Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

terça-feira, 21 de outubro de 2025

Sinopse: "Este é um romance sobre duas mulheres unidas pela desilusão e pelos cinquenta anos mais tristes da história da Alemanha.Emmi, que nasceu pouco antes de Hitler ascender ao poder na Alemanha, perde o pai na guerra e tem uma adolescência difícil, trabalhando desde muito cedo para ajudar em casa. É num bar aonde vai com os amigos depois do trabalho que conhece Markus, um homem de Berlim Leste que lhe escreve cartas maravilhosas e por quem se apaixona perdidamente. Apesar de a mãe desaprovar o seu casamento num momento em plena Guerra Fria , a irmã apoia-a, e Emmi acaba por ir viver com Mischa para a RDA. Inicialmente, tudo corre bem, mas, depois de o Muro de Berlim ser erguido, a separação da família e a chegada de uma carta anónima deixam-na na mais profunda depressão. M. nasce após a divisão das duas Alemanhas e é o fruto perfeito do socialismo: com uma mãe ausente e educada por uma ama que adora plantas, M. idolatra o pai, desconhecendo por completo o mundo ocidental e crescendo ao sabor de uma realidade distorcida. Até que um dia, ao ouvir o testemunho chocante de uma rapariga, descobre que, afinal, não é só o Muro que tem um outro lado. A narrativa é apresentada de forma original, com capítulos que começam com o nome de plantas, informações sobre elas e associações simbólicas com a história e as personagens. As plantas servem como um elemento simbólico ao longo da obra, representando a natureza e o poder de regeneração."


Algumas breves reflexões: O medo é um verme que nos vai comendo por dentro até não sobrar nada, deixando o exterior intacto.

Sempre tive medo que me deixasses de amar(...) O medo fazia de mim fraca. Nunca me amarias se me soubesses fraca. 

  Há quem desperdice toda uma vida enquanto pensa o que fazer com ela

  Pensar naquilo que significa ser livre é prender a liberdade num conceito. 

  A vida é feita de momentos presentes que alteram o futuro. Raramente se fala dos momentos presentes que alteram o passado...

Se estiveremos atentos, há várias saídas na estrada do desalento. Só não estão devidamente sinalizadas. 

  Deixar que cuidem de nós não é uma fraqueza. É uma inevitabilidade.

Perdi-te pela segunda vez.Só então  me apercebi de que tinha havido uma primeira.

É preciso tão pouco para se ter tudo.

A paixão é um ogre adormecido. Quando acorda é para fazer estragos.

Às vezes amar é partir...

domingo, 19 de outubro de 2025

domingo, 14 de setembro de 2025

Ausência...

O que dói...;é não poder apagar a tua ausência e repetir dia após dia os mesmos gestos. O que dói...é o teu nome que ficou como mendigo a descoberto O que dói...é tudo mais e mais aquilo que desteço ao tecer para ti novos regressos. Daniel Faria



«Há tragédias e há comédias, não é verdade? E são frequentemente semelhantes, um pouco como os homens e as mulheres. Uma comédia depende de parar a história exactamente no momento certo.» 

  A certa altura depois de ele dizer a palavra "pausa", enlouqueci e fui para a um hospital.(...) o Dr P. diagnosticou-me um Transtrorno Psicótivo Breve, o que significavaque somos genuinamente malucos mas não por muito tempo.(...) A "Pausa" era francesa, com cabelos castanhos finos mas brilhantes... Era jovem, claro, vinte anos mais nova do que eu...

domingo, 24 de agosto de 2025

Portas

Sinopse: "Magda, jovem escritora na Hungria comunista, até então impedida de publicar, é politicamente reabilitada pelo regime, alcançando, aos poucos, o merecido sucesso e reconhecimento social. Ao mudar-se para um apartamento maior, emprega Emerence, uma camponesa analfabeta, para a ajudar com as lides domésticas. Esta é uma figura enigmática, respeitada e quase temida pela vizinhança, sobre a qual exerce uma autoridade natural, embora ninguém conheça verdadeiramente o seu passado ou vida privada. A inesperada doença do marido de Magda reforçará a ligação entre as duas mulheres, a ponto de Emerence abrir a porta de sua casa a Magda, revelando-lhe os segredos de um passado traumático, ao mesmo tempo que precipitará um final trágico na sua relação."

O título, um nome muito repetido ao longo do romance, em diferentes contextos,  remete para a porta inexpugnável da casa de Emerence. Quando esta se abre-   caixa de Pandora?  - desmorona-se o  mundo de ambas as mulheres comprometendo  a estranha e, por vezes inexplicável,  amizade existente entre elas...( inexplicável ou incompreensível?)

A Porta é uma metáfora das barreiras que levantamos,  entre nós e o outro,  que nunca abrimos...Isso é positivo ou negativo?

 

  

  Autobiografia ficcionada que analisa a  relação de dependência entre duas mulheres, sem afinidades aparentes,  na Budapeste dos anos 50... uma escritora e a sua empregada , uma mulher de temperamento absolutamente imprevisível que, de modo arrogante, despreza o trabalho intelectual.

     O que Emerence odiava era o poder, não importa em que mãos estivesse, se aparecesse algum homem capaz de resolver todos os problemas dos cinco continentes, Emerence ficaria contra ele também, simplesmente porque seria o vencedor. Para ela, todos tinham um denominador comum, deus, o escriturário, o militante do partido, o rei, o executor, o secretário-geral da ONU, e, se acontecia de ela manifestar a  sua solidariedade a alguém em particular, a sua compaixão era universal, não apenas a quem a merecia, mas a todos, mesmo aos criminosos.  



É uma narrativa rebuscada e lenta, por vezes repetitiva, mas tem momentos estimulantes de prosa poética de uma enorme sensibilidade ….  É um romance complexo, profundo, intenso, cuja ação decorre num espaço restrito, quase claustrofóbico,   Pessoalmente, cativou-me por ter identificado Emerence com três mulheres que conheci... 


Como conciliar uma perceção purificada com uma atenção apropriada às relações humanas, às tarefas e aos deveres necessários, já para não falar de caridade e compaixão efetivas?

Debate imemorial entre contemplativos e ativos... 


É pouco provável os contemplativos entregarem-se aos jogos de proxenetas, tornarem-se proxenetas ou bêbados; em regra, não pregam a intolerância nem fazem a guerra; não se veem na necessidade de roubar, de vigarizar o próximo ou de oprimir os pobres. 


A espécie mental a que Blake pertencia é relativamente abundante... o visionário desprovido de talento talvez apreenda uma realidade interior não menos tremenda, bela e significativa do que o mundo contemplado por Blake, mas falta-lhe a capacidade para exprimir aquilo que viu.

A mescalina é completamente inócua e os seus efeitos dissipam-se ao fim de oito ou dez horas 

  Toda a nossa educação é predominantemente verbal e, portanto, mostra-se incapaz de cumprir a missão que lhe deveria caber. Em vez de transformar crianças em adultos plenamente desenvolvidos, produz estudantes de ciências, completamente alhheios à natureza...lança no mundo estudantes de humanidades que nada sabem acerca da natureza humana , a deles próprios ou a dos outros.(...) Para as pessoas mais educadas é quase impossível dedicar uma atenção genuína a tudo o que não sejam palavras e conceitos.(...) As humanidades não verbais, as artes de tomar consciência direta dos factos adquiridos da nossa existência, são quase completamente ignorados.(...) Além disso, este tema da educação das humanidades não-verbais não se encaixa em nenhum dos compartimentos predefinidos.

Opinião de António Ribeiro:

"Ouço falar deste livro desde que me lembro. Mas nunca tinha posto mãos à obra. Tornou-se um clássico da contra-cultura norte americana da década de 1960, principalmente depois de Jim Morrison ter batizado os “The Doors” a partir do seu título. E isso é uma injustiça que se lhe faz (ao livro). A única coisa que liga este livro a esse imaginário do “Verão do amor” é apenas o facto de ter como episódio inicial uma experiência com mescalina, o princípio activo existente no “peyotl”, uma raiz consumida pelos indígenas do México. Aldous Huxley foi, desde muito jovem, um leitor atento dos místicos cristãos. As referências que ele vai citando não deixam dúvidas: o monge dominicano alemão Eckhart, o franciscano flamengo Ruysbroeck, e, finalmente, o carmelita S. João da Cruz, talvez a referência mais citada no livro. O homem que descreveu admiravelmente a angústia da “noite do espírito”. Todos estes autores se inscrevem na escola da mística designada por abstracta ou “apofática”, frequentemente perseguida pela Inquisição. Huxley afirma que, na sua juventude, não gostava destes autores, que considerava uma espécie de “budistas ocultos”. Mas acabou por compreender que entre a mística cristã, budista, sufi (o misticismo islâmico) e outras existem analogias formais que são inegáveis. A tese de base do livro é a de que o cérebro humano se destina unicamente a regular a nossa economia animal, e que o uso de ascese e meditação, ou em alternativa o uso de químicos, pode fazer descer as funções cerebrais a níveis mínimos, permitindo aos seus praticantes o acesso a um estado de consciência transcendente. Em face da experiência que ele descreve, comparando com outras nas obras dos autores que Huxley refere e que eu, em tempos, também li, existem de facto analogias formais muito sólidas. Ao contrário de Huxley, eu só li, nunca experimentei. É bom lembrar que estes autores deixam bem claro que a viagem ao universo interior pode ser uma experiência devastadora e irreversível.Até por isso é sempre bom deixar espaço à dúvida."

domingo, 10 de agosto de 2025

Quem são estas três mulheres , personagens do libreto  feito por Agustina para esta ópera? 

 São  as protagonistas de três romances de Agustina: Quina( "Sibila"); Fanny ("Fanny Owen"); Ema ( "Vale Abraão")


    «Vamos pôr as nossas máscaras e voltar para o nosso lugar. Elas escondem que somos iguais aos homens e que temos direito ao reino deles. Mas como os iguais não se podem amar temos que usar estas máscaras de ferro toda a vida.»

    Cada uma destas mulheres revela o "seu principal": a espera, o sofrimento, o silêncio.

     Mas o o que é o principal? 

    Resposta de Agustina , numa carta enviada à sua filha: 

« Aprendi no livro do Bambi a sabedoria da velha perdiz: o principal é resistir a levantar voo quando se ouvem os tiros.»

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Sempre mais além...

 

A viajar, como eu gosto, sem sair de casa, na companhia de alguém que parte, «em busca de sol e calor, de uma ilusão, de uma ideia de liberdade, de contacto com novas terras e gentes» e que afirma , talvez com melancolia, que « Não tinha pressa porque ninguém me esperava em lado nenhum». 

 Depois de muito viajar e de querer ir «sempre mais além», o autor vive rodeado de mar, , na Ilha das Flores, mas " já não vou a lado nenhum", como afirma no epílogo. 

 Gostei de ler as viagens, mas o que mais apreciei foi reconhecer, tantos anos depois, o menino de olhar brilhante que conheci com 14, 15 anos...

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Nunca...

Nunca li um livro que me provocasse sentimentos tão contraditórios: o prazer da palavra e estados de alma   de um sofrimento inexplicável. A emoção  intensa aliou-se a uma culpa de estar a violar a privacidade de alguém. Não sou capaz de traduzir em palavras o que sinto, só sei que as  lágrimas  que chorei foram de  felicidade...

A felicidade pelo ciúme...É fácil não ser ciumento, enquanto não se ama...

Ao mesmo tempo, somos capazes de amar várias pessoas, porque o ser humano é assim...

Nada melhor no mundo do que as volúpias malignas...

A indiferença mantém o ser intacto, a paixão humilha.

Aqui é tudo obrigação...já nem sabem o que é a alegria de viver.

Ser rico é viajar sem malas...

Como é estranha, a vida humana!Fugidia, inapreemsível. É talvez o suspiro o que melhor exprime a sua substância.

Não podemos  livrar-nos do passado, sobretudo quando não queremos.

    Que a minha mulher me engana já eu suspeitava há muito.(...) Na verdade, fiz mal em casar, eu sei.Porque, até aí, pouco me interessavam as mulheres, era frio por natureza.
 (...) Mas eu sou umhomemdifícil por natureza,não o esqueçamos.

Há algo desntro do homem que ele nunca compreenderá.

A vida depende de formalidades.

Já não quero fechar os olhos...

Que pensas : que eu sou uma besta quadrada, ou estúpido como uma porta? - Isto é que lhe devia ter dito.  Mas não disse.
E estes apantamentos talvez sirvam justamente para isso. Para colmatar aquele vazio, que deixei escapartanta coisa na vida. Porque nunca fiz nada,nem disse nada, na altura e no lugar certos. Que fazer? 

Não mais responsável pelo acontecido- sou leve, sem bagagem. Interrompe-se o passado  e isso é  bom.Para quê preocupar-me com fantasias desmedidas como saber se alguém me ama ou não? .

Silencioso, definitivamente silencioso... já o fui na minha juventude, mas, então, igualmente sombrio...

Oh, eu amava-a , hoje não tenho dúvidas, talvez perdidamente - seria bom dizer a alguém-

Sou um homem amadiçoado. Incapaz,hoje, de imaginar coisa diferente sobre mim-  alguém que nada satisfaz neste mundo.É o meu destino, parece. Ter sede enquanto viver. E não encontrar alívio em parte alguma.

... Aliás,para quê a felicidade? Talvez seja essa, em nós, a maior obsessão.

«Parece ser esse o teu destino.Aprende a viver sozinho... Mas definitiva e completamente sozinho». E ainda me aflige yer-lhe consagrado tão pouco tempo. E logo a ele. Preocupamo-nos ...cpm toda a espécie de gente e não temos tempo para quem vale a pena

Eu pensei numa pequena e curta aventura...com a pessoa que outrora tanto amava. Era um sentimento ignóbil e interessante porque eu aspirava ao vazio., à volúpia sem conteúdo  nem alma, como se nunca a tivesse visto antes

 Nessa época, lia ainda mais e, como do costume, deitada. Numa palavra: como se, de factovivesse numa ilha, longe das pessoas, num sossego constante e continuado... 

Mas firmemento acredito...que, num belo dia de sol, ela vai reaparecer algures, numa rua deserta, numa esquina, e que, não sendo já nova, há de correr nos seus passsos miúdos e queridos...E que o sol atravessará, brilhando a sua capa preta.
Aposto, à luz da minha alma, que será assim, tal e qual. Caso contrário, de que me serve viver?  Eu já só espero isso, e esperarei, enquanto for vivo. Prometo. A quem? Não sei.
                                            
                                                        É O FIM




    Um escritor nunca esquece a primeira vez em que aceita umas moedas ou um elogio em troca de uma história. Nunca esquece a primeira vez em que sente no sangue o doce veneno da vaidade e acredita que, se conseguir disfarçar a sua falta de talento, o sonho da literatura será capaz de garantir um teto sobre a sua cabeça, um prato quente no final do dia e o que mais deseja: o seu nome impresso num miserável pedaço de papel que com certeza viverá mais do que ele. Um escritor está condenado a recordar esse momento, porque nessa altura está perdido e a sua alma tem preço.
 

  Já naqueles tempos,os meus únicos amigos eram feitos de papel e tinta. [...] Onde os meus colegas viam manchas de tinta em páginas incompreensíveis, eu via luz, ruas, gente. As palavras e o mistério da sua ciência oculta fascinavam-me e, para mim, eram a chave que abria um mundo sem fim e a salvo daquele caos

 Quando Cristina e Pedro casaram, Uma brisa gelada acariciou-me a pele, trazendo o hálito perdido das grandes esperanças. / Com a sua ausência,notei pela primeira vez o silêncio que enfeitiçava aquela casa. / Falo de uma mulher a sério,daquelas que nos fazem ser o que temos de ser. /  Cristina ofereceu-me aquele olhar ferido e destroçado que me teria perseguido até ao inferno.

  A rotina é a governanta da inspiração./ O tempo cura tudo menos a verdade./   A vida só dá uma segunda oportunidade a quem nunca deu a primeira. Foi neste lugar que encontrei quase todas as coisas boas da minha vida...Não lhe quero dizer adeus. Sempere era crente:acreditava nos livros. Ninguém sabe o que cada eu gosta de uma pessoa.

 “O Jogo do Anjo é, a meu ver, uma história de mistério  que, como A Sombra do Vento, explora e combina numerosos géneros, técnicas e registos. É uma história sobre livros, quem os faz, quem os lê e quem vive com eles, através deles e até contra eles. É uma história de amor, amizade e, em alguns momentos, sobre o lado obscuro de cada um de nós. Pelo menos essa é minha ambição, oferecer ao leitor uma experiência intensa e convidá-lo ao jogo da literatura.” O livro não é uma continuação de A Sombra do Vento, mas sim uma segunda tentativa numa narrativa “centrada num mesmo universo literário. É como uma caixinha chinesa, um labirinto de ficção em que há quatro portas de entrada”. Zafón



Nunca devemos ter inveja, mas...


    "Um poema sobre “o vício mais ignóbil”, um livro "repelente"? “O mais longo e mais grandioso poema sobre o amor entre homens”?

     Este folheto polémico, na época escandaloso, com uma inscrição manuscrita por Fernando Pessoa, foi vendido em Londres por cerca de €22.600...
 
    “Tenho muito orgulho em ser o guardião, no presente, deste milagre da poesia”... “Fui tocado pela coragem e pelo espírito empático com que o jovem Pessoa usou a língua inglesa para explorar a relação entre Adriano e Antínoo.” Explicou ao Expresso o comprador, que pediu o anonimato. 

     O meu sentimento de "inveja" foi atenuado por esta preciosidade ser usufruída por quem me parece merecê-la...

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Ai a estupidez...


    Musil , de modo irónico , mas muito avisado, orienta o leitor a não cair nas armadilhas da estupidez disfarçada de falsa sabedoria...

   

 Um manual essencial para distinguir a "estupidez honesta" e a " estupidez superior", a mais perigosa...

" Musil quis expressar nesta conferência, sobretudo, uma convicção: só se as pessoas tiverem uma visão crítica sobre o seu tempo será possível evitar acontecimentos históricos catastróficos. Desta maneira, o alcance daquela conferência sobre a estupidez não fica apenas pela situação austríaca, nem pela europeia; nem sequer, na verdade, pela política ou por um momento histórico


    Há indivíduos nos quais o instinto e o pensamento formam um todo harmónico; tais indivíduos são génios, seres que conseguem exprimir inteiramente as suas qualidades humanas; ora semelhante fenómeno só é possível se o homem não utilizar o pensamento para sufocar os instintos, mas, sim, para os exprimir com maior perfeição. 
    
As grandes descobertas devem-se à coordenação perfeita entre o instinto e a razão.



Tipos de estúpidos, segundo Musil, no homem sem qualidades: estúpido funcional; génio disfuncional;estúpido ocasional.

O estúpido funcional mantém toda a funcionalidade social, mas vai perdendo a sua individualidade, sendo vítima de um tipo de estupidez presente em qualquer extremismo ideológico.

O  estúpido ocasional, a pessoa comum,  deseja retirar da vida — e que acaba por consegui-lo — um único bem: não o poder, nem o dinheiro, nem o conhecimento, mas essa felicidade que é afinal a motivação de toda a reflexão ética e moral

 "Se a estupidez não fosse tão parecida, a ponto de confundir-se, com o progresso, com o talento, a esperança ou a melhora, ninguém desejaria ser estúpido" 

  "[…] a falta de sentido artístico de um povo não se exprime apenas nas más épocas e sob forma grosseira, mas também nas boas e sob todas as formas, de tal modo que entre a repressão ou a proibição e os doutorados honoris causa, a atribuição de cátedras universitárias e as distribuições de prémios, há apenas uma diferença de grau. 
Desconfiei sempre que esta resistência multiforme de um povo, que tem pretensões a amar a arte, à criação e a toda a delicadeza de espírito era apenas estupidez, talvez uma variedade particular de estupidez, uma estupidez estética e talvez também afetiva; manifestando-se de tal modo, em todo o caso, que aquilo a que nós chamamos “bel esprit” poderia também ser qualificado de “bela estupidez”; hoje, ainda, não vejo muitas razões para mudar de opinião. "

 "qualquer coisa pode ser estúpida sem o ser necessariamente, que o significado da palavra muda com o contexto, e que a estupidez está estreitamente relacionada com outra coisa sem por isso ultrapassar de nenhum modo o fio que permitiria, se se puxasse por ele, desfazer de uma só vez todo o tecido." 

Através desta metáfora, concebemos a estupidez como um elemento externo ao indivíduo, que invade um determinado corpo, vivo ou concetual. O que se deve notar neste excerto é o uso do advérbio necessariamente: afirmar-se que qualquer coisa pode ser estúpida sem o ser necessariamente significa que a estupidez pode ser considerada um estado temporário, acidental, em que algo ou alguém se encontra em face das corcunstâncias exteriores. São estas circunstâncias que atuam frequentemente numa uniformização social dos indivíduos. A estupidez funcional está relacionada com este estado de um certo apagamento da consciência e do pensamento crítico, a que os sujeitos ou as ideias de certas épocas são expostos.

"Estupidez e orgulho crescem no mesmo galho." 

"As pessoas assemelhavam-se a um pé de trigo numa seara […] — tudo estava claramente definido e as responsabilidades assumidas. Hoje, pelo contrário, a responsabilidade deixou de ter o seu centro no indivíduo, e passou a tê-lo nas circunstâncias." // "[…] as condições de vida atual são tais, formam um conjunto tão vasto, tão complexo, tão caótico, que as estupidezes ocasionais dos indivíduos podem facilmente causar uma estupidez constitucional da comunidade." 

 "Não há nenhum pensamento importante que a estupidez não saiba aplicar, ela move-se em todas as direções e pode vestir todas as roupagens da verdade. A verdade, ao contrário, tem apenas uma roupa em qualquer ocasião, um só caminho, e sempre está em desvantagem." 

 "Mas, se tivéssemos que acrescentar alguma coisa, seria o seguinte: com tudo o que foi dito não existe ainda nenhum sinal seguro de reconhecimento e diferenciação do significativo e não poderia existir nem de leve um sinal totalmente suficiente. Mas justamente isso nos leva ao último e mais importante meio contra a estupidez: a modéstia."


Ela é dirigida, sobretudo, às pessoas que têm a possibilidade de mudar o rumo histórico dos acontecimentos. É dirigida, portanto, à pessoa comum. É também este o motivo que torna «Über die Dummheit» um texto tão actual. 

 Esta «pessoa comum» difere tanto do estúpido funcional como do génio disfuncional. É porém com o estúpido funcional que mantém uma relação mais estreita. Tal deve-se ao facto de o estúpido funcional ser, na verdade, nada mais do que uma pessoa comum que se deixou dominar pelas circunstâncias históricas. A pessoa comum, então, difere de uma pessoa realmente estúpida porque não está totalmente dominada por uma concepção histórica. Para Nietzsche, esta é a pessoa que detém o verdadeiro poder de plasticidade. Este indivíduo não deve ser menosprezado, porque é também ele que reúne as condições para a felicidade: ele é o estúpido ocasional.

Como já foi referido, Musil opõe-se veementemente a chamar «estúpido» a alguém que não seja eficiente no agir. As pessoas têm, universalmente, a capacidade de pensar racionalmente; mas por alguma razão, as pessoas também agem inobjectivamente. Devemos então admitir que o humano tem uma aptidão natural para a inobjectividade e, possivelmente, para a ineficácia."

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Da depressão à loucura, seguida de ...


Sinopse - "Conto publicado no final do século XIX, retrata a história semiautobiográfica de uma jovem mulher deprimida, recentemente mãe. O marido, John, médico, demonstra grande incapacidade para entender o que se passa com ela... Com esperança de a ajudar, John muda-se temporariamente com a mulher para uma outra casa, bonita, campestre, onde a tentará recuperar com ar puro e repouso, muito repouso, demasiado repouso... A mulher, sentindo-se presa, sem opções para a sua imaginação e criatividade, vai ficando cada vez mais longe da cura, cada vez mais perto da loucura." 


  Um tema que poderia ter originado um romance excecional, dá origem a uma narrativa, demasiado breve, demasiado simplista, sem qualquer intensidade,  que pouco acrescenta à sinopse da contracapa.



"Este amor será 
real ou um sonho apenas?
 Como hei-de sabê-lo 
se a realidade e o sonho 
existem sem existir? " 

Komachi( 834- ?)



"Nos montes vazios
sem nada a oferecer,
domina o Outono"
Shiba Sonome (1664-1726)

"Toda a solidão
está dentro de quem ouve-
um cuco a chamar."
Chiyojo( 1703-1775)

"Em dias de solidão 
nem sequer um cuco chama
por esta viajante."
Tagami Kikusha( 1753-1826)

"Cheirando a suor,
aquele povo sem voz-
vou juntar-me a eles."
Takeshita Shizunojo ( 1887-1951)



"Entre uma pessoa e outra não há qualquer ponte."

"O mar agitado
e o carrinho do bebé,
lado a lado no Verão."
Hashimoto Takako( 1899- 1963)

"Folhas a cair,
folhas e folhas caindo
também na minha cama."
Mitsuhashi Takajo( 1899 -1972)

O haiku começou com Bashô e acabou com Hideno.

"Este bebé nu 
é tudo o que me foi dado
e por isso rezo."
Ishibaashi Hideno( 1909-1947)

"Dia de primavera-
um vento que vem do mar
sem que o mar se veja."
Katsura Nobuko( 1914-2016)

"Flor de cerejeira-
cada sítio onde se pára,
é só flores e flores."
Yoshino Yoshiko( 1915 -2011) 

"Perder-me no caminho
já faz parte da viagem-
contempla as papoilas."
Inahata Teiko( 1931 - 2020)

"Sinto-me tão só 
enquanto escrevo o meu bome - 
quente madrugada."
Uda Kiyojo(1935 )

"Alguém que ama outro,
com aquele que não ama 
a beber cerveja."
Kuroda Momoko( 1938 - 2023)

"Na teia de aranha
nada fica preso à noite-
brilha a lua cheia."
Katayama Yumiko( 1952)

"Apanhamos plantas
depois de termos chegado
num Porsche vermelho."
Mayuzumi Madoka(1962)

"Floresce a cerejeira / só para ensinar ao mundo /seu breve florir? " - Den Sutejo( 1633- 1698)




domingo, 1 de junho de 2025

Erros Meus...

        TUDO 


     Pela cidade
     num ou noutro 
    qualquer local 
    por acaso 
    nos encontramos 
    sem prévio aviso
    e trocamos
    olhares
    sem nada 
    para além disso
    sem nada
    para além de gostarmos 
    de nos encontrar




Balada do investigador particular( Arte poética)

A verdade é que não sei viver sem ser 
literariamente. 
Imaginando uma composição imaginária,
 que desconheço
 e me inclui. 
Sou um investigador particular, mas 
as provas não me interessam. 
Só as pistas. Porque as pistas fazem sonhar.

Nunca acreditei que fôssemos exclusivos, mas gostava de pensar que éramos singulares. 
Um par singular.

ECCO - A linguagem é a capacidade de lidarmos com a ausência...Mas , agora, quando aqui estamos os dois , a falar um com o outro, com que ausência estamos a lidar?


Vou esquecendo a nossa história, distraindo-me nas histórias dos dias dos outros, onde vamos ficando como personagens abandonadas de uma telenovela banal.
Escrevo este diário como uma história em que não acredito, mas nessa história acredito que um dia tu voltas para mim.

Depois de nós o que ficou 
foi a beleza do que não chegámos a ser 
o nosso perdido futuro 
que, ternamente, relembramos.

Depois do nosso encontro
 fica a saudade de tudo o que, 
por nos encontrarmos, 
 deixamos de ser:
 desconhecidos, cruzando-se 
nas ruas da cidade dos dias antes

  O destino é a inteligência secreta do acaso Paul Valéry 



  Estes "Erros" de Nuno Artur Silva leem-se com imenso prazer...Na sua maoria, não são poemas, apesar de muitos textos terem forma poética, são reflexões fragmentárias sobre o universo literário , sobre a realidade atual... Muito , muito interessante. A intertextualidade com obras que fazem parte de mim, que identifico sem recorrer a notas, permitiram-me uma viagem literária que me deu o estranho prazer de encontrar  amigos imaginários,  que não encontro há algum tempo, pois  ficaram esquecidos em estantes...Também encontrei muitos conhecidos reais perdidos no acaso do tempo...

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Destino??

Pareceu-me interessante juntar estas duas mulheres que nunca se puderam conhecer, separadas pelo tempo e pelo espaço, mas com semelhanças profundas. Mereciam ter-se conhecido...
    

    Vivi sem te ver,quase sem te conhecer, e tu já eras tão meu como agora.Eu, que estou sempre a temer a desgraça, não tenho medo de te perder. Tu podes esquecer-me, abandonar-me, deixar-me, mas serás sempre meu e só meu. Eu inventei-te, meu amor. És muito mais do que o meu amante; és a minha criação. É por isso que me pertences, mesmo que não queiras.

Não está na nossa mão desfazer o que nos está destinado... 

  Ada sentiu-se perturbada pelo medo, e por um ciúme físico que não tinha sentido até então.

«Perdi-o e reencontrei-o. Talvez um dia...« / Mas não . O sacrifício tinha de ser completo. Tinha de se esforçar para vencer aquele desejo obstinado de felicidade, aquela fé absurda e incompreensível que acalentava no seu íntimo de que, na realidade, Harry lhe estava destinado

 Apesar de tudo, agradecia a Deus: tinha conservado a sua capacidade infantil das alucinções, das miragens que se tornavam mais autênticas, mais reais do que a verdade(...) Nesse lento trabalho , inexorável, involuntário do espírito, estava a sua riqueza. Recriava Harry, reencontrava-o e falava com ele

    Pensar, recordar, ter saudades, chorar até que a grade de ferro da ponte lhe gelasse os dedos e os sentisse doridos e dormentes. 

  Ficou quase aliviada quando soube que não havia lugar para ela em parte alguma.

De vez em quando, perdia a consciência; então, esquecia-se de que Harry não estava ao seu lado; procurava-o e chamava-o em vão. Imaginacva-se a gritar por ele e a persegui-lo de sala em sala, de rua em rua. 

  Fui amada. Ainda o sou, sei-o, apesar da distância,apesar da separação. 

  Então pensou em Harry ... No entanto, Harry estava muito longe, e tinha voltado a ser um sonho.O destino era decerto cruel e incompreensível... 
 
Ada contou pelos dedos, como uma criança que faz a lista dos seus bens: « A pintura, o menino, a coragem. Pode-se viver muito bem com isto.»

  A sorrir, repetiu «nós» e pensou que era a primeira vez que podia dizer nós, com toda a certeza, essa palavra tão doce.

«Discutimos o livro Os Cães e os Lobos, de Irene Némirovsky, e foi unânime que é uma obra intemporal e universal, bem escrita e que mostra verdadeiramente o que é um clássico da literatura. A personagem Ada é fascinante e levou-nos até um tempo e até um espaço distantes na História, mas também nos transportou para os seus sonhos e devaneios, fazendo-nos viajar em todos os sentidos. A sua história é comovente, ainda que a esperança final nos faça acreditar que, mesmo não tendo nada, é sempre possível encontrar um sentido para a vida.»  Vanda Balão



  « Gaza está em toda a parte, de Alexandra Lucas Coelho, é um livro diferente, pois reúne crónicas, fotos e mapas, cujo objetivo é mostrar os dois lados do conflito entre Israel e a Palestina. 

     "A autora divide o livro em duas partes: antes de 7 de outubro e depois, mostrando claramente a diferença antes e depois de todas as atrocidades contra o ser humano a que temos assistido impávidos e serenos. Como diz Alexandra Lucas Coelho, tal como se interrogou Primo Levi, um dos sobreviventes do Holocausto, se isto é um homem, o que será (ou em que se transformou) a humanidade? Não há desculpas, não há lados certos ou errados. Há um povo a ser destruído na sua globalidade, há reféns que não sabemos sequer se estão vivos, há um território que não é de ninguém e que é de toda a gente. Há ainda ideias absurdas, como a de transformar Gaza num resort. Há o terrorismo do Hamas. Há o poder e a estupidez de quem lidera os países e o mundo. E há sobretudo uma incapacidade de resolver um problema que não começou no 7 de outubro, mas que se agravou e que se continuará a agravar se nada for feito, alastrando o ódio e a possibilidade de extermínio de civis só porque nasceram no lugar errado e no tempo errado. Afinal, o que podemos nós fazer? Não sei. Mas ficar calados e quietos não chega. É preciso mostrar ao mundo que ainda somos humanos e que temos a capacidade de nos comover com a situação do outro, mesmo que distante, mesmo que ele pareça diferente ou veja o mundo com outros olhos. É preciso ter voz e lutar todos os dias para que os nossos jovens não herdem um mundo em que o ódio vence o amor e a humanidade. Acima de tudo é  um livro sobre Gaza e sobre seres humanos." Vanda Balão

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Luto...

" Não é um livro, mas uma reflexão sobre o luto e sobretudo sobre o meu luto por Javier.(...) Trata-se de uma autoedição, cujas receitas irão para a fundação com o nome de Javier que os meus filhos e eu consituímos"

Nota prévia da autora, mulher de Javier Marías


Começo
- Primeiro chega a morte. Depois o luto. A desolação infinita. 
Dor - Não esperava que viesse a ser fácil, nisso não me enganei nem por um minuto, mas tão-pouco que a dor viesse a ser tão forte. Que viesse a embargar-me por completo a ponto de quase me impedir de pensar. 
Robótica - Li oi ouvi algures que é bom mover as mãos para que o cérebro não continue a alhear-se-
Identidade e fantasma -
Fases- Cérebro -
Protagonismo -
Desaparecimento
Mausoléus e múmias -
Noite Saudade -
Amonas -
Consolação -
Travessia-

Direito por linhas tortas...

“Na Faculdade de Direito de Lisboa,tive de aguentar um professor que insultou uma aluna dizendo-lhe para ir para casa tratar do marido e coser meias. Fugi, a seguir à Revolução, para Coimbra. Lisboa era uma arena de batalhas entre maoistas e comunistas e ninguém estudava, os exames foram abolidos e os professores demitidos. Em Coimbra, controlada pelo PCP, tive de aturar um professor homossexual, misógino, católico e comunista, que insultava as mulheres nas orais fazendo-as chorar. Enfrentei-o e insultei-o, ele jurou que nunca me passaria.Fiz Direitos Reais como última cadeira do curso, e passou-me com 14. Com este exemplar aprendi que ter medo é uma derrota. Por esse tempo, estava a emancipar-me, um processo de íntima violência"

 Clara Ferreira Alves, Expresso, 4 de abril de 2025

  Em Coimbra,controlada pelo PCP, tive de aturar um professor homossexual, misógino, católico e comunista, que insultava as mulheres nas orais fazendo-as chorar. Enfrentei-o... Abandonei a prova oral, porque me mandou sistematizar um problema de uma tal complexidade que o esquema dos sucessivos possuidores e propietários de uma bicicleta ocupava todo o quadro. Quando, depois de linhas e linhas esquemáticas, julgo que bem feitas, me arremessa, com ar irónico, a pergunta: " Quid iuris? ", diga, quem é , neste momento, o proprietário da bibcicleta!" Eu desci calmamente do estrado, dirigi-me para a porta e, com ar irónico, disse-lhe: " Vou à procura dele", e abandonei a sala. Claro que não esperei que o Bedel, com ar de catedrático, viesse dizer as notas. Estava no bar das Letras, quando um colega me diz: "passaste e tiveste 14" ...Com este exemplar aprendi que ter medo é uma derrota. Por esse tempo, estava a emancipar-me, um processo de íntima violência.

terça-feira, 4 de março de 2025

Quem somos?



Córidon, um pastor, pelo formoso Aléxis, 
delícias do seu dono, em desespero ardia.
A um denso faial, de vértices sombrios,
 vinha assíduo; aí, só, às selvas e montes 
lançava, num esforço inane, estes delírios:
 Não escutas, cruel Aléxis, os meus cantos:
 Nem tens pena de mim? forças-me a morrer. 

(...) 

“Córidon, que demência se apossou de ti, Córidon? 
Manténs a vide mal podada em olmo alto. 
Porque não te propões a fazer algo útil,
 trançando com o vime e o junco maleável? 
Se este te repele, acharás outro Aléxis”. 


  peço-vos perdão... não por vos deixar, mas por ter ficado tanto tempo.


O passado, por pouco que nele pensemos, é coisa infinitamente mais estável do que o presente
 

só nos vemos a nossa vida 
 
Sempre tivera medo, um medo indeterminado, incessante... 

  Toda a felicidade é inocência... 

  A primeira consequência das tendências interditas é fecharmo-nos em nós mesmos 

  Eu não era feliz. Claro que sentia uma certa decepção com esta falta de felicidade, mas acabei por resignar-me

  Pensava nele , como se ele fosse filho de outro

Advertência da autora aos possíveis leitores:
"Este livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada(...)Aquelas pessoas que, só elas, entenderão bem devagar que este livro nada tira de ninguém." CL


    Epígrafe de Bernard Berenson: "Uma vida plena pode ser aquela que alcance uma identificação tão completa com o não-eu que não haja mais um eu para morrer".


    Vida e morte foram minhas, e eu fui monstruosa. Minha coragem foi a de um sonâmbulo que simplesmente vai. Durante as horas de perdição tive a coragem de não compor nem organizar. E sobretudo a de não prever. Até então eu não tivera a coragem de me deixar guiar pelo que não conheço e em direção ao que não conheço: minhas previsões condicionavam de antemão o que eu veria. Não eram as antevisões da visão: já tinham o tamanho de meus cuidados. Minhas previsões me fechavam o mundo
.




Uma história simples de uma amizade talvez improvável em que até participa"A Brigitte Bardot em carne e osso!"que paga quarenta francos por uma garrafa de água.
 


Sinopse:
Em Paris, nos anos 60, Momo, um rapazinho judeu de onze anos, torna-se amigo do velho merceeiro árabe da rua Bleue. Mas as aparências iludem: o Senhor Ibrahim, o merceeiro, não é árabe, a rua Bleue não é azul e o rapazinho talvez não seja judeu.


    O que é ser judeu?

Ser judeu é simplesmente ter memória. Uma má memória. 

    O que é ser árabe? 

Para toda a gente sou o árabe da esquina. 
Árabe significa ter a mercearia aberta à noite e ao domingo 



 A década de 1980 na República da Irlanda foi um tempo de crise. Os governos de Charles Haughey e Garret FitzGerald agravaram a situação com empréstimos e impostos elevados. Depois de aderir ao ERM - Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio em 1979, a Irlanda também foi confrontada , durante grande parte da década de 1980, com uma moeda sobrevalorizada. Grande parte do capital emprestado, na década de 1980, foi destinado a sustentar esta moeda sobrevalorizada. O investimento estrangeiro, sob a forma de capital de risco, foi desencorajado. Esta foi também uma fase de instabilidade política e de extrema corrupção política, com alternância entre o Fianna Fáil e o Fine Gael, com alguns governos que nem sequer duraram um ano e, num caso, três eleições em dezoito meses. O

    Passa-se em 1985, mas há algo de medieval, nesta história simples, bem escrita, de leitura muito agradável que evidencia, de modo tranquilo e sereno, a maldade que pode estar escondida, num convento católico, muma Irlanda em crise.

    Sem reflexões filosóficas, a narrativa flui , marcada por acontecimentos que, eles sim, desencadeiam , inevitavelmente, a reflexão do leitor. Nunca o narrador nos impões a sua perspetiva, pois prefere  deixar que a ação e as personagens se encarregam de mostar a realidade. Julgar? Julgue quem lê... 
 

“Numa impossível manhã de Inverno, numa estação muito conhecida, um homem que não conheço-” Quando? Onde? Quem? É neste ambiente de indefinição e mistério que todos os contos se desenrolam… Uma combinação perfeita do real com o fantástico e reflexões filosóficas sobre a condição humana. E se o tempo parasse? Como seria o encontro com um “eu” passado? Morrer pode ser uma forma de viver? Já imaginou ser apenas o sonho de alguém? Quem sou eu? São alguma das perguntas... Será que encontramos as respostas? 

 "À semelhança de Poe, que foi sem dúvida um dos seus mestres, Giovanni Papini não pretende que os seus contos fantásticos pareçam reais." - Prefácio

E se o tempo parasse? Alguém desejaria ficar aprisionado daquele instante?

 Nós precisaremos da ilusão do futuro, para viver na realidade do presente de hoje e do de amanhã?

Um homem encontra o seu Eu do passado. Do convívio nasce a certeza do quão odiosos fomos, somos e seremos. Sem outra alternativa, matamo-nos.

 Viver é sonhar com o futuro e assassinar o passado. 

 Um “evento” culmina no esperado. Uma vida que não merece ser escrita, não merece ser vivida. 

 Uma ode à morte: uma forma diferente de viver morrendo.

 E se eu fosse apenas um sonho de alguém? A vida é um sonho? Uma alucinação? 

Ninguém se lembra de o ter conhecido… Ele acaba por fazer a questão que outros lhe têm colocado a ele mesmo, e compreende que ele nunca se conheceu a ele mesmo na vida, não na sua abstração, pelo menos. O mundo volta a lembrar-se dele, mas ele já não faz parte desse mundo. 

 Um escritor procura o “homem comum”, aquele que não teve nenhum evento digno de registo na sua vida, mas que, ainda assim, tem uma história que poderia dar um romance – como a de toda a gente,

sábado, 1 de março de 2025

EuropaS...Estilhaços europeus...

Durante a escola primária, europa foi mapa, continente, capitais, paris, madrid, londres...Foi uma realidade teórica, memorizada e papagueada, sem entusiasmo, apontada num mapa. Os continentes são...as capitais são...

A europa fica... Entre os 9 e os 14 anos, a europa foram viagens com os pais... todas as férias, natal, páscoa e agosto, não tinha escolha, não podia ficar. Eles gostavam de viajar, de fazer quilómetros por essa europa fora... Os fins de semana, com feriado a jeito, eram mais sagrados do que uma peregrinação por motivos religiosos: vigo, madrid e andorra ... Lá os seguia, entediada, com o mesmo desinteresse com que aprendeu a europa teórica...Levava sempre uma almofada, de que não se separava nunca, o que enfurecia a mãe e desgostava o pai. Um vez esqueceu-se da almofada algures num hotel na suíca, quando deu pela falta dela, nessa noite não dormiu, chorou, apanhou uns tabefes, fez a birra mais espalhafatosa de toda a vida ... A europa foi o continente da primeira perda, o que sofreu sem a " fofinha"...Sempre que pensa nessa história, não consegue explicar exatamente a ligação afetiva que tinha à almofada, mas talvez ela significasse o desprazer por tanta viagem, a tristeza que sentia por não ser como as outras meninas que ficavam em casa nas férias e, no mês de agosto , iam quinze dias para mira ou para a figueira da foz... 

 França foi também local de "perdição"... Numa rua de paris, cujo nome não recorda, mas que lhe ficou gravada na memória, perdeu-se dos pais. Teve tanto medo, mal sabia falar francês, deve ter tido um ataque de pânico, mas isso era coisa que na época ainda nem tinha nome.Sentou-se num muro a chorar baixinho...Talvez pareça uma cena de filme, mas o facto é que um professor da alliance francaise, que dava aulas em coimbra, a reconheceu e a levou ao hotel...Neste episódio ,registou o modo, algo romanesco, como foi salva e o abraço apertado do pai. Viu-o duas vezes chorar ou melhor com lágrimas pendentes nos olhos: quando a mãe morreu e nesse momento. Como o pai era homem de reconhecimentos à moda antiga, enquanto esteve em coimbra, todos os anos, no natal, o salvador recebeu uma garrafinha de vinho do porto... A europa foi,assim, uma inevitabilidade sazonal a que os pais a condenaram: sempre os sentiu como uma espécie de agentes turísticos perversos...Na europa, perdeu um afeto e perdeu-se. 

 Durante o tempo da faculdade, a europa foram viagens por opção, amigos, alguns excessos, um eu diferente que lhe surgiu, inesperado, mas que rapidamente se desvaneceu: munique e paris ficaram para sempre arquivadas, foram episódios à margem do seu eu essencial... 

 Europa foi CEE, aulas de introdução à política, alcobaça, uma vida diferente... 

 Anos mais tarde, europa foi a angústia de mãe quando um filho,provinciano, inexperiente, com 18 anos, parte um mês com amigos, antes dos telemóveis, dos chats, dessas coisas que anulam as distâncias. As dúvidas( terá sido sensato deixá-lo ir?) a espera de notícias, dias e dias sem saber nada, até que um telefonema de amesterdão lhe diz que ficam lá uma semana. O pavor do fácil acesso a drogas , mais dúvidas, em casa de quem estará, um mês bem mais terrível do que aquele em que a europa privou uma criança da sua almofada... 

 Europa foi concurso de tradução de cícero, roma e adriano...

 Europa foi espanha, mérida, santiago de compostela e salamanca, visitas de estudo, alunos, mas também férias, amigos, emoções desencontradas e sentimentos complexos...

 Europa foi fernando pessoa, mensagem...
A Europa é, agora, um espaço invadido, um espaço de refúgio que lentamente se vai descaracterizando e , tal como tudo, se globaliza numa mescla de culturas , de cores e de religiões: é o paraíso para os que vêm; um inferno para os que estão...

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.



O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.



Confiei, ingenuamente, no meu velho continente, nos valores civilizacionais herdados dos gregos, sonhei uma república de Platão e acreditei nessa quimera. Confesso, mea culpa, mea maxima culpa, que integrei o grupo dos que se congratularam com a entrada de Portugal na comunidade europeia e não acreditei nos "velhos do restelo" que profetizavam desgraça...
Não tive a admirável lucidez de natália correia:

A nossa entrada (na CEE) vai provocar gravíssimos retrocessos no país, a Europa não é solidária com ninguém, explorar-nos-á miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser. A sua vocação é ser colonialista. A sua influência (dos retornados) na sociedade portuguesa não vai sentir-se apenas agora, embora seja imensa. Vai dar-se sobretudo quando os seus filhos, hoje crianças, crescerem e tomarem o poder.Essa será uma geração bem preparada e determinada, sobretudo muito realista devido ao trauma da descolonização, que não compreendeu nem aceitou, nem esqueceu. Os genes de África estão nela para sempre, dando-lhe visões do país diferentes das nossas. Mais largas mas menos profundas. Isso levará os que desempenharem cargos de responsabilidade a cair na tentação de querer modificar-nos, por pulsões inconscientes de, sei lá, talvez vingança! Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente. Mais de oitenta por cento do que fazemos não serve para nada. E ainda querem que trabalhemos mais. Para quê? Além disso, a produtividade hoje não depende já do esforço humano, mas da sofisticação tecnológica. Os neoliberais vão tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reaccionário centrão. Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será, porém, de Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes valores? As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, o Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas rupturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres. A indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar das cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras derrocadas a vir.

nhe'#, em guarani, significa palavra e alma. Que coincidência bonita! Eis uma vontade súbita de aprender guarani...

  Todas as cabeças estão cheias de projetos..

Um livro inclassificável em que os "Espacialistas" são, mais uma vez, os artistas - arquitetos que transformam o pensamento e as palavras de Gonçalo M. Tavares em imagens...Tudo é perfeito neste livro visual que tem de ser percorrido com olhos de ver , de imaginar, de refletir: a qualidade do papel, o design, a sintonia forma - conteúdo, a arquitetura interna deste "Museu Imaginário da Europa"... 

Não foi a literatura que se aproximou da política, foi a política que  invadiu o campo da linguagem- invadiu e aí ficou.

                                    Alguns exemplo da riqueza das "Outras Ideias": 

     E a princípio era o traço, claro, não tanto o Verbo

    a  janela é a curiosidade em forma de vidro
    
     Habitar é uma forma de não esquecer

     
     "Toda a natureza é mensurável e a cultura é a parte da natureza que já foi medida

    "No fundo, o homem já não reza nem vira a cabeça para o céu a pedir justificações ou caridade; quando vira a cabeça para o céu é para perguntar....precisa de ajuda, meu Senhor?"

  "Somos uma espécie humana com tendência para a utopia, que preenche os espaços vazios com materiais concretos. Por isso, precisamos de céu"


Comecei a ler este livro pelo fim... Entrei neste Museu pela porta de saída, mas não deve ter importância porque todas as Romas vão dar a um caminho. É preciso não ficar na cidade.

O álcool é uma água que sonha.

As miniaturas são sínteses que cupam pouco espaço, mas muita atenção.

O arquiteto é um filósofo do efémero. / o homem que só olha para o útil não evita semelhanças com a galinha.

sábado, 15 de fevereiro de 2025

A poética do banal...

Esta terra cheia de mar...

 

“O que faço é conviver: pôr a minha vida em comum” 

 "Mas eu não morro nunca
 e eternamente busco 
e consigo a perfeição das coisas
 porque sou ateniense e grega."

 "Para escrever
 é preciso 
ter pouco
 que fazer 

 (tirando esta quadra
 não consegui hoje 
escrever mais nada)"


 Fedra está apaixonada por Hipólito
 Hipólito não está apaixonado por Fedra
 Fedra enforca-se 
Hipólito morre num acidente 

 Dido está apaixonada por Eneias 
Eneias não está apaixonado por Dido
 Dido oferece uma espada a Eneias 
Eneias esquece-se da espada
 quando se vai embora Dido suicida-se 
com a espada esquecida por Eneias 

 Um desgosto de amor atirou-me
 para um curso de dactilografia 
consolo-me a escrever automaticamente 
o pior são os tempos livres.

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

PietàS...

 

Fiel à sua filosofia o homem atacou a pedra para libertar a forma que já lá se encontrava. E a mulher surgiu, de uma incrível beleza , debruçada sobre o filho, abandonado no seu colo num sono de morte.... A mais bela estátua de todos os tempos , e esta estava simplesmente escondida no fundo de uma pedra. Por mais que Michelangel Buonarroti procurasse, por mais que gritasse, nunca mais encontrou outra igual em nenhum bloco de mármore.

       
     A Pietà de Michelangelo perde um braço,o nariz, uma pálpebra, e fica salpicada de marcas...Muitos na multidão não tiveram a presença de espírito para reagir.Mas lembram-se de apanhar os fragmentos de mármore da vítima para os levarem para casa.Alguns, tomados de remorsos, devolvê-los-ão, mas não a maioria. 

    Amantini sugere uma explicação  que, para alguns, esclarecerá o gesto de Lazlo Toth quando este procurou a Pietà Vitaliani para a destruir, mas não a encontrou e recorreu à Pietà de Michelangelo: a obra  aproxima-mos do divino. Está possuída sim, mas pela presença divina.(...) o mistério pode residir na relaçãodo escultor com a sua modelo.

    La Pietà Vitaliani, de Michelangelo Vitaliani... Mimo Vitaliani desapareceu, sendo impossível uma resposta definitiva sobre a sua Pietà... 

      Uma escultura é uma anunciação (...) O importante não é o que esculpes. O importante é o motivo pelo qual o fazes.

    Esculpir é muito simples. Trata-se apenas de retirar camadas de histórias, de pequenos episódios, os que são desbnecessários, até chegar à história que nos diz respeito a todos, ... a história que já não pode ser reduzida sem a danificar. É nessa altura que se tem de parar de bater.

    Mas a cerdade é esta : se Cristo é sofrimento, então, quer vos agrade quer não, Cristo é uma mulher.

  Notas dispersas 
Todas as fronteiras são invenções. /  Só nos contos de fadas o ódio se transforma numa grande amizade.

Ontem dei um beijo ao meu irmão ....um belo homem que partia para a guerra.Esta noite, o meu irmão é um esqueleto...Ontem foi há vinte e cinco anos. O tempo não corre à mesma velocidade em todo o lado. Einstein tinha razão.


«Julião fez desenhos inéditos a partir dos meus escritos, incluindo quase sempre, nesses desenhos, frases retiradas desses textos. É esse livro que aqui está, com o título e a organização que os dois acertámos em conjunto: A Pedra e o Desenho.» 

      O que é o historiador? Isto. Ver o que fica da velocidade que já passou. 

      Todas são as inscrições de voz são inscrições no tempo e não no espaço. As inscrições no espaço podem ser re-lidas, re-vistas; as inscrições no tempo podem ser escutadas. Poderás dizer , por isso, que o tempo é essencialmente sonoro, não se vê , não se toca,não se cheira...

    O que tens aì gravado? Tempo... Tempo com uma certa , digamos, personalidade