E agora que tudo findou, eu a ouço ainda, aqui, nesta noite de verão, com um insidioso arrepio... Porque, apesar de bela, a sua voz soava-me como um insulto, era ácida como todo o desespero...Deixei de a ver: quando uma ou outra vez a encontrei, ela falava-me como se eu mal a conhecesse...tinha acabado para sempre.
Oxalá se torne uma memória suave,discreta: recordar sem mágoa e sorrir placidamente, sem a sensação de uma asfixia que sufoca. Foi a última emoção, o último mistério: quero que permaneça ad aeternum...
É um adeus...Não vale a pena sofismar a hora! É tarde nos meus olhos e nos teus...Agora, o remédio é partir discretamente, sem palavras, sem lágrimas, sem gestos. De que servem lamentos e protestos contra o destino?
Natália Correia tece violentas críticas a flobela espanca, denunciando o seu enorme descontentamento perante a alienação que a poetisa alentejana evidenciou relativamente à defesa dos direitos da mulher, sobretudo porque era dotada de potencialidades intelectuais e de um talento assinalável. No dizer de Natália, Florbela demonstrava uma feminilidade estreme, acompanhada de um coquetismo patético, chegando mesmo a acusá-la de diletantismo intelectual. Considerando-a insensível às rupturas engendradas pelas crises do discurso lógico masculino, Natália conclui que se tratou de uma diva do simbolizante, dona de uma poesia maquilhada com langores de estrela de cinema mudo. Carregada de pó-de-arroz.
Para mim? Para ti? Para ninguém. Quero atirar para aqui, negligentemente, sem pretensões de estilo, sem análises filosóficas, o que os ouvidos dos outros não recolhem: reflexões, impressões, ideias, maneiras de ver, de sentir - todo o meu espírito paradoxal, talvez frívolo, talvez profundo.Foram-se, há muito, os vinte anos, a época das análises, das complicadas dissecações interiores. Compreendi por fim que nada compreendi, que mesmo nada poderia ter compreendido de mim. Restam-me os outros... talvez por eles possa chegar às infinitas possibilidades do meu ser misterioso, intangível, secreto. ( primeiro dia)
Devo ter por alma um diamante ou uma labareda e sinto nela a beleza inquietante e misteriosa das obras incompletas ou mutiladas.(...) Até hoje, todas as minhas cartas de amor não são mais que a realização da minha necessidade de fazer frases. Se o príncipe
Charmant vier, que lhe direi eu de novo, de sincero, de verdadeiramente sentido? Tão pobres somos que as mesmas palavras nos servem para exprimir a mentira e a verdade.
Que me importa a estima dos outros se eu tenho a minha? Que me importa a mediocridade do mundo se Eu sou Eu? Que importa o desalento da vida se há a morte? Com tantas riquezas porque sentir-me pobre? E os meus versos e a minha alma, e os meus sonhos, e os montes e as rosas e a canção dos sapos nas ervas húmidas e a minha charneca alentejana e os olivais vestidos de Gata Borralheira e o assombro dos crepúsculos e o murmúrio das noites... então isto não é nada? Napoleão de saias, que impérios desejas? Que mundo queres conquistar? Estás, decididamente, atacada de delírio de grandezas!...
E não haver gestos novos nem palavras novas! (último dia, últimas palavras que florbela escreveu...)
This is the end Beautiful friend This is the end My only friend, the end Of our elaborate plans, the end Of everything that stands, the end No safety or surprise, the end I'll never look into your eyes... again Can you picture what will be So limitless and free Desperately in need... of some... stranger's hand In a... desperate land?
Jim Morrison( 8 de dezembro de 1943/ 3 de julho de 1971) e Florbela Espanca( 8 de dezembro de 1894 / 8 de dezembro de 1930) nunca se conheceram...Foi pena. Teriam gostado um do outro.
When the night has come
And the land is dark
And the moon is the only light we'll see
No I won't be afraid, no I won't be afraid
Just as long as you stand, stand by me
So darling, darling, stand by me, oh stand by me
Stand by me, stand by me
Can you remember remember my name As I flow through your life A thousand oceans I have flown(...) I know I must remain inside this silent Well of sorrow(...) And if you hear me talking on the wind You've got to understand We must remain Perfect strangers... / Yet again I'm missing you(...) I hear your name I see your face I see your face(...) Sometimes I feel like... Screaming...
But the fool on the hill Sees the sun going down And the eyes in his head See the world spinning round...
Abro a janela. Tudo lá fora é suave, mas punge-me como uma dor incerta, como uma sensação vaga de descontentamento.
(Capa da primeira edição)
Tenho sempre receio de que falem em mim. Falhei em tudo. Nada ousei sequer pensar em ser; pensar que o desejaria nem sequer o sonhei porque no próprio sonho me conheci incompatível para a vida, até no meu estado visionário de sonhador apenas. Nem um sentimento levanta a minha cabeça do travesseiro onde a afundo por não poder com o corpo, nem com a ideia de que vivo, ou sequer com a ideia absoluta da vida. Não falo a língua das realidades, e entre as coisas da vida cambaleio como um doente de longo leito que se ergue pela primeira vez. Só no leito me sinto na vida normal. Quando a febre chega agrada-me como coisa natural ao meu estado recumbente. Como uma chama ao vento tremo e estonteio-me. Só no ar morto dos quartos fechados respiro a normalidade da minha vida.Nem uma saudade já me resta dos búzios à beira dos mares. Comparei-me com ter-me a minha alma por convento e eu não ser mais para mim do que outono sobre descampados secos, sem mais vida viva do que um reflexo vivo como uma luz que finda na escuridão endovelada dos tanques, sem mais esforço e cor do que o esplendor [?] violeta — exílio do fim do poente sobre os montes...
No fundo nenhum outro prazer do que a análise da dor, nem outra volúpia que a do colear líquido e doente das sensações quando se esmiuçam e se decompõem — leves passos na sombra incerta, suaves ao ouvido, e nós nem nos voltamos para saber de quem são, vagos cantos longínquos, cujas palavras não buscamos colher, mas onde nos embala mais o indeciso do que dirão e a incerteza do lugar donde vêm; ténues segredos de águas pálidas, enchendo de longes leves os espaços (...) e nocturnos; guizos de carros longínquos, regressando donde? e que alegrias lá dentro, que não se ouvem aqui, sonolentos no torpor morno na tarde onde o verão se esquece a outono... Morreram as flores do jardim, e, murchas, são outras flores — mais antigas, mais nobres, mais coevas a amarelo morto com o mistério e o silêncio e o abandono. As cobras de água que afloram nos tanques têm a sua razão para os sonhos. Coaxar distante das rãs? Ó campo morto em mim! Ó sossego rústico passado em sonhos! Ó minha vida fútil como um maltez que não trabalha e dorme à beira dos caminhos com o aroma dos prados a entrar-lhe na alma como um nevoeiro, num sono translúcido e fresco, fundo e cheio de entender com tudo que nada liga a nada, nocturno, ignorado, nómada e cansado sob a compaixão fria das estrelas.
Sigo o curso dos meus sonhos, fazendo das imagens degraus para outras imagens; desdobrando, como um leque, as metáforas casuais em grandes quadros de visão interna; desato de mim a vida, e ponho-a de banda como a um traje que aperta. Oculto-me entre árvores longe das estradas. Perco-me. E logro, por momentos que correm levemente, esquecer o gesto à vida, deixar […] a ideia de luz e de bulício e acabar conscientemente, absurdamente pelas sensações fora, como um império de ruínas angustiadas [?], e uma entrada entre pendões e tambores de vitória numa grande cidade final onde não choraria nada, nem desejaria nada e nem a mim próprio pediria o ser.
Doem-me as superfícies dos azuis dos tanques que criei em sonhos. É minha a palidez da Lua que visiono sobre paisagens de florestas. É o meu cansaço o outono dos céus estagnados que recordo e não vi nunca. Pesa-me toda a minha vida morta, todos os meus sonhos faltos, tudo meu que não foi meu, no azul dos meus céus interiores, no tinir à vista do correr dos meus rios na alma, no vasto e inquieto sossego dos trigos nas planícies que vejo e que não vejo.
Uma chávena de café; um tabaco que se fuma e cujo aroma nos atravessa, os olhos quase cerrados num quarto em penumbra... não quero mais da vida do que os meus sonhos e isto... Se é pouco? Não sei. Sei eu acaso o que é pouco ou o que é muito?
Tarde de verão lá fora como eu gostaria de ser outro... Abro a janela. Tudo lá fora é suave, mas punge-me como uma dor incerta, como uma sensação vaga de descontentamento. E uma última coisa punge-me, rasga-me, esfrangalha-me toda a alma. É que eu, a esta hora, a esta janela, perante estas coisas tristes e suaves, devia ser uma figura estética, bela, como uma figura num quadro — e eu não o sou, nem isto sou... A hora que passe e esqueça... A noite que venha, que cresça, que caia sobre tudo e nunca se erga. Que esta alma seja o meu túmulo para sempre, e que (...) se absoluto em treva e eu nunca mais pense viver a sentir ou desejar.
O segundo inverno do meu descontentamento...
Quanto a mim, sinto nos ossos e na carne que um dia, cedo ou tarde, a minha vida cessará, e então ora luto contra o sono, ora chamo por ele e tento enganá-lo. Para mim, dormir é um esforço enorme, uma agonia. Sei isso por acordar com a sensação de uma dor esmagadora. Quando durmo, canso-me. Os meus sonhos são os problemas do dia deformados até ao absurdo.
Estaria ele irritado porque desonfiava de alguma coisa? Não, o motivo era não se ver obedecdo. Detestamos terrivelmente aqueles que não aceitam os nossos conselhos.
Quando um problema se torna demasiado vasto, o homem tem sempre o recurso a tentar ignorá-lo. Mas ele infiltra-se , penetra no espírito, mistura-se ao que já ali se encobria e dá origem ao descontentamento e à inquietação, a um sentimento de culpa, a um desejo de se manifestar antes que seja dmasiado tarde.
Não sei ao certo como são as outras pessoas por dentro - todas diferentes e todas semelhantes ao mesmo tempo. Não posso senão calcular. Mas sei de que maneira me torço e me revolvo para escapar a uma verdade dolorosa, e quando, finalmente, não a puder negar, iludo-a , esperando que ela se vá embora por si mesma.
Contentamentos descontentes...
Ricardo ama Ricardo, ou seja, eu sou eu. Haverá, em todos nós, um ricardo?
Este é o Inverno do nosso descontentamento Feito glorioso Verão por aquele filho de Yorque; E todas as nuvens que sobre a nossa casa pairavam No fundo colo do oceano enterradas ficaram. (...) Mas eu, que feito não fui para jogos de cortesão, Nem para namorar um afectuoso espelho, Eu, rudemente marcado e, do amor, carente da majestade Para perante devassas ninfas me pavonear, Eu, que fui privado de proporcional beleza, Roubado, pela dissimulada Natureza, de feição, Deformado, inacabado, enviado antes do meu tempo Para este mundo que respira ainda mal feito pela metade – E assim tão lamentável e horrendo Que até os cães me ladram quando manco ao passar por eles – Ora, eu, nestes tempos de paz melodiosos, Outro prazer não tenho em que gastar o tempo A não ser mirar a minha sombra ao Sol E cantar a minha própria deformidade. Portanto, já que um amante não poderei parecer Para festejar estes tempos bem-falantes, Um vilão estou determinado a ser E a odiar estes dias indolentes.(...)
Há , para mim, algo de similar entre ricardo e o calígula de camus: ao longo da peça, oscilo, paradoxalmente, entre o desprezo e o fascínio por estes seres ardilosos.
A primeira noção clara que tive deste meu terrível desinteresse por mim mesmo e por o que antigamente considerara mais meu, foi quando um dia, estando longe de casa, ouvi um rebate de fogo que me pareceu na freguesia. Ocorreu-me que fosse em minha casa, onde, aliás, não fora. E, ao passo que, antigamente, um pavor de se poderem perder os meus manuscritos me haveria tomado toda a alma, notei, com pasmo duplo, que a possibilidade de o fogo ser em minha casa me deixara indiferente, quase feliz na ideia de que, destruídos esses manuscritos, se me simplificaria a vida. Antigamente, a perda dos meus manuscritos, de toda a obra fragmentária mas cuidada da minha vida, reduzir-me-ia à loucura; já agora a contemplava como um incidente casual do meu destino, não como um golpe mortal que aniquilasse, por lhe aniquilar as manifestações, a minha própria personalidade.
Comecei então a compreender como por fim cansa de tudo o esforço contínuo da perfeição inatingível, e compreendi os grandes místicos e os grandes ascetas, que reconhecem na alma a futilidade da vida. Que iria de mim naqueles papéis escritos? Antes, eu diria «tudo»; hoje diria, ou «nada», ou «pouco», ou «uma coisa estranha».
Tornara-me objectivo para mim mesmo. Mas não podia distinguir se com isso me achara ou me perdera.
A seguinte farsa de folgar foi representada ao muito alto e mui poderoso rei D. João, o terceiro do nome em Portugal, no seu Convento de Tomar, era do Senhor de MDXXIII, segundo um exemplo comum que dizem: mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube.
Renego deste lavrar E do primeiro que o usou;Ó diabo que o eu dou,Que tão mau é d'aturar.Oh Jesu! que enfadamento,E que raiva, e que tormento,Que cegueira, e que canseira!Eu hei de buscar maneira D'algum outro aviamento Coitada, assi hei de estar Encerrada nesta casa Como panela sem asa,Que sempre está num lugar?E assi hão de ser logrados Dous dias amargurados,Que eu possa durar viva?
Porém não hei de casar Senão com homem avisado Ainda que pobre e pelado,Seja discreto em falar...Que seja homem mal feito, Feio, pobre, sem feição, Como tiver discrição, Não lhe quero mais proveito.E é homem de discrição...
O homem ideal para inês tinha de ser discreto, mas cedo se arrepende: Quem bem tem e mal escolhe Por mal que lhe venha não s'anoje. Renego da discrição Comendo ò demo o aviso, Que sempre cuidei que nisso Estava a boa condição.
Bom título...
Teresa Veiga não dá entrevistas e não revela a sua verdadeira identidade. Ignoramos a sua idade e profissão mas uma certeza temos: Teresa Veiga escreve como poucos. Passear pela leitura dos seus livros é um enorme, imenso prazer. Público
É o que se sabe,desta escritora que se julgou a pensar ser um homem: teresa veiga nasceu em Lisboa em 1945. Licenciada em Direito e mais tarde em Literaturas Românicas, exerceu por um breve período de tempo a actividade de conservadora do Registo Civil.
Faz-me lembrar eu próprio, nos alvores da carreira … Havia então em mim uma ânsia, um frenesim, um instinto assassino de abocanhar o mundo que não conhecia entraves nem limitações de espécie nenhuma. Digamos que tudo o que vinha à rede era peixe. Ocorre-me que a menina, repare que lhe estou a fazer um elogio, sofre dessa bulimia. Mas há sempre um reverso da medalha. A pedra aplanada pela erosão em que se senta depois de sacudir as poeiras tem por baixo uma crosta de terriça em que fervilham as larvas. Ou seja, a menina pega no drama de Natasha, apercebe-se das potencialidades da história e vá de dar asas à imaginação como se por baixo não estivessem conflitos humanos muito graves. … A sua Coimbra, menina Susana, tresanda a cadáver. … A menina Susana, muito compreensivelmente, não quis chafurdar em águas turvas e, faço-lhe justiça, provavelmente nem tem experiência de vida para tal.
O meu último pensamento deste mês foi: "da minha cama vejo a lua".As coisas em que se repara quando se dorme de janela aberta.
Helicon - E que querias tu?
Calígula - A Lua.
Helicon - O quê?
Calígula - Sim, eu queria a Lua.
Eu só quero a lua... Sei de antemão o que me vai matar. Mas ainda não esgotei tudo o que me pode fazer viver. É por isso que eu quero a lua.
A vida com todas as suas dores e receios e solavancos deve ser boa e alegre, como uma viagem em velha diligência para quem vai acompanhado (e o pode ver [?]). Nem ao menos posso sentir o meu sofrimento como sinal de Grandeza. Não sei se o é. Mas eu sofro com coisas tão reles, ferem-me coisas tão banais, que não ouso insultar com essa hipótese a hipótese de que eu possa ter génio. A glória de um poente belo, com a sua beleza entristece-me. Ante eles eu digo sempre: como quem é feliz se deve sentir contente ao ver isto!
Estocolmo, 10 de dezembro1998...
Cumpriram-se hoje exactamente 50 anos sobre a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não têm faltado comemorações à efeméride. Sabendo-se, porém, como a atenção se cansa quando as circunstâncias lhe pedem que se ocupe de assuntos sérios, não é arriscado prever que o interesse público por esta questão comece a diminuir já a partir de amanhã. Nada tenho contra esses actos comemorativos, eu próprio contribuí para eles, modestamente, com algumas palavras. E uma vez que a data o pede e a ocasião não o desaconselha, permita-se-me que diga aqui umas quantas mais.
Neste meio século não parece que os governos tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que moralmente estavam obrigados. As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante.
Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem. Ou porque não lho permitem aquelas que efectivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que somos. Pensamos que nenhuns direitos humanos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem e que não é de esperar que os governos façam nos próximos 50 anos o que não fizeram nestes que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra. Com a mesma veemência com que reivindicamos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa tornar-se um pouco melhor.
Não esqueci os agradecimentos. Em Frankfurt, no dia 8 de Outubro, as primeiras palavras que pronunciei foram para agradecer à Academia Sueca a atribuição do Prémio Nobel da Literatura. Agradeci igualmente aos meus editores, aos meus tradutores e aos meus leitores. A todos torno a agradecer. E agora também aos escritores portugueses e de língua portuguesa, aos do passado e aos de hoje: é por eles que as nossas literaturas existem, eu sou apenas mais um que a eles se veio juntar. Disse naquele dia que não nasci para isto, mas isto foi-me dado. Bem hajam portanto.
José Saramago
É nobre ser tímido, ilustre não saber agir, grande não ter jeito para viver. Só o Tédio, que é um afastamento, e a Arte, que é um desdém, douram de uma semelhança de contentamento a nossa (...) Fogos fátuos que a nossa podridão gera são ao menos luz nas nossas trevas. Só a infelicidade elementar e o tédio puro das infelicidades contínuas, é heráldico como o são descendentes de heróis longínquos.Sou um poço de gestos que nem em mim se esboçaram todos, de palavras que nem pensei pondo curvas nos meus lábios, de sonhos que me esqueci de sonhar até ao fim.Sou ruínas de edifícios que nunca foram mais do que essas ruínas, que alguém se furtou, em meio de construí-las, de pensar em quem construiu.Não nos esqueçamos de odiar os que gozam porque gozam, de desprezar os que são alegres, porque não soubemos ser, nós, alegres como eles... Esse sonho falso, esse ódio fraco não é senão o pedestal tosco e sujo da terra em que se finca e sobre o qual, altiva e única, a estátua do nosso Tédio se ergue, escuro vulto cuja face um sorriso impenetrável, nimba vagamente de segredo.Benditos os que não confiam a vida a ninguém.
Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;
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