José Saramago

terça-feira, 12 de março de 2024

sexta-feira, 1 de março de 2024

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Fragmentos sonoros...


 Primeiro fragmento de uma história do mundo , elaborada a partir da análise de notícias atuais e de memórias de personagens/ factos históricos, com "saltos no tempo e na frase", numa "prosa sonoramente pensada e partida para ser lida em voz semialta", como afirma o autor que, entre muitas outras coisas lhe interessa isto:" o entendimento que vem do ritmo e do som da linguagem de frente para os acontecimentos" 

 1. Notícias no século XXI 

 Animais periódicos, diários, que têm apetite súbito 
quando a presa está fraca,
 fazem da fotografia de um fracasso banquete
 para a enorme pançarra dos muitos sujeitos de saliva na boca.
 Notícias com rostos apanhados em descalabro 
são vendidas no mundo a peso e a metro,
 régua que mede em dólares e não em centímetros.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

AmizadeS...

Um livrinho encantador que concilia simplicidade, leveza, com profundidade... Muitas perguntas , poucas certeza, como é característico das pessoas inteligentes... Uma sintonia perfeita entre texto e imagem.

 Este livro responde a perguntas que as crianças nos fazem ou que nunca chegaram a sair da suas (e até das nossas) cabeças: 

  Como é que os nossos amigos ficam nossos amigos? O que nos faz aproximar ou afastar uns dos outros? 

Uma história sobre como nascem os amigos e os vários níveis de amizade; como se explica que haja amigos mais próximos, amigos mais distantes, amigos que só estão alguns dias na nossa vida e amigos que estarão durante toda a vida, e que não o adivinhamos. Um texto sobre porque é que a nossa vida é bem melhor com eles do que sem eles. O narrador compara o universo físico (planetas, lua, estrelas) com o universo da amizade e dá pistas sobre como reconhecer os grandes amigos. 

  O universo é feito de muitos (muitos mesmo, tipo infinitos) planetas, estrelas, galáxias, eu sei lá... (muitos eu sei lás...)

A força que os atrai uns para os outros chama-se gravidade. Se se aproximam muito, chocam uns com os outros; se se afastam muito, separam-se para sempre. 

  E as pessoas? Qual é a força que as faz aproximar e afastar? Não há nenhuma teoria? Uma Lei da Gravitação Universal das Pessoas? Que leis da Física ou da Química - ou da Música - nos regulam?

domingo, 28 de janeiro de 2024

 

Narrativa sobre a solidão, a doença dos tempos modernos, e o confronto com o passado com que  nos tentamos reconciliar...

Tentarei que tudo seja muito simples, vorobusshek: como se esta fosse uma história para crianças.
 

  George B. nunca saía de casa e, portanto, o mundo tinha de ir até ele. 

  O mundo é o reino do preconceito, afirmou, mas o meu apartamento é o reino da liberdade. Pode parecer-te uma prisão. mas, aqui dentro, posso ser exactamente quem sou.

Não tinha necessidade de sair. Tinha o dinheiro da pensão. Os amigos lá fora tratavam de tudo por mim.Tornou a levar os dedos às têmporas. A imaginação, Natascha disse, como se su fosse muito burra. A imaginação é suficiente. 

  O falecido deixou-lhe ...e uma lista telefónica de 1992. 
Compreendo que tenha recusado tudo, exceto a lista telefónica...

"Acabámos agora o nosso encontro sobre o livro O nome que a cidade esqueceu, de João Tordo. De uma forma geral, todas gostámos do livro e sentimos que as personagens e a história central nos cativou e nos fez refletir acerca de um dos maiores flagelos da sociedade atual, a solidão dos centros urbanos. A cada página, o escritor consegue transportar-nos para aquele início da década de 90, pós queda da URSS e consequentes transformações, levando o leitor a caminhar pela cidade de Nova Iorque através dos passos de Natasha, revivendo o que era a ida à biblioteca quando não havia smartphones, as relações nascidas nas típicas lavandarias norte-americanas, as personagens caricatas de uma grande metrópole, a importância das cabines telefónicas; mas também absorvendo a história de George e o seu destino, pois, tal como o nome que ele procurava na lista telefónica, ele foi um "nome que a cidade esqueceu". George e Natasha são a prova de que as coincidências existem e que, entre milhões de pessoas, às vezes podemos encontrar alguém que revoluciona o nosso destino e nos faz acreditar num "Deus do impossível, aquele que desafia toda a lógica", mesmo que o final não seja tão belo quanto esperávamos, tal como a vida real." Vanda Balão

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Luís Vaz de Camões

Nasceu faz hoje 499 anos? Nasceu faz hoje 500 anos? O que importa é que tem de ser recordado, porque devem ser assinalados "Aqueles que por obras valerosas / se vão da lei da morte libertando".

 Camões foi só um dos maiores poetas do Renascimento . Camões foi  só um génio do humanismo português...
 
 Recordemo -lo, então,  pelo lamento desencantado com que se despede na sua epopeia.  Tão magoadamente verdadeiro:  há 500 anos, tal como hoje...


 Não mais, Musa, não mais, que a Lira tenho
 Destemperada e a voz enrouquecida, 
 E não do canto, mas de ver que venho
 Cantar a gente surda e endurecida. 
 O favor com que mais se acende o engenho 
 Não no dá a pátria, não, que está metida 
 No gosto da cobiça e na rudeza 
 Duma austera, apagada e vil tristeza. 


 Os Lusíadas, Canto X,145

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

À espera...


Sinopse 

 "Babakar Traoré estudou no Canadá, é médico e vive sozinho em Guadalupe, onde estão as origens da sua família materna - mas também a sua solidão, os seus fantasmas, bem como a recordação de uma infância africana, de uma mãe de olhos azuis que vem visitá-lo em sonhos, de um antigo amor, Azélia, também desaparecida, e de outras ilusões juvenis antes do seu exílio e da idade adulta. Quando, a meio de uma noite de temporal, é chamado para assistir um parto, Babakar não sabe que a sua vida está prestes a mudar por causa dessa criança que vai nascer; a mãe, Reinette, uma refugiada haitiana, morre ao dar à luz - e a pequena Anaïs fica a seu cargo. O desejo de Reinette era que a filha fosse criada no Haiti, e Babakar muda-se para a ilha, à procura de quem pudesse ensinar a Anaïs de onde ela vem. Através da história dessa dupla improvável, Babakar e Anaïs, dos amigos Movar e Fouad, que os acompanham, e dos que foram encontrando naquela ilha martirizada por violência, governos corruptos e gangues rebeldes, mas tão bela e fascinante, irá reconstruir-se um novo mapa ligado pelos danos do colonialismo..."

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Natal...

Odi et amo. Quare id faciam fortasse requiris. Nescio, sed fieri sentio, et excrucior. 

  Natal
Leio o teu nome 
Na página da noite: Menino Deus... 
E fico a meditar 
No milagre dobrado
 De ser Deus e menino. 
Mas de ti como posso duvidar? 
Todos os dias nascem
 Meninos pobres em currais de gado.
 Crianças que são ânsias alargadas 
De horizontes pequenos. 
Humanas alvoradas... 
A divindade é o menos.


 1ª - Substituir o mês de dezembro por julho. 

2ª - Limpar o calendário, com especial afinco os dias 24 a 26 dezembro. 

3ª - Fazer um retiro em dezembro. 

4ª - Perder a memória com uma paulada na cabeça. 

5ª - Tornar-se budista ou muçulmano.

 6ª - Estragar o Natal dos outros. 

7ª - Ficar preso no elevador. 

8ª - Tornar-se monge. 

9ª - Organizar uma série de manifestações contra a guerra. 

10ª - Ter um acidente de automóvel. 

11ª - Suicidar-se.

 (Ainda tínhamos muitas ideias: prisão, LSD, Lua...Desistimos delas. Mas temos uma última:

 12ª - Fazer uma lista de propostas para escapar ao Natal.

 Nota do Autor: Feliz Natal!

sábado, 16 de dezembro de 2023

 

"Mais um ano está a findar, e Asle, um velho pintor viúvo e solitário, está parado defronte da sua última tela. Interroga-se se estará pronta, se gosta dela ou se a levará juntamente com as outras treze obras que preparou para a sua próxima exposição em Bjørgvin. É o início de uma longa meditação sobre o seu passado de jovem pintor sem dinheiro, a relação com Ales, a sua falecida mulher, e a conversão tardia ao catolicismo. Porém, existe um outro Asle, tão real quanto aquele, também ele pintor, também ele solitário, mas dependente do álcool. Duas histórias de vida que se cruzam. Luz e sombra. Fé e desespero." Serão duas histórias? 

  ...ou Deus é todo -poderoso e logo não existe livre arbítrio, ou Deus é não todo -poderoso e existe livre arbítrio...






     Asle é um "eu" que medita sobre os " uns outros" que o habitaram na infância e juventude.


    e então olho na escuridão e vejo o Asle sentado no baloiço do pátio de sua casa mas sem baloiçar

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Pessoa revisitado...

Compararei algumas destas figuras, para mostrar, pelo exemplo, em que consistem essas diferenças. O ajudante de guarda-livros Bernardo Soares e o Barão de Teive — são ambas figuras minhamente alheias — escrevem com a mesma substância de estilo, a mesma gramática e o mesmo tipo e forma de propriedade: é que escrevem com o estilo que, bom ou mau, é o meu. Comparo as duas porque são casos de um mesmo fenómeno — a inadaptação à realidade da vida, e, o que é mais, a inadaptação pelos mesmos motivos e razões. Mas, ao passo que o português é igual no Barão de Teive [e] em Bernardo Soares, o estilo difere em que o do fidalgo é intelectual, despido de imagens, um pouco — como direi? — hirto e restrito; e o do burguês é fluido, participando da música e da pintura, pouco arquitectural. O fidalgo pensa claro, escreve claro, e domina as suas emoções, se bem que não os seus sentimentos; o guarda-livros nem emoções nem sentimentos domina, e quando pensa é subsidiariamente a sentir.


O único manuscrito de Álvaro Coelho de Athayde, décimo quarto  Barão de Teive.

Manuscrito encontrado numa gaveta. 
Para não deixar o livro em cima da mesa do meu quarto, sujeito assim ao exame de mãos suspeitamente limpas dos criados do hotel, abri, com certo esforço, a gaveta, e meti-o lá, empurrando-o para trás.

Esbarrou em qualquer coisa, pois a própria gaveta não era tão pouco funda. 

 Atingi a saciedade do nada, à plenitude de coisa nenhuma. O que me levará ao suicídio é um impulso como o que lava a deitar cedo. Tenho um sono íntimo de todas as intenções. Nada pode transformar a minha vida. Se...se...Sim, mas se é sempre uma cousa que não aconteceu; e se não aconteceu, parq que supor o que seria se ela fosse?

Estas páginas não são a minha confissão senão a minha definição.(...) Por ter duas virtudes, o sentimento intelectual e o sentimento mora) nunca pude fazer nada de mim.

Ainda me punge perder uma ideia, escapar-me da memória uma frase por escrever, não fixar um ponto de vista. Sei bem,  muitas vezes,  que não conseguiria dar corpo real a esses esboços dele. Mas há um ciúme de mim mesmo, uma avareza do abstracto, e tenho notado que a avareza e o espírito de vingança, talvez por serem duas formas de mesquinhez, têm parentesco e sangue comum.

Se tive certezas, lembro-me que todos os loucos as tiveram maiores.

Na construção de um sistema sobre os fenómenos sexuais próprios, não posso esquivar-me a ver qualquer coisa de implacavelmente grosseiro e vil. Todos os indivíduos grosseiros têm necessidade da nota sexual; é ela, até , que os distingue. Não podem contar anedotas fora da sexualidade; não sabem ter espírito fora da sexualidade. Vêem em todos os pares uma razão sexual de serem pares.

Nunca tive saudades , porque nunca tive de que as ter e fui sempre racional com os meus sentimentos. Como nada fiz da minha vida, não tenho de que recordar-me com saudade, pude ter esperanças, porque o que não existe pode ser tudo; hoje  nem tenho esperanças , porque não vejo razão porque o futuro seja diferente do passado.

Há páginas ...que me angustiam; parecem escritas, não diria  por mim, mas, que me seriam de um absurdo apropriado, por um irmão gémeo que não tive, algém que é diferentemente a mesma cousa que sou.

O prazer é para os cães, a queixa para as mulheres; o homem tem somente, de seu e próprio, a honra ou o silêncio.

Atingi, creio, a plenitude do emprego da razão. E é por isso que me vou matar.

Nota explicativa : Transferi para Teive a especulação sobre a certeza, que os loucos têm nais do que nós.

Nascemos sem saber falar e morremos sem ter sabido dizer. Passa-se nossa vida entre o selêncio de quem está calado e o silêncio de que não foi entendido, e em torno dist, como uma abelha em torno de onde não há flores, paira incógnito um inútil destino.

Páginas que recomendaria a um amigo escritor : 45,46,47; 50,51, 52.
Páginas que recomendaria a um amigo namoradeiro: 54,55.
Páginas que recomendaria a um amigo, admirador de Antero:  68 a 72.

Reflexão final de Richard Zenith:

Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.


Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.



Disse Amiel que uma paisagem é um estado de alma, mas a frase é uma felicidade frouxa de sonhador débil. Desde que a paisagem é paisagem, deixa de ser um estado de alma. Objectivar é criar, e ninguém diz que um poema feito é um estado de estar pensando em fazê-lo. Ver é talvez sonhar, mas se lhe chamamos ver em vez de lhe chamarmos sonhar, é que distinguimos sonhar de ver.(...)
O Tejo ao fundo é um lago azul, e os montes da Outra Banda são de uma Suíça achatada. Sai um navio pequeno - vapor de carga preto - dos lados do Poço do Bispo para a barra que não vejo. Que os Deuses todos me conservem, até à hora em que cesse este meu aspecto de mim, a noção clara e solar da realidade externa, o instinto da minha inimportância, o conforto de ser pequeno e de poder pensar em ser feliz.


O Chiado sabe-me a açorda.
Corro ao fluir do Tejo lá em baixo.
Mas nem ali há universo.
E o tédio persiste como uma mão regando no escuro.



Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!



Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh eh-eh-eh!
EH-EH EH-EH-EH EH-EH EH-EH EH-EH-EH!
EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH EH EH-EH!
EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH!
EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH!

Parte-se em mim qualquer coisa. O vermelho anoiteceu.
Senti demais para poder continuar a sentir.
Esgotou-se-me a alma, ficou só um eco dentro de mim.
Decresce sensivelmente a velocidade do volante.
Tiram-me um pouco as mãos dos olhos os meus sonhos.
Dentro de mim há um só vácuo, um deserto, um mar nocturno.
E logo que sinto que, há um mar nocturno dentro de mim,
Sabe dos longes dele, nasce do seu silêncio,
Outra vez, outra vez o vasto grito antiquíssimo.
De repente, como um relâmpago de som, que não faz barulho mas ternura,

Subitamente abrangendo todo o horizonte marítimo
Húmido e sombrio marulho humano nocturno,
Voz de sereia longínqua chorando, chamando,
Vem do fundo do Longe, do fundo do Mar, da alma dos Abismos,
E à tona dele, como algas, bóiam meus sonhos desfeitos...
Ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó — yy...
Schooner ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó — yy......


O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, / Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia,

De longe vejo passar no rio um navio...
Vai Tejo abaixo indiferentemente.
Mas não é indiferentemente por não se importar comigo
E eu não exprimir desolação com isto...
É indiferentemente por não ter sentido nenhum
Exterior ao facto isoladamente navio
De ir rio abaixo sem licença da metafísica...
Rio abaixo até à realidade do mar.

domingo, 26 de novembro de 2023

Normalidades...

Rauli, um rapazinho muito delicado, quase feminino, dado à contemplação,   ávido leitor dos clássicos, é um menino de dez anos que adivinha o futuro e se sente como uma mulher que nasceu no corpo de um homem. Como Cassandra (filha dos reis de Troia, irmã de Heitor e Páris, sacerdotisa de Apolo), Rauli tem o dom da profecia e a maldição de ninguém acreditar nele. Desde cedo sabe que irá combater em Angola e que morrerá trespassado por balas e pela homofobia. O romance testemunha também o colapso do sonho do «homem novo» e da utopia internacionalista. Lírico e histórico ao mesmo tempo, Chamem-me Cassandra reconstrói o quotidiano da Cuba dos anos 70, através da ligação do mito clássico e de figuras da guerra de Troia ao enredo da guerra de Angola. (Texto da contracapa, adaptado)

... quero passar muito tempo a olhar para o mar até o mar se gastar nos meus olhos e não ser mais do que uma linha branca que faz chorar. 

Gastei o dinheiro do transporte em livros e arrrasto os pés para levantar o pó e depois respirá-lo... 

Vejo mortos.(...) Também adivinho coisas. Eu sei como a russa vai morrer... 

Afundo-me nas ideias de Kierkegaard quando volto da escola. Afundo-me nas suas ideias  como quem regressa a um porto seguro onde já esteve...

A minha mãe penteia-me, põe-me um laço azul e chama-me Nancy.Queri ir para o quarto para continuar a ler Kierkegaard , ir assim, vestido de mulher.


A minha mãe também julga que eu sou maricas, que gosto de homens, mas eu não sinto nada.


Sinto-me à vontade vestida de Nancy e ninguém me reconhece e posso dizer que sou a Cassandra e ninguém olha para mim com estranheza. Sou uma rapariga que vai a uma festa...

OCAPITÃO.O capitão.capitão. O capitão.capitão.capitão.capitão.capitão.capitão.capitão.capitão.capitão olha para mim e é como se não me visse. O capitão olha para mim, mas não olha para mim. Ocapitão olha para a mulher amada  que jaz em Cuba e é parecida comigo. Não estou dentro dos olhos do capitão, ela é que está, a que já não está.

Dedicatória que a russa escreve, na edição cubana de Anna Karenina,  que oferece a Raulito: " Para o Raulito porque gosto mais dele do que dos filhos que terei no futuro."
Foi a Svetlana que te ofereceu esta merda- diz a minha mãe quando me vê chegar com o livro.

A minha mãe chama-me maricas num entardecer de setembro, olhando-me nos olhos.

Raulito usa a palavra "anjo" num poema e é acusado de " diversionismo ideológico"...Comove imaginar o sofrimento deste adolescente que não percebe quem é...Eu não tenho futuro , sou uma árvore de raízes  na areia...

A mãe quer que Raulito seja Nancy, a tia precocemente, desaparecida;  o capitão vê  no soldado Raul Iriarte a mulher que ficou em Cuba e morreu...Ele  torna-se Cassandra...

O capitão chama-me pelo nome dela e dá-me um  abraço que nos consome a ambos, o abraço mais longo do mundo deu-me o capitão enquanto as balas que me vão matar descansam dentro da espingarda automática.

Jogamos beisebol e o Anna Karénina ficou aberto em cima da cama e eu penso que algém pode roubar-mo para limpar o ânus e que então ficarei mais só, mais abandonado do que nunca, apenas com os deuses, apenas com Apolo...

José, irmão de Raulito: -   "  Se o velho descobrir, mata-te,e a ele expulsam-no do partido e, provavelmente, do trabalho, está proibido de ter um filho maricas."

A alternância Cuba/ Angola não me parece eficaz, como estratégia narrativa. Desagrada-me...Também não apreciei a veracidade dos dons divinatórios de Taulito como Cassandra: tudo deveria ter permanecido no reino da imaginação....

Lejos de un dilema de época, la literatura de Gala crece en esa representación de los inadaptados: aquellos que no encajan, que incomodan y quedan a la deriva en un sistema que prefiere invisibilizarlos. El tiempo y el espacio son relativos. ¿Angola? ¿Cuba? ¿La Grecia clásica? Lo que importa, más allá de eso, es el escenario de tragedia anticipada, cómo la condición humana sigue sujeta a mandatos que la arrastran hasta su propia perdición>Él siente que lo es, y que está viviendo en un cuerpo prestado, pero no por ser transgénero –que lo es– sino que es como una reencarnación.


 O que eu adoro este poema...



















Sempre soube que na minha cabeça alguma coisa não funcionava muito bem.

sábado, 18 de novembro de 2023

Tédio...



 "Elizabeth Zott não é uma mulher comum. Aliás, Elizabeth Zott seria a primeira a dizer que a mulher comum não existe. Estamos no início dos anos sessenta e a sua equipa de trabalho no Instituto de Pesquisa Hastings é exclusivamente masculina. Elizabeth pode ter sido uma das melhores alunas do curso de Química (foi), mas todos os colegas esperam que seja ela a ir buscar cafés ou fazer fotocópias (não será). Há, porém uma exceção: Calvin Evans, um jovem brilhante que se apaixona por ela. Entre eles, a química é a sério. Mas tal como na ciência, a vida nem sempre segue uma linha reta. Anos mais tarde, Elizabeth é mãe solteira e a estrela relutante do programa de culinária mais amado da América, o Jantar às Seis. A sua abordagem à cozinha é extravagante  e revolucionária   A sua popularidade irrita muita gente. Longe dos holofotes, Elizabeth também usa a ciência para alimentar o corpo irrequieto e a mente subversiva da filha de quatro anos, Madeline, bem como o espírito crítico de Seis e Meia, o cão. ...

Uma obra prima que me começou por  causar um  profundíssimo, " íssimo",  tédio, mas que evoluiu de forma agradável...

A bibliotecária é a educadora mais importante da escola. Aquilo que ela não souber, consegue encontrar. Isto não é uma opinião, é um facto. Não partilhes este facto com Mrs Mudford. 

Momento mais interessante; conversa, na biblioteca, entre Mad, uma criança muito especial, e Wakely, o reverendo presbiteriano...( p.289- 301)


Sono de ser, sem remédio,

Vestígio do que não foi,

Leve.mágoa, breve tédio,

Não sei se pára, se flui;

Não sei se existe ou se dói



A loucura chamada afirmar, a doença chamada crer, a infâmia chamada ser feliz — tudo isto cheira a mundo, sabe à triste coisa que é a terra.  Sê indiferente. Ama o poente e o amanhecer, porque não há utilidade, nem para ti, em amá-los.



O tédio... Sofrer sem sofrimento, querer sem vontade, pensar sem raciocínio... É como a possessão por um demónio negativo, um embruxamento por coisa nenhuma. Dizem que os bruxos, ou os pequenos magos, conseguem, fazendo de nós imagens, e a elas infligindo maus tratos, que esses maus tratos, por uma transferência astral, se reflictam em nós. O tédio surge-me, na sensação transposta desta imagem, como o reflexo maligno de bruxedos de um demónio das fadas, exercidas, não sobre uma imagem minha, senão sobre a sua sombra. E na sombra íntima de mim, no exterior do interior da minha alma, que se colam papéis ou se espetam alfinetes. Sou como o homem que vendeu a sombra, ou, antes, como a sombra do homem que a vendeu.
 

  ...e um profundo e tediento desdém por todos quantos trabalham para a humanidade, por todos quantos se batem pela pátria e dão a sua vida para que a civilização continue......um desdém cheio de tédio por eles, que desconhecem que a única realidade para cada um é a sua própria alma, e o resto — o mundo exterior e os outros — um pesadelo inestético, como um resultado nos sonhos de uma indigestão de espírito. 

 A minha aversão pelo esforço excita-se até ao horror quase gesticulante perante todas as formas do esforço violento. E a guerra, o trabalho produtivo e enérgico, o auxílio aos outros (...) tudo isto não me parece mais que o produto de um impudor, (...) E, perante, a realidade suprema da minha alma, tudo o que é útil e exterior me sabe a frívolo e trivial ante a soberana e pura grandeza de meus mais vivos e frequentes sonhos. Esses, para mim, são mais reais.

As misérias de um homem que sente o tédio da vida do terraço da sua vila rica são uma coisa; são outra coisa as misérias de quem, como eu, tem que contemplar a paisagem do meu quarto num 4º andar da Baixa, e sem poder esquecer que é ajudante de guarda-livros.

Tenho às vezes o tédio de ser eu 
Com esta forma de hoje e estas maneiras...
 Gasto inúteis horas inteiras 
A descobrir quem sou; e nunca deu


Uma tristeza de crepúsculo, feita de cansaços e de renúncias falsas, um tédio de sentir qualquer coisa, uma dor como de um soluço parado ou de uma verdade obtida. Desenrola-se-me na alma desatenta esta paisagem de abdicações - áleas de gestos abandonados, canteiros altos de sonhos nem sequer bem sonhados, inconsequências, como muros de buxo dividindo caminhos vazios, suposições, como velhos tanques sem repuxo vivo, tudo se emaranha e se visualiza pobre no desalinho triste das minhas sensações confusas.


Quando o Tédio, invencível e infecundo,

Nos faz sentir a solidão de ser,

E uma monotonia ocupa o mundo,

Que mais tem o espírito a fazer

Do que ensinar ao corpo que o profundo

Desgosto da existência lhe requere

Que veja sempre ao cálix o seu fundo

E sempre tome o cálix a encher?


domingo, 29 de outubro de 2023

Dúvidas...

Caminho entre fantasmas inimigos que a minha imaginação doente imaginou e localizou em pessoas reais. Tudo me esbofeteia e me escarnece. E às vezes, em pleno meio da rua — inobservado, afinal — paro, hesito, procuro como que uma súbita nova dimensão, uma porta para o interior do espaço, para o outro lado do espaço, onde sem demora fuja da minha consciência dos outros, da minha intuição demasiado objectivada da realidade das vivas almas alheias. 

 Será que o meu hábito de me colocar na alma dos outros, me leva a ver-me como os outros me vêem, ou me veriam se em mim reparassem? Sim. E uma vez eu perceba como eles sentiriam o meu respeito se me conhecessem, é como se eles o sentissem na verdade, o estivessem sentindo, e sentindo-o, exprimindo-o naquele momento. Conviver com os outros é uma tortura para mim. E eu tenho os outros em mim. Mesmo longe deles sou forçado ao seu convívio. Sozinho, multidões me cercam. Não tenho para onde fugir a não ser que fuja de mim.

As imagens mais verdadeiras são aquelas que mentem.


Ele e eu fomos próximos da forma desapegada e intermitente que é a única que tenho de ser próxima de alguém. Era dele o eixo que estruturava o meu viajar: norte, bússola, não ter medo de me perder. Mesmo antes dos movimentos além-fronteira, foi ele o contraponto ao temperamento volátil da minha mãe. Penso: talvez ser mãe esteja ligado a ser filha. Pode ser que a filha que eu fui determine em parte a mãe que poderia ter sido. Tanto quanto não-sido.

Ter filhos não é problema. Ter filhos é um objetivo comum. 

A mulher que tem filhos torna-se mãe, mas não há palavra para não o ser... 
Não deverá existir o direito de não nascer? 

 Nunca me esqueci do que me impeliu para o ser amado. 


  A menina silenciosa tornou-se numa rapariga discreta, de poucos afetos e menos entusiasmos.

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

No Antigo Testamento, Job rasga o seu manto e expõe as marcas do mal que o reveste. Esse manto, que todos nós carregamos, é impossível de ser descrito, pois, desagasalhando-nos ou ocultando-nos, subsiste sempre no seu arrastar de «todas as fúrias e ternuras do mundo», expondo tanto as suas manchas e os seus rasgões como as marcas do corpo que protege.

 O Manto, de Agustina  enovela as várias personagens do Porto de finais dos anos cinquenta do século XX, em simultâneo com a família de Job, entrecruzando-as e às suas experiências num ensaio visionário sobre a natureza humana – donde irrompem tanto as paixões como, também, a perversidade que já vários apontaram a Agustina, e que ela refuta, no entanto, sublinhando a diferença entre o saber-se o que é a perversidade, e sê-lo, de facto.  João Miguel Fernandes Jorge 


 
Em O Manto  há  várias personagens principais, que a narradora mergulha na melancolia, na inquietude e  na incerteza,  O desenho das paisagens da extinta província do Entre-Douro-e-Minho, entre o Porto e a Serra d’Arga, constrói-se a partir das personagens e das suas relações pessoais; na fragilidade de Lourença, na argúcia  de Filipe, na paixão de Gracia.

 Entre galanteios, conluios, discussões filosóficas ou discussões prosaicas, retrata  a sociedade portuense,  que se fragmenta nas aspirações, nas paixões, nas desilusões, nas ambições das  personagens, que oscilam oscilantes entre o altruísmo e a venalidade, que tecem o manto de «farrapos imensos onde se embalou a morte», o manto que «não se lê nem se escreve»

 No fim deixa  em aberto o destino das personagens e as questões que irrompem ao longo da narrativa . «Eis como se termina um livro – deixando sempre alguma coisa por dizer».

     Se sair desta casa, será algemada. Devia ter fugido enquanto podia. Agora, a minha oportunidade desapareceu. Neste momento, os polícias estão na casa e descobriram o que está no andar de cima, não há volta atrás. Estão a cerca de cinco segundos de me ler os meus direitos. Não sei muito bem por que não o fizeram ainda. Talvez esperem induzir-me a dizer-lhes algo que não devia. Boa sorte com isso.


     Não é , de modo nenhum, o tipo de livro que me cativa. Reconheço, no entanto, que a intriga romanesca prende e, sobretudo, surpreende. Lê-se com agrado, pois os diálogos estão  bem construídos e dão muita vivacidade à narrativa. Tem ingredientes para dar um bom filme de suspense.

   
 Nina não sairá daquela casa algemada...

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Dor...


Matei a minha mulher. Não foi de propósito, mas é daquelas coisas que, depois de feitas, já não deixam volta a dar

Manel, o homicida, confessa, impassível, o crime acabado de cometer. Este homem, insensível, com uma linguagem limitada a " merda", " foda-se", caralho", de modo redutor e grosseiro, relata todas as emoções, sentimentos e  estados de espírito. É uma das duas vozes narrativas, a outra é Zé, o seu irmão.

Através destas personagens, desfilam perante o leitor uma série de acontecimentos domésticos e familiares que, pela sua escalada de violência, explicam o desenlace que é anunciado, logo na frase de abertura do romance.

Que raões poderão explicar o comportamento de todos os Maneis que envergonham qualquer país civilizado??  Raiva por a mulher não cumprir o serviço militar? . No trabalho obedece, em casa manda? Ciúmes da mãe.?       
 
Reflexões 
Acredita, sinceramente, que a culpa é dela... ela, ela, ela... Ele é uma vítima, só uma vítima.
Será verdade que não se pode deixar de gostar de um irmão?
Em que medida a linguagem é um indicador importante? Confrontar com o filme " viver mal" de João Canijo. O Manel utiliza exatamente o mesmo nível de língua que os clientes do hotel, classe média alta. como explicar? 
 O que vai ser do Manel quando sair da prisão? Que efeito tem a prisão num ser que não consegue sentir culpa? 
 Como se explica a agressividade orientada para um único ser, por parte de um homem que tem capacidade de amor? Manel ama, verdadeiramente, os sobrinhos e a mãe...

O medo está todo dentro de casa. Não sentia medo nenhum do mundo.

    Um tema banal: a violência doméstica;
    O culpado do costume: o padrasto;
    Uma vítima não inocente: a mãe; 
    Uma vítima inocente: a filha;
    Um tio abusador sexual; 

    Um crítico / apresentador de eleição - Gonçalo M. Tavares; 
    Uma cara bonita com apelido bem conhecido...

 Sem qualquer genialidade: nem pelo conteúdo nem pela forma.

 Não consigo entender que quem deprecia Margarida Rebelo Pinto endeuse esta Madalena...
    
    As mãos pousam ao piano. Na brancura do teclado, os dedos se deixam deslizar, potentes cavalos-marinhos de volta à água aonde pertencem. Lançada de cima, a luz do palco o divisa da escuridão, abre cortinas por entre as cortinas. Sob o peso das falanges dele, antes mesmo do ataque inicial, as teclas se curvam em obediência. Silêncio, ainda. No vão oculto do instrumento, mecanismos se alçam rentes às cordas, véspera do bote. A partitura de Funerais, de Franz Liszt, posiciona-se no suporte, amuleto sem qualquer metafísica. Rômulo a mantém ali como gesto de reverência ao compositor; sequer olhará em sua direção, nem mesmo passará as páginas. Conhece de cor cada um desses milhares de alvos circulares, grafados entre as linhas da pauta. Sabe que não pode errar nenhum. Não vai errar.

    O desespero sobe repentino pela garganta, não há fôlego para gritá-lo.(...) Pegam no braço dele,atam-no, aparelhos hospitaleres tomam-no de assalto. Muita dor, prolongada por onde ele deixou de existir. A dor do imenso. Nada. Morrer é isso? Sim, também isso é morrer. Não é a negação definitiva da vida, mas a afirmação totalizante da perda.(...) Ser um só com a dor, tornar-se o fantasma. Aos estertores, ele só consegue nomear aquilo que falta: minha mão, minha mão, minha mão, minha mão. Eu.

Foi pena o romance não ter terminado aqui.. As peripécias que se sucedem são factos que em nada valorizam uma intriga que se desejaria intimista... Não gostei.

sexta-feira, 14 de julho de 2023

Indefinível...


Adivinho em ti o sabor da maçã, o contundente desígnio do fruto proibido, a morte que silenciosamente me aguarda à beira da praia. 

O céu deve ser mais ou menos assim. Sem trouxas de ovos. Enfeitiçado pelo teu sorriso. E com esta música de algodão.

Escrevo-me. Escrevo-me. Escrevo-nos

ou seja lá o que for...

Os sonhos são sempre estranhos. Lugares infinitos da imaginação. Mel. Precipício. Ilusão.

Confesso ter-me perdido de ti na imensidão poética daquela Costa de Prata...

Um subterrâneo escreve-se sem palavras, sem frases e sem mudança de parágrafo. Avança-se e vive-se numa linguagem de morcegos, fungos, bactérias, em textual ilusão de crença e autonomia. Larva. Lamela. Laringe.



Não gosto da vulgaridade de Benta, não gosto da sensualidade de Bernardo, não gosto do realismo  das cenas de sexo, nos mais diversos lugares... .Não gosto dos diálogos, não gosto do uso e abuso de vocábulos , num nível de língua demasiado pomposo. Gosto, apesar de tudo, do narrador, particularmente  nas descrições...

Klara é um AA (Amigo Artificial) , talvez um androide, apesar de o autor nunca usar esta designação. Dotada de uma grande capacidade de observação, Klara estuda o comportamento das pessoas em frente à montra da loja onde está exposta. Klara espera, assim como outros AA, que uma pessoa a escolha como companheira, a compre e a leve para sua casa

    Quando éramos novas, Rosa e eu estávamos a meio da loja, ao lado da mesa das revistas, e conseguíamos ver mais de metade da montra. Víamos, portanto, o exterior — os trabalhadores de escritório apressados, os táxis, os corredores, os turistas, o Pedinte e o seu cão, a parte inferior do Edifício RPO. 

    eu sabia que a melhor estratégia seria esforçar -me mais do que nunca para ser uma boa AA para Josie até que as sombras recuassem. Ao mesmo tempo, ficava cada vez mais claro para mim até que ponto os humanos, no seu anseio de fugir da solidão, faziam manobras muito complexas e difíceis de compreender.

Somos ambos sentimentais.Não conseguimos impedi-lo. A nossa geração ainda tem os velhos sentimentos. Uma parte de nós recusa-se a reconhecer. A parte que quer continuar a acreditar que existe algo inatingível dentro de cada um de nós. Algo que é único e não transmissível. Mas não há nada disso, sabemo-lo agora.


Eu gosto deste sítio( da Sucata) E tenho as minhas próprias memórias para percorrer e pôr na ordem certa.



    Na verdade, "hoje" é uma palavra que só os suicidas deveriam poder utilizar, para todos os outros não tem sentido nenhum, para estes "hoje" é pura e simplesmente a designação de um dia qualquer, é hoje, pronto... 

    Eu sou o primeiro exemplo de desperdício total, entusiástica e incapaz de fazer um uso racional do mundo, e posso comparecer no baile de máscaras da sociedade, mas também posso não ir, como uma pessoa que se viu impedida de ir ou se esqueceu de fazer um disfarce, não consegue encontrar a máscara por negligência e, por isso, deixa de ser convidada.
        
    
À excessivamente meticulosa, 
         22 anos depois do seu nascimento, 
               Do excessivamente indefinido

sexta-feira, 7 de julho de 2023

sexta-feira, 30 de junho de 2023

Amores...

"Julian Barnes  em Arthur & George recria o caso que aconteceu nos finais do século XIX e ficou conhecido no Reino Unido como “Os Ultrajes de Great Wyrley”. O romance aproxima-se dos percursos vivenciais das duas personagens, Arthur e George, ao mesmo tempo que explora as suas particularidades psicológicas. O intimismo e a autorreflexão são recursos constantes na recriação das circunstâncias que levaram à condenação injusta de George Edalji a uma pena de prisão e à intervenção em seu favor por parte do famoso escritor, Sir Arthur Conan Doyle. Traços pós-modernistas dominam no romance, onde não existem respostas definitivas nem verdades absolutas. Um pormenor que parece irrefutável é a atitude preconceituosa e incompetente de um sistema judicial que se esperava justo e eficaz, numa sociedade civilizada como a da Inglaterra de então." 

Anabela Cristina  Antunes Pereira


Sinopse
"Oliver, Stuart e Gillian. Oliver é o melhor amigo de Stuart e Stuart é o melhor amigo de Oliver. Gillian é namorada de Stuart, com quem virá a casar. Oliver e Stuart não podiam ser mais diferentes: o primeiro, extravagante, está convencido de que é uma luminária; o segundo é sóbrio, tímido e ligado ao «lado prático da vida». Gillian é bonita, inteligente, e ama Stuart; defende que falar de alguém ou de um assunto de forma exaustiva (como propõe o título original em inglês, Talking It Over) só é bom quando não somos o objeto em análise. Depois do casamento, uma explosão: Oliver descobre que está apaixonado por Gillian. Para contar esta história atribulada, cómica e errática, os três revezam-se na narração - com os seus pontos de vista, tiques e tópicos preferidos. Porém, o que começa como uma comédia de equívocos depressa desliza para uma exploração sombria e profunda dos pântanos da alma. Uma história interminável."


Acho que devemos fazer a coisa proibida ...senão sufocamos....Mas sem sentimento de culpa e sim como aviso de que somos livres....Clarice Lispector 

"Mario Benedetti (1920-2009), escritor uruguaio, é um dos principais autores da literatura sul-americana do século XX, detentor de uma extensa obra composta por mais de meia centena de títulos de poesia, romance, ensaio e textos teatrais. Intelectual participante ativo nos problemas do seu país, colabora e exerce vários cargos no jornalismo literário. É nomeado, em 1971, diretor do Departamento de Literatura da Universidade de Montevideo, porém, o golpe militar de 1973 e as suas convicções políticas numa América Latina em plena convulsão obrigam-no a sucessivos exílios: primeiro na Argentina, posteriormente no Peru, onde é detido e deportado, sucessivamente para Cuba, finalmente para Espanha. A publicação, em 1960, do romance A Trégua granjeia-lhe enorme sucesso: o livro totaliza mais de 100 edições e é traduzido em 20 línguas, com adaptações ao teatro, à rádio e ao cinema. De Mario Benedetti, destacam-se, igualmente, de 1965, o romance Obrigada pelo Lume e, de 1992, A Borra do Café." 

  A trégua é considerado o romance emblemático da literatura sul-americana e uma das histórias de amor mais comoventes da literatura moderna.Em Buenos Aires, dois amantes vivem um amor que transgride todas as convenções sociais. Martín Santomé é viúvo há mais de vinte anos e praticamente criou os filhos sozinho. Confidencia ao seu diário que se sente cansado de um quotidiano sedentário no escritório e que de dia para dia agravam-se os conflitos geracionais com os seus filhos. O seu único alento é a reforma, para a qual faltam seis meses e vinte e oito dias. Tudo muda quando surge uma nova colega, Laura Avellaneda, num escritório contíguo ao seu - "o seu corpo, a sua boca grande, as suas pernas lindas" - e só assim se atenua a obsessão de Martín centrada nos vinte e oito dias. Martín descobre pela primeira vez o amor com a jovem e vigorosa Laura.Superando todos os convencionalismos e transgredindo as circunstâncias impostas pela diferença de idades, os dois amantes revitalizam sentimentos e enfrentam os riscos dessa relação amorosa: Martín e Laura vivem profundamente o seu momento no qual se inscreve o sentido da eternidade. Romance emblemático dos anos 60, que continua vivo e a ser um testemunho psicológico e social comovente.

     Só me faltam seis meses e vinte e oito dias para me reformar... não é do ócio que eu preciso, mas sim do direito a trabalhar naquilo que quero. 

    Hoje foi um dia feliz; apenas rotina.

    Blanca tem algo de comum comigo: é uma pessoa triste com vocação de alegre
    O orgulho é para quando temos vinte ou trinta anos.
    Tudo foi demasiado obrigatório para que eu pudesse sentir-me feliz.

Irritação pelo facto de sermos obrigado a recordar aquilo de que não nos lembramos...

D. Policarpo - o medo converte-se emfascinação

Atração pelo passado

Se algum dia me suicidar, será num domingo. É o dia  mais desalentador, o mais anódino.
"Às vezes penso naquilo que farei quando toda a minha vida for domingo."

Em casa de Vignale um indivíduo está à mercê desssa matilha ( os cinco filhos) 

A nossa sensibilidade é primordialmente digestiva...

A minha liberdade é outro nome para a minha inércia...

A verdadeira corrupção é o suborno para conseguir algo lícito....

Fazer amor com com cara de empregado...

Marcas da época:

* namoro com a presença da mãe
* declaração de amor
* importância da virgindade
* "maricas"; tentativa de encontrar um culpado, uma justificação para a homossexualidade
* dicotomia mulher/ amante
* a mulher, quando casa, deixa de trabalhar
* morte da mulher no parto
* ser velho aos 50 anos
* pai de Avellaneda- o homem típico dos anos 60, assusta-o sentir-se sentimental 
* reforma aos 50 anos


"Na Montevideu cinzenta e conservadora dos anos 50 do século XX, Martín Santomé, viúvo e pai de três filhos já adultos, regista no seu diário os poucos meses que o separam da reforma, triste corolário de uma vida composta por rotinas diárias e resignação. A monotonia dos seus dias será, porém, bruscamente interrompida quando a jovem e tímida Laura Avellaneda vem trabalhar para o seu escritório. Apesar da diferença de idades que os separam, o encontro entre Santomé e Laura derivará numa relação séria e apaixonada, que confrontará Santomé com o resultado de sentimentos que pensava já arredados da sua vida. Um romance que nos fala com sensibilidade e realismo do amor, do medo, da solidão, da felicidade e da morte." Sinopse Wook

 Sonhou com um beijo, durante anos e anos. Um dia olhou o espelho e viu como tinha envelhecido. Era tarde, demasiado tarde. Nesse momento, deixou de sonhar. e sentiu que uma parte de si tinha morrido. Restou a recordação desse beijo nunca dado e a memória da emoção que poderia  ter experimentado...

Quem é António Mega Ferreira? 
    "Um espartano epicurista, um cético apaixonado, um obsessivo diletante, um melancólico humorista, um sonhador solitário, um escritor de palavras inesquecíveis."
Palavras de Inês Pedrosa, na homenagem que lhe presta no Jornal das Letras, quando " atordoada de tristeza", se confessa uma " discípula fascinada" e uma " amiga inexpugnável" do seu antigo mestre.

Eu tinha vinte e poucos anos...Tinha a idade em que o amor, seja lá isso o que vier a ser, é o valor supremo de um horizonte onde só se divisa a felicidade.

Eu estava assustado,mas, ao mesmo tempo, seduzido pela atenção que ela me dispensava(...) Nos primeiros tempos, Winnie tratava-me como uma mulher experiente trata um rapaz bonito e desejável, mas não destituído de inteligência.

Winnie retribuiu-me o beijo , com uma convicção que para mim era inesperada: aquele beijo durou mais, e foi mais longo que todas as horas que tínhamos passado juntos.(...) Ela amava-me? Não sei: andava tão enlevado na minha própria forma de viver o amor, que quase não tinha olhos para tomar a medida ao afecto de Winnie por mim.(...) Eu era una espécie de amante pueril, que lhe dava o ar de ser uma mulher desejada, mesmo quando a maturidade já lhe começava a pesar no rosto.

E ela, amava-me? Não sei, pelo menos na altura não sabia...andava tão enlevado na minha própria forma de viver o amor, que quase não tinha olhos para tomar a medida ao afecto de Winnie por mim.

Às vezes releio a carta. Tenho pena de não a ter escrito. Ou pena de nunca ter recebido uma carta assim. 

A literatura é o melhor de mim e é o melhor de mim que vive dentro da minha cabeça quando estou contigo. 

  Eu aprendia Marraquexe pelos olhos dela , e, através dos olhos dela, aprendia o retrato do mundo que até então imaginara. 

  Samir... Era uma visão que prometia mais do que a simples percepção do instante...ambos percebemos que alguma coisa se viera inscrever em nós, na nossa história de amor, naquele preciso momento.

Porquê do afastamento? Voltámos a Lisboa.Vimo-nos mais duas ou três vezes...Os restos do nosso "romance", como lhe chamava Winnie, tinham ficado pendurados no olhar desolado de Samir.... Eu depois conheci a Marta... 
Pasados 20 anos, o reencontro: Envelhecera mais do que , muito mais, do que os vintes anos que tinham passado.

Todo o amor é um acto de identificação e reconhecimento. Encontramos na pessoa amada, não um reflexo, o que seria pobre, mas uma ressonância da nossa própria alma...

 Este Amor é o relato da " impossível eternidade e inamovível memória do amor", " uma história arrebatadora e lúcida e triste e cheia de luz e alegria, como afinal tudo o que António Mega Ferreira escreve."

Todas as cartas de amor são 
Ridículas. 
Não seriam cartas de amor se não fossem 
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras, 
Ridículas. 

As cartas de amor, se há amor, 
Têm de ser 
Ridículas. 
 
Mas, afinal, 
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor 
É que são Ridículas

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso 
Cartas de amor 
Ridículas

 
A verdade é que hoje 
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são 
Ridículas

 (Todas as palavras esdrúxulas, 
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente 
Ridículas.)

"Um romance situado na 3.ª década do século XX, quando a heterossexualidade era reprimida por toda a espécie de convenções, e a homossexualidade tabu social e crime perante a lei..." 

Era ela que se julgava o sol, disse levantando um dedo. A esse papel, e não a ele, ela amava. Porque lhe dava a ilusão de poder tudo


Reparou que o relógio da parede não batia, era um relógio novo, virgem de qualquer uso, que só marcaria as horas quando eles habitassem a casa e se sentassem ali, no canapé, debaixo dos retratos, então o pêndulo começaria a oscilar, dentro da caixa de vidro, e ouvir-se-ia no silêncio o tiquetaque infindável de um pequeno coração mecânico batendo. 


 Há o cavalo do corpo e o cavalo do tempo, correndo sobre um campo. Mas cada dia é uma vida, e eu não conto os dias. Parar o sol. Os cavalos do sol. Segurar-lhes as rédeas, com mão firme. Saindo-lhes de repente ao caminho. 


 O núcleo romanesco, partindo da relação entre um homem e uma mulher, metaforiza diferentes dicotomias antitéticas: corpo/pensamento; ser solar/ser lunar; animalidade/racionalidade; loucura/orde; bem/mal; amor/ódio; vida/morte...

quinta-feira, 22 de junho de 2023

Fim...

 Sabe que chegou o fim. Mesmo que não seja necessário...

domingo, 11 de junho de 2023




"Margarida Espantada é sobre família. Sobre irmãos. É sobre violência doméstica e doença mental. É um efeito dominó sobre a dor.

 A literatura é um jogo do avesso. Os bons romances são sempre sobre amor, e os melhores são os que fingem que não são. Não devemos recear livros duros. As histórias que mais nos prendem trazem uma catarse que nos carrega as mágoas, personagens que apresentam as suas semelhanças connosco. 


Gosto da ficção que é número arriscado de circo, com fogo e espadas, que nos faz chegar muito perto da queimadura que não vamos realmente sentir. Mas reconhecemos."

  Rodrigo Guedes de Carvalho



"Ao longo dos tempos, a família tem sido um dos grandes temas e inspirações literárias, centro nevrálgico de poemas, ensaios ou romances. É precisamente a família – e a sua implosão – que está no centro de “Margarida Espantada” , romance de Rodrigo Guedes de Carvalho que, com o sobressalto de um thriller, nos serve uma história sobre irmãos. Uma história que deixa no ar a eterna interrogação sobre o que une e alimenta uma árvore genealógica, um sentimento que estará algures entre a cumplicidade solidária do sangue e a de se fazer parte de um aglomerado de pessoas que não se escolheram – e que, tantas vezes, se vão aturando já sem grande convicção. Uma família alargada, onde cada um trata de carregar as suas cruzes, traumas e memórias: António Carlos, habituado a deixar “sangue fresco por cima de sangue pisado” na mulher Isabel Rita, e que vai mantendo uma relação a céu aberto com as suas amantes, a quem começa também a estender os tentáculos da violência e do abuso; Manuel Afonso e Sara Lúcia, pais tardios, às voltas com os porquês do choro da sua criança; Margarida Rosa, alguém que “decidiu logo em pequena que nada desta vida lhe causaria dano” e que, depois do falecimento dos pais, “esteve a encaixotar o pouco que tem em adulta para regressar à infância”, ficando a tomar conta da casa onde todos viveram os seus primeiros anos – uma casa onde, desde cedo, se pressente uma presença externa; Joana Ofélia, a mais nova dos quatro irmãos, nascida quando já não era esperada, guiada pelos outros como uma presa fácil e que, só em adulta, se reconciliou com o seu nome de batismo; e, por último, António Carlos, ator e em tempos um adolescente “particularmente enérgico e desobediente, caótico e explosivo de pensamentos e ações, um revolucionário à procura de uma causa”, que passou a desprezar e a provocar o pai, o grande e conhecido empresário Carlos Duval. Irmãos que desenvolveram, cada um à sua maneira, “técnicas de sobrevivência ao desemparo”, trocando o lema dos mosqueteiros por um bem mais reservado cada um por si. A história dos irmãos vai sendo contada enquanto, no tempo presente, a inspetora Aida Santos e Paulo Paulino, a jovem promessa da psicologia forense, têm entre mãos o chamado “caso Duval”, um mistério revelado em conta-gotas no qual o leitor irá testar as suas qualidades de detetive amador. Um romance-thriller no qual Rodrigo Guedes de Carvalho não poupa na violência, espremendo a linguagem como quem torce um pano molhado antes de nos atirar com ele à cara, perfurando as muitas camadas de pele até nos chegar ao osso. Pelo caminho, enquanto folheamos o álbum de fotografias e memórias da família Duval, tomamos em mãos o peso da infância, esquivamo-nos como podemos ao horror do mundo e lemos, “numa língua de hieróglifo, incompleta e indecifrável”, a chave para sobreviver à instituição familiar..." Pedro Miguel Silva

terça-feira, 18 de abril de 2023

Paradoxos...

Joana Bértholo nasceu em Lisboa em 1982, formou-se em Design de Comunicação e tem um doutoramento em Estudos Culturais. Escreve para dança e para teatro.



Eu era uma pessoa simples, urbana, uma planta que insistiu em crescer entre os paralelepípedos do passeio, na rua mais concorrida da metrópole, cujo destino é conhecer a sola dos sapatos de milhares de turistas e transeuntes e respirar violentas concentrações de dióxido de carbono. Eu sabia chamar um táxi, mas não o rebanho; sabia levar uma muda de roupa à lavandaria self-service e trazê-la limpa, mas não sabia levar um cântaro à teta da vaca e trazê-lo cheio. Não sabia atear fogo, construir um abrigo, nem situar-me olhando as estrelas. Não conhecia o significado dos ventos nem descodificava as nuvens, quando antecipam temporal. Os elementos do mundo em meu redor que eu considerava naturais eram indecifráveis.





Sinopse- "Maina Mendes é uma mulher silenciada num mundo de homens e dos homens, que cedo percebe na sua condição imposta uma forma de a metamorfosear a seu favor: do silêncio faz a sua resignada mudez. Publicado em 1969, este é o primeiro romance de Maria Velho da Costa, um livro que mudaria para sempre as letras portuguesas pela sua força inaugural, o seu modo de dizer novo e experimental, embora filho de um legado literário prístino (Maina Mendes bem poderia ser menina e moça levada de casa de seus pais para muito longe), um exemplo máximo desta grande escritora."


Os vidros das janelas estão opacos e desenha-se com a ponta do dedo um arco de correr e o pau de guiá-lo. […] Maina Mendes, cujos dedos põem ainda entre si e o vidro […] os círculos do barco a vapor e depois as lâminas de uma tesoura aberta. […] Maina Mendes desenha a dedo fugas moventes na névoa que da boca seca cai ao vidro. Muitas crianças o fazem […] mas nenhuma com tão pouca alegria e tão quieta ira. […] desenhando no vidro com tal rancor, coisas que […] não são do rapaz oculto na menina sã a desbravar, mas antes de uma fúria de fêmea e atilada.


Depois da mudez é dita por apagada e severa no trato.Os seios despontam-lhe sem pasmo, bem chegados aos braços, sem juntura, e sempre pareceu saber ao que vem e como bem se oculta o sangue nos meses.



isto não é, de todo, uma dissertação elevada, é só uma conversa informal. 
 Mesmo que a autora não o reconhecesse, o leitor atento facilmente surpreende a ligeireza como 
 feminismo é abordado...

 A parte final do livro, escrita em Março de 2020, tem uma visão optimista relativamente ao período pós-pandemia... 

  Não podemos continuar numa civilização que se baseia no materialismo desenfreado, na cobiça e na violência. Este é um momento de reflexão. Que mundo queremos? Julgo que é essa a pergunta mais importante do nosso tempo, a pergunta que todas as mulheres e homens conscientes devem fazer-se… Queremos uma civilização inclusiva e igualitária, sem discriminação de género, raça, classe, idade ou qualquer outra classificação que nos separe. Queremos um mundo amável, onde imperem a paz, a empatia, a decência, a verdade e a compaixão. E, acima de tudo, queremos um mundo alegre. A isso aspiram as bruxas boas. O que desejamos não é uma fantasia, é um projeto; entre todas, podemos conseguir.


Como o título anuncia, Quase todos os poemas é uma compilação de quase quarenta anos de poesia, publicada entre 1982 e 2022. Como a autora afirma, no prefácio,  que esta coletânea é, em certa medida, antológica, uma vez que implica uma seleção. Embora estejam presentes temáticas características da fase subsequente ao 25 de abril (revolução, liberdade, feminismo, erotismo no feminino) , não é poesia panfletária, pois há uma delicadeza e uma sensibilidade que, pessoalmente, me agrada.

Que mulher se revela, se esconde, se insinua, através destes poemas discretos, mas intensos que, por vezes, evoca Eugénio de Andrade? 

Uma mulher apaixonada, mas isenta de romantismo piegas; uma mulher sensual; uma mulher lúcida e sarcástica; uma mulher revoltada,uma rebelde consciente, mas serena, sem amargura. 

 Parafraseando Natália Correia, de quem júlia Lello foi amiga, é uma mulher moderna, mas com alma de monja barroca do século XVII.Uma poetisa que revela a capacidade de encarar o amor de forma inefável, mesmo depois do desgaste da rotina , mesmo depois do adeus. 







 Interessante este romance, baseado numa história real: uma menina para quem o papá é um herói; uma jovem irreverente que sonha como forma de resistência à mãe; uma mulher que se apaixona por Che Guevara e pela revolução cubana...
Talvez o aspeto mais curioso seja a imagem paradoxal de Silva Pais: o papá e o diretor da PIDE...
 


Tolerância do pai  - intransigência da mãe, D. Nita, uma " Mónica", como a protagonista dos Contos Exemplares

Para Annie o papá é um herói, só tarde percebe que o pai admirava Hitler.

Annie sonhava sobretudo como forma de resistência aos sonhos da mãe.

 Vários namorados: Alberto, Stick, Jean Paul ... Casa com Raymond Quendoz, mas, passado um ano, já não sabe porquê. 

 Cartas para Che - " Trouxeste a revolução a Cuba e à minha vida" " Che não fez um filho a Annie, mas fecundou-a com um sonho"Annie só põe de lado os impulsos revolucionários por amor ao papá "Annie Silva Pais, filha de Armanda e Fernando Silva Pais, trocou o marido e uma vida confortável na sombra do Estado Novo pelos ideais da revolução cubana e por amor... Assumiu paixões tão ardentes como o fogo revolucionário e tornou-se tradutora e intérprete, membro de confianç da equipa de Fidel Castro, à qual pertenceu até morrer. Para trás deixou a família e Portugal, onde regressou apenas em 1975, em trabalho e também para interceder pela libertação de seu pai, que nunca deixou de amar. Silva Pais foi o último diretor da PIDE. 

 Que mulher foi Annie? O que a motivou? O que leva uma filha do regime - filha de um dos homens fortes do regime -, casada com um diplomata suíço, a largar tudo e encontrar um propósito como militante da revolução cubana? Mais: o que guardava o seu coração? 

 Ana Cristina Silva combina realidade e ficção num romance tão sedutor como a figura desta mulher. Pesando factos e indícios, oferece-nos um retrato pleno de intimidade - e humanidade - numa irresistível galeria de personagens, de entre as quais sobressai Che Guevara, o grande amor de Annie." Sinopse Wook