fingimento orgânico. Quero sentir o sono chegar como vida, e não como repouso. Uma cabana à beira-mar, uma caverna, até, no socalco rugoso de uma serra, me pode dar isto. Infelizmente, só a minha vontade mo não pode dar.

Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada esperes que em ti já não exista,
Cada um consigo é triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
Sorte se a sorte é dada.


Na noite de sete de Março de 1914, Fernando Pessoa, poeta e fingidor, sonhou que acordava. Tomou o café no seu pequeno quarto alugado, fez a barba e vestiu-se com esmero. Enfiou a gabardina, porque lá fora chovia. Quando saiu faltavam vinte minutos para as oito, e às oito em ponto estava na estação do Rossio, na plataforma do comboio com destino a Santarém. O comboio partiu pontualmente às oito e cinco. Fernando Pessoa tomou lugar num compartimento onde estava sentada uma senhora aparentando cinquenta anos, que lia. Era a sua mãe e não era a sua mãe, e estava imersa na leitura. Fernando Pessoa pôs-se também a ler. Naquele dia tinha de ler duas cartas que lhe tinham chegado da África do Sul e lhe falavam de uma infância longínqua.
Fui como uma erva e não me arrancaram, disse a certo ponto a senhora que aparentava cinquenta anos. A frase agradou a Fernando Pessoa, que a anotou num caderninho. Entretanto, diante deles, passava a paisagem plana do Ribatejo, com arrozais e campinas.Quando chegaram a Santarém, Fernando Pessoa apanhou a tipóia. Sabe onde fica uma casa isolada caiada de branco?, perguntou ao cocheiro. O cocheiro era um homenzinho anafado, com o nariz vermelho do álcool. Claro, disse, é a casa do senhor Caeiro, conheço-a bem. E fustigou o cavalo. O cavalo começou a trotar na estrada principal ladeada de palmeiras. Nos campos viam-se palhotas com um ou outro preto à porta.
Mas onde estamos nós?, perguntou Pessoa ao cocheiro, para onde me leva?
Estamos na África do Sul, respondeu o cocheiro, e estou a levá-lo a casa do senhor Caeiro.
Pessoa tranquilizou-se e apoiou-se às costas do assento. Ah, estava então na África do Sul, era mesmo isso que queria. Cruzou as pernas com satisfação e viu os seus tornozelos nus, dentro de umas calças à marinheiro. Compreendeu que era um rapazinho, o que muito o alegrou. Era bom ser um rapazinho que viajava para a África do Sul. Pegou num maço de cigarros e acendeu um com volúpia. Ofereceu um ao cocheiro, que aceitou avidamente.
Caía o crepúsculo quando avistaram uma casa branca que ficava numa colina ponteada de ciprestes. Era uma típica casa ribatejana, comprida e baixa, com as telhas vermelhas com beirais. A tipóia entrou na alameda de ciprestes, o cascalho rangeu debaixo das rodas, um cão ladrou no campo. À porta da casa estava uma velhota com óculos e uma touca branca. Pessoa percebeu subitamente que se tratava da tia-avó de Alberto Caeiro, e erguendo-se em bicos de pés, beijou-a nas faces.
Não me canse muito o meu Alberto, disse a velhota, tem uma saúde tão fraca.
Afastou-se para o lado e Pessoa entrou na casa. Era uma sala ampla, mobilada com simplicidade. Havia um fogão de sala, uma pequena estante, um aparador cheio de pratos, um sofá e duas poltronas. Alberto Caeiro estava sentado numa poltrona e tinha a cabeça inclinada para trás. Era o Headmaster Nicholas, o seu professor da High School.
Não sabia que Caeiro fosse o senhor, disse Fernando Pessoa, e fez um ligeiro cumprimento com a cabeça. Alberto Caeiro fez-lhe um gesto fatigado para entrar. Entre, caro Pessoa, convoquei-o aqui porque queria que soubesse a verdade.
Entretanto a tia-avó chegou com uma bandeja com chá e bolinhos. Caeiro e Pessoa serviram-se e pegaram nas chávenas.
Pessoa lembrou-se de não espetar o dedo mindinho, porque não era elegante. Ajeitou a gola do seu fatinho à marinheiro e acendeu um cigarro. O senhor é o meu mestre, disse.
Caeiro suspirou, e depois sorriu. É uma longa história, disse, mas é inútil contar-lha de fio a pavio, você é inteligente e compreenderá mesmo se eu saltar algumas passagens. Saiba apenas isto, que eu sou você.


Vou afastar-me de toda a gente até ao ponto de perder a consciência. Fazer de todos um inimigo, não falar com ninguém.

Os males da inteligência, infelizmente, doem menos que os do sentimento, e os do sentimento, infelizmente, menos que os do corpo. Digo «infelizmente» porque a dignidade humana exigiria o avesso. Não há sensação angustiada do mistério que possa doer como o amor, o ciúme, a saudade, que possa sufocar como o medo físico intenso, que possa transformar como a cólera ou a ambição. Mas também nenhuma dor das que esfacelam a alma consegue ser tão realmente dor como a dor de dentes, ou a das cólicas, ou (suponho) a dor de parto.

O isolamento talhou-me à sua imagem e semelhança. Ao passo que no homem normal o contacto com outrem é um estímulo para a expressão e para o dito, em mim esse contacto é um contra-estímulo, se é que esta palavra composta é viável perante a linguagem. Sou capaz, a sós comigo, de idear quantos ditos de espírito, respostas rápidas ao que ninguém disse, fulgurações de uma sociabilidade inteligente com pessoa nenhuma; mas tudo isso se me some se estou perante um outrem físico, perco a inteligência, deixo de poder dizer, e, no fim de uns quartos de hora, sinto apenas sono.(...) Pesa-me, aliás, toda a ideia de ser forçado a um contacto com outrem. Um simples convite para jantar com um amigo me produz uma angústia difícil de definir. A ideia de uma obrigação social qualquer — ir a um enterro, tratar junto de alguém de uma coisa do escritório, ir esperar à estação uma pessoa qualquer, conhecida ou desconhecida —, só essa ideia me estorva os pensamentos de um dia, e às vezes é desde a mesma véspera que me preocupo, e durmo mal, e o caso real, quando se dá, é absolutamente insignificante, não justifica nada; e o caso repete-se e eu não aprendo nunca a aprender.

Voltei sempre com vontade de jantar. Mas nunca jantei o jantar que soa atrás de persianas Das casas felizes dos arredores por onde se volta ao eléctrico, Das casas conjugais da normalidade da vida! Pago o bilhete através dos interstícios, E o condutor passa por mim como se eu fosse a Crítica da Razão Pura..





Só tenho uma certeza : não preciso, nunca precisei, que gostem de mim. Preciso, todavia, que finjam que gostam de mim. O que lhe custa fingi-lo? Durante um sonho, proferi esta afirmação e acordei a pensar nela.

O privilégio de se ser uma vítima do nosso sentimento de superioridade, é difícil de suportar. Assusta muita gente, parece uma heresia em tempos como os nossos.

Sinto-me muito insegura com o brilho da luz na água do mar.Não gosto de insegurança. Não gosto do efémero…

Há palavras que são insubstituíveis. Elas, de resto, não exprimem nunca o conflito, mas o seu fantasma; e o fantasma duma realidade está subordinado à escolha estrita das palavras.


Teu carinho, que fingido,
Dá-me o prazer de saber
Que inda não tens esquecido
O que o fingir tem de ser.


É esta a mais grandiosa história dos homens, a de tudo o que estremece, sonha, espera e tenta, sob a carapaça da sua consciência, sob a pele, sob os nervos, sob os dias felizes e monótonos, os desejos concretos, a banalidade que escorre das suas vidas, os seus crimes e as suas redenções, as suas vítimas e os seus algozes, a concordância dos seus sentidos com a sua moral. Tudo o que vivemos nos faz inimigos, estranhos, incapazes de fraternidade. Mas o que fica irrealizado, sombrio, vencido, dentro da alma mais mesquinha e apagada, é o bastante para irmanar esta semente humana cujos triunfos mais maravilhosos jamais se igualam com o que, em nós mesmos, ficará para sempre renúncia, desespero e vaga vibração. O mais veemente dos vencedores e o mendigo que se apoia num raio de sol para viver um dia mais, equivalem-se, não como valores de aptidões ou de razão, não talvez como sentido metafísico ou direito abstracto, mas pelo que em si é a atormentada continuidade do homem, o que, sem impulso, fica sob o coração, quase esperança sem nome.
Eis Quina, exemplo de energias humanas que entre si se devoraram e se deram vida. Vaidade e magnífico conteúdo espiritual foram os seus pólos; equilibrando-se entre eles, percorreu um extremo e outro da terra, venceu e foi vencida, sem que, porém, as suas aspirações mais inquietantes deixassem de ser, no seu íntimo, as mesmas formas incompletas, chave da transfiguração que os homens eternamente tentam moldar e se legam de mão em mão, como um segredo e como uma dúvida.


Quina abriu os olhos, e disse em voz audível algumas palavras que não eram delírio, nem oração, porque o tempo de oração estava no fim, e toda a sua alma se projectava num abismo inefável, se dispersava para entrar na composição magnífica do cosmos.

Eis Germa, eis a sua vez agora e o tempo de traduzir a voz da sua sibila. Talvez, porém, o seu tempo seja improdutivo e nefasto, e ela fique de facto silenciosa, porque - quem é ela para ser um pouco mais do que Quina e esperar que os tempos novos sejam mais aptos a esclarecer o homem e a trazer-lhe a solução de si próprio? Talvez ela fique de facto imóvel no seu constante, lento ou vertiginoso baloiçar, na casa que fortuitamente habita, e a sua história fique hermeticamente fechada no círculo de aspirações que não conseguiu detalhar e cumprir, porque aconteceu ser cedo ou ser tarde, porque não se compreende ou não se crê o bastante, porque se deseja demasiado e isto é todo o destino, porque... porque...


Como invejo esta serenidade marmórea. Sempre pensei: "quando for mais velha..." Há muito tempo que "sou mais velha" e a serenidade não chega...

Sinto esse frio coração eu mesmo
Admirado de ser um coração,
Tão frio está! Já o sonho
Porque quis fingir para mim mesmo
Esquecê-lo


Nasci mulher e morrerei criança. Neste entretanto, vou fingindo que sou adulta ...

Só um ato de confiança dá paz e serenidade.Talvez dostoiévski tenha razão: é confiança e segurança o que me faltam, sempre me faltaram. Fui uma criança insegura, perseguida pelo fantasma de um avô que nunca conheci; uma adolescente insegura porque...; fui e sou uma mulher insegura porque...porque...

Vou começar a esculpir-me. Sendo a beleza absolutamente inatingível, resta-me a serenidade. O escultor, apesar de não ser eu, é uma parte de mim...Gosto de me entregar à sorte, ao destino, ao acaso, a uma dessas coisas que , sem existirem, existem... Atrai-me transferir a decisão para um tu insciente do poder que lhe é confiado: alea jacta est...



Oh yes, I'm the great pretender Pretending that I'm doing well My need is such; I pretend too much I'm lonely but no one can tell. Oh yes, I'm the great pretender A drift in a world of my own I play the game; but to my real shame You've let me to dream all alone. Too real is this feeling of make believe Too real when I feel what my heart can't conceal. Oh yes I'm the great pretender Just laughing and gay like a clown I seem to be what I'm not; you see I'm wearing my heart like a crown Pretending that you're still around...


Indiferente assisto Ao cadaverizar Do que sou. Em que alma ou corpo existo? Vou dormir ou despertar? Onde estou se não estou…
De aqui a pouco acaba o dia. Não fiz nada. Também, que coisa é que faria? Fosse o que fosse, estava errada. De aqui a pouco a noite vem. Chega em vão Para quem como eu só tem Para o contar o coração. E após a noite a irmos dormir Torna o dia. Nada farei senão sentir. Também que coisa é que faria?


O nosso amor é parecido com o sonho porque não é senão a superfície do amor: O meu amor é impossível como realidade, possível só com amor. (…) Cada uma de nós, no nosso amor, não ama senão a si, no amor; sonha em voz alta e é ouvida. Sonha com o corpo, com os beijos, com os braços.


1.ª Dir-lhe-ei que o não amo.Que melhor amante que tu? És mulher como eu e amando-te é a mim que me posso amar.
Realizar o amor é desiludir-se. Quanto não desiludir-se é acostumar-se. Acostumar-se é morrer. Por mim só amei na minha vida, e amo, a um estrangeiro de quem não vi mais do que o perfil, a um cair de tarde, quando estávamos numa multidão.
1.ª Mas ele sabe que o amas? Se ele não sabe que tu o amas de que serve amá-lo?
2.ª O meu amor é o meu e está em mim e não nele. Que tem ele comigo senão o amo? Se eu o conhecesse a nossa primeira palavra seria a nossa primeira desilusão... (...) Valerá a pena amar o que podemos ter? Amar é querer e não ter. Amar é não ter. O que temos, temos, não amamos.

A. Se, apesar de tudo, nós nos amássemos!
B. Não, agora já não pode ser. Descobrimos num momento o que os felizes atravessaram a vida sem descobrir, e os mais infelizes levam muito tempo a achar. Descobrimos que somos dois e que por isso não nos podemos amar. Descobrimos que não se pode amar mas só supor que se ama.
A. Ah mas eu amo-te tanto, tanto! Tu se dizes isso é porque não imaginas quanto eu te amo.
B. Não, é porque sei quanto tu me não podes amar... Escuta-me. O nosso erro foi pensar no amor. Devíamos ter pensado apenas um no outro. Assim, descobrimo-nos, despimo-nos da ilusão para vermos bem como éramos e vimos que éramos apenas como a ilusão nos fizera. No fundo não somos nada senão Dois. No fundo somos uma epopeia eterna — o Homem e a Mulher... (...)
A. Oh, meu amor, não pensemos mais, não pensemos mais. Amemos sem pensar. Maldito seja o pensamento! Se não pensássemos seríamos sempre felizes... Que tem quem ama com o saber que ama, com pensar amor, com o que é o amor?...
B. Não podemos deixar de querer compreender. (...) Quanto mais penso em tudo, mais tudo se me resolve em oposições, em divisões, em conflitos! Mataste de todo a minha felicidade! Agora mesmo que eu quisesse sonhar, nem isso podia fazer. O mundo é absurdo como um quarto sem porta nenhuma... Que alegria, se não pensássemos e que horror o havermos pensado
!

Ficções do interlúdio...

Uma ficção é um erro relativo. Um erro é uma ficção absoluta.

Quanto mais avançamos na vida, mais nos convencemos de duas verdades que todavia se contradizem. A primeira é de que, perante a realidade da vida, soam pálidas todas as ficções da literatura e da arte. Dão, é certo, um prazer mais nobre que os da vida; porém são como os sonhos, em que sentimos sentimentos que na vida se não sentem, e se conjugam formas que na vida se não encontram; são contudo sonhos, de que se acorda, que não constituem memórias nem saudades, com que vivamos depois uma segunda vida.
A segunda é de que, sendo desejo de toda alma nobre o percorrer a vida por inteiro, ter experiência de todas as coisas, de todos os lugares e de todos os sentimentos vividos, e sendo isto impossível, a vida só subjectivamente pode ser vivida por inteiro, só negada pode ser vivida na sua substância total.(...)
Nada me satisfaz, nada me consola, tudo — quer haja sido, quer não — me sacia. Não quero ter a alma e não quero abdicar dela. Desejo o que não desejo e abdico do que não tenho. Não posso ser nada nem tudo: sou a ponte de passagem entre o que não tenho e o que não quero.


A arte é esconder a arte... Ficções do interlúdio, cobrindo coloridamente o marasmo e a decidia da nossa íntima descrença.



Num dia de Abril de 1957, pela hora da tarde, apareceu em certa aldeola da costa um automóvel aberto, rápido como o pensamento.Já alguém tinha dado por ele quando ainda vinha à distância, roncando pela estrada fora. De longe, como era vermelho, vermelho‑‑vivo, lembrava uma chama de rastilho a romper no asfalto por entre mar e cabeços.
«Que terra é aquela?», perguntou uma rapariga que vinha lá dentro.
«São Qualquer Coisa», respondeu‑lhe o homem que a acompanhava. «São Rafael, parece‑me.»
Era pessoa dos seus quarenta anos ou nem isso. Guiava de largo, cabeça para trás, mão pousada no volante. À parte o cabelo ralo e o olhar suave, todo ele, pele e gestos, tinha um aspecto terra‑‑a‑terra: dedos ossudos, pulsos chatos, unhas rasas, cor e modos de camponês — melhor: de descendente de camponês. Vinha de camisolão grosso, cachimbo nos dentes(...)




Logo adiante havia uma taberna — devia ser uma taberna por causa do ramo de louro à entrada. Um vulto que atravessava a rua esgueirou‑se lá para dentro e os dois viajantes, como seguiam devagar, tiveram tempo de ver no fundo da loja uma fila de pessoal alinhada contra o balcão mas de olhos na porta. Quedos, mudos, e de olhos na porta. A barca navegava entre esperas, perseguida pelo cão de Lázaro e pela brisa empestada de peixe.«Gosto disto», segredou a jovem. «Esta gente tem personalidade.»



I lie in your charms Though it harms the best of me And I lie on to my friends to them No wonder why I wait for thee And I hope like a child Widow of the sea...

As horas pela alameda Arrastam vestes de seda, Vestes de seda sonhada Pela alameda alongada Sob o azular do luar... E ouve-se no ar a expirar — A expirar mas nunca expira Uma flauta que delira, Que é mais a ideia de ouvi-la Que ouvi-la quase tranquila Pelo ar a ondear e a ir...Silêncio a tremeluzir...

Uma sensação, ou um sentimento, é um movimento exclusivamente no tempo e não, como os movimentos na matéria menos subtil, no tempo e no espaço .Uma sensação é um movimento porque é uma coisa que existe no tempo; nada pode existir no tempo sem se alterar, e alterar-se é mover-se. Uma sensação, dir-se-á, não pode existir sem consciência, e um objecto material pode. Mas pode como? Pode existir sem a minha consciência dele, sim; mas sem a consciência dele não pode. Nem mesmo, porventura, pode existir sem uma consciência atómica de si .

Vou dormir, dormir, dormir, Vou dormir sem despertar, Mas não dormir sem sentir Que estou dormindo a sonhar. Não insciência e só treva Mas também estrelas a abrir Olhos cujo olhar me enleva, Que estou sonhando a dormir. Constelada inexistência Em que subsiste de meu Só uma abstracta insciência Una com estrelas e céu.



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